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Esportes
18/10/2017 09:59:00
Tite fala sobre métodos e dificuldade de ser justo: 'Tenho um grupo especial'

O Globo/LD

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Tite abre um presente. Mandou pôr em um quadro uma réplica da camisa da seleção brasileira de 1970 dada por Gérson, o Canhotinha de Ouro, camisa 8 daquele time histórico. A dedicatória antes do autógrafo, Tite faz questão de ler em voz alta, orgulhoso: “Uma lembrança do amigo, que gostaria de jogar por essa seleção que será campeã do mundo. Um abraço, Gérson”. Só um exemplo do prestígio do treinador que, daqui a 238 dias, estará na Rússia comandando um time que, quem diria após a Copa do Mundo de 2014, chega como uma das favoritas ao título.

— Um cara da Copa de 70, daquela seleção que merece ir para um quadro. Aí ele fala que gostaria de jogar nessa seleção? Eu vou falar para a boleirada toda. É uma valorização, um elogio sem tamanho — afirma o técnico da seleção brasileira, ao receber o presente e a equipe de reportagem do GLOBO para uma entrevista exclusiva.

INÍCIO DE TRABALHO

“Qual foi a minha linha de raciocínio? Primeiro ver os atletas de alto nível que o Brasil tem e adaptar o sistema em cima das características físicas e técnicas dos atletas. Para minha alegria, coincidentemente, é como eu também gosto. Um time móvel, rápido, ágil, com qualidade técnica individual impressionante do meio para frente. É só olhar para as peças que temos: Neymar, Coutinho, Willian, Gabriel Jesus.

MATERIAL HUMANO

“Tenho um grupo especial. Eu assumo a responsabilidade pela expectativa. A gente tem que aprender lições quando vence, empata e perde. Não aceito o clichê de que se aprende só quando perde. Então, vou perder o tempo todo para aprender? Não. Dá para aprender ganhando, perdendo e empatando. Analisando desempenho, analisando processo. Isso é o que me fascina. E esse grupo é um grupo especial. Esse grupo mescla jogadores jovens e experientes, de 2014.”

GRUPO SÓLIDO

“Esse grupo sofreu uma pressão desumana na Copa de 2014. Tem uma parte que é remanescente e viveu essa experiência. Outra parte viveu o início ruim (nas eliminatórias) com risco de não classificar o Brasil. Mesmo com um nível de confiança baixo, esse grupo reverteu e se consolidou. Então, a gente tem esse desafio, essa simplicidade, essa humildade de ver porque ganhou, porque perdeu lá trás. De já ter passado experiências assim. Vou ganhar isso de legado deles na seleção. Eu tenho outras experiências, que posso emprestar a eles, cada um empresta um pouco da sua experiência. Então, esse grupo é sólido também nesse aspecto.”

SEGREDO DO SUCESSO

“A prioridade é a qualidade dos atletas. Qualidade técnica, mental e física associadas. Essa é a essência. Não tem trabalho nenhum sem material humano de qualidade. É fundamental. Essa é a prioridade.”

PREOCUPAÇÃO

“Ouvi o seguinte comentário de um atleta da seleção sobre a volta para o clube: ‘Nós viajamos, já pegamos um trabalho ininterrupto, tivemos um jogo difícil e acabamos perdendo. A equipe não jogou bem’. Ele deu o sinal. Na volta da seleção para o clube, a carga foi excessiva. O processo de recuperação não aconteceu, porque são viagens longas na América do Sul e aí você não está focado mentalmente, não tem bom desempenho. Na seleção, temos a preocupação de ver trabalho que fez no clube, seu último jogo. Isso para dar uma carga de trabalho compatível ao processo de recuperação. Senão, é contraproducente. Senão, tu olha pro cara e não entende por que está errando um passe fácil.”

PHILIPPE COUTINHO

“Essa característica do flutuador é fascinante. Primeiro, porque ele é um externo que vem jogar no meio-campo. Ele encontra o timing para fazer isso. E isso é do feeling, da percepção do atleta. Não tem número para medir isso. Ele sai do ângulo de visão dos adversários e surpreende pelas costas. Essa percepção desse jogador compondo o meio-campo, ela é intelectual, talvez do mais alto nível. É muito difícil de executar, e o Coutinho tem essa percepção.”

GABRIEL JESUS

“Gabriel teve uma grande educação, teve berço. Eu não o conhecia. Isso o comportamento dele em campo mostra. Pequenos detalhes subjetivos mostram. É um cara completamente competitivo e solidário. Se um defensor passa da linha da bola, não precisa o técnico avisar, ele já vê e já volta para cobrir. Se tem alguém mais livre, ele passa. Não tem egoísmo. É lógico que a gente quer ser reconhecido, mas ele não tem a ostentação. Não tem jogo ruim. Meu último jogo no Corinthians, foi contra o Palmeiras. Saí muito puto. A gente tinha o zagueiro Felipe, com velocidade e imposição física. A gente perdeu por 1 a 0 e me perguntaram sobre Gabriel. Não queria falar nada, procurei uma resposta bem sucinta: ‘Gabriel é de verdade’, disse.”

DIEGO SOUZA

Acompanha o raciocínio de qualquer jogador. É muito inteligente, mesmo jogando fora de posição. Ele pensa em uma dimensão parecida com a do Coutinho, do Neymar.

NEYMAR

“Vou dar um exemplo de que ele não quer um protagonismo exclusivo. Foi dada a prerrogativa de que, nas atividades físicas, o preparador pessoal dele pudesse retirá-lo e realizar um trabalho. Ele disse que não queria. Preferiu fazer junto com a equipe. Disse que depois, se tivesse que fazer um complemento, e faria. Ou seja, não trouxe para ele cuidados especiais. São em pequenos gestos que demonstra isso.”

COOPERAÇÃO

“O grande desafio do quebra-cabeça. Não só dos onze, mas uma integração mais ampla de todos. A integração é dos atletas e da comissão técnica. A harmonia. A integração tem que ser de lealdade e competição entre os atletas, e de cooperação dentro da equipe. Se não tiver o trabalho defensivo, se os homens da frente não puderem de alguma forma ocupar espaço... Tem que ter cooperação. Aí, pego o exemplo do Rivellino na seleção de 70. Ele foi usado na esquerda, mas era meio-campista.”

SELEÇÃO EM SINTONIA

“Ela está se descobrindo. Tenho só quinze jogos, é muito pouco. Vou dar um exemplo. No intervalo do jogo contra o Chile, chamei a atenção do Neymar e do Coutinho. O Chile estava marcando a finta deles. O que o Chile fazia? A bola chegava em um dos dois, eles faziam a menção do passe e faziam a finta em seguida. E os chilenos estavam marcando a finta, não o passe. Falei para prestarem atenção nisso. O Neymar me disse que estava buscando o Gabriel Jesus, falei para ele variar, alternar o movimento. Tem que tentar antecipar o movimento, não deixar o marcador saber o que fazer.”

JOGAR COM A CABEÇA

“Iniesta deu uma declaração extraordinária. Disse: "Às vezes parado, eu me desmarco”. Isso é de uma inteligência fantástica. Falei para o Renato: ‘Quero você no meio-campo, ou você vai receber, ou vai proporcionar ao outro, mas eu te quero ali’. Imagina, você está parado, mas tudo mais no campo está se movimentando e essas movimentações de bola e dos adversários proporcionam que você fique livre.”

JUSTIÇA COM A LISTA

“Ser justo é desafiador. É muito difícil. Isso me consome muito. Sou muito perfeccionista nesse aspecto. Mantendo a estrutura da equipe, tenho feito algumas modificações. Mas, se ficar mudando demais a equipe, perco a referência de uma análise mais profunda. Em vez de oportunidade, vou estar queimando o cara. Mas em algumas setores falta dar algumas oportunidades. Tenho de ser justo. Isso me dá uma amostragem mais real.”

PRESSÃO

“Pressão por desempenho é combustível para melhoria. É desafiador, é buscar por novos conhecimentos, novas informações. Tudo para gerar conhecimento e saber interpretar.”

COBRANÇA

“Eu não me cobro por resultado. Eu não sei se vou ganhar, não cobro atleta por resultado, não tenho controle sobre isso. Mas sobre desempenho eu tenho. Sobre atleta jogar bem eu tenho, organização tática eu tenho. Temos que ficar atentos a essas variáveis que dão para controlar.”

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