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ImprimirO Governo de Mato Grosso do Sul incluiu toda a comunidade nos procedimentos de reparação que integram rol de cirurgias eletivas a serem contempladas pelo programa Mais Saúde, a princípio destinado aos estudantes que sofrem com bullying nas escolas. Os procedimentos avaliados em até R$ 1,5 mil serão custeados pelo Estado.
O secretário estadual de Saúde, Maurício Simões, explica que a cirurgia reparadora não é apenas estética e vai ser oferecida a todas as pessoas, conforme a demanda hospitalar vigente. “Para isso, você tem uma série de critérios que definem. A cirurgia já existe, dentro da codificação do SUS [Sistema Único de Saúde], e o que fizemos foi ampliar a inclusão do procedimento, que já faz parte do rol de procedimentos cobertos pelo SUS”.
Estão inclusos os seguintes procedimentos, com o repasse estadual variado para cada cirurgia:
Tratamento cirúrgico não estético da orelha: R$ 1.175,64 por procedimento;
Plástica mamária feminina não estética (reparação de mamas em mulheres): R$ 1.542,51;
Plástica mamária masculina/tratamento de ginecomastia (condição que afeta os homens provocando o aumento descontrolado das mamas): R$ 1.351,92;
Correção de estrabismo (casos que já estavam na lista de espera da área oftalmológica).
Em reportagem publicada pelo jornal Estado de S. Paulo, a cirurgiã plástica Luciana Pepino, membro especialista da SBPC, comentou sobre a inclusão de tais procedimentos na rede pública sul-mato-grossense. Ela afirmou que os procedimentos de fato resolvem o problema estético, mas são necessários outros cuidados.
“As consequências emocionais e psicológicas podem ser permanentes, mesmo depois de cirurgias reparadoras, como a rinoplastia e otoplastia, as mais procuradas nesses casos. Isso ocorre porque os danos causados pela prática de bullying podem ficar tão fortemente enraizados no psique que só a cirurgia plástica não dá conta. Ela repara o lado estético do adolescente, mas o emocional precisa de acompanhamento especializado”, explica.
O presidente da SBPC no Estado e cirurgião plástico, Cesar Benavides, elogiou a iniciativa, já que a aparência tem peso grande, sobretudo na adolescência, e acaba sendo um problema. “O procedimento para ‘orelha de abano’ pode ser programado para após os cinco anos; já o do nariz deve se esperar mais. Para a menina, até os 16 anos e para o garoto, até os 17. Antes, não recomendamos”, alerta.
Diversas cirurgias -A SES (Secretaria Estadual de Saúde) organiza o programa Mais Saúde, “considerando a existência de demanda reprimida na fila da regulação hospitalar para realização de procedimentos cirúrgicos eletivos de média e alta complexidade identificados no banco de dados dos complexos reguladores”. São diversos procedimentos eletivos já realizados desde 2016, com incentivo do Estado.
Segundo publicado pela pasta, a realização dos procedimentos poderá ocorrer por meio do atendimento eventual ou de mutirões. A vigência será de maio de 2023 a abril de 2024.
Caberá às secretarias municipais de Saúde, juntamente com os estabelecimentos de saúde contratados pelo SUS, fazer a adesão ao projeto. Devem ser apresentadas as propostas dos procedimentos ofertados, incluindo estimativa com a quantidade de procedimentos a serem executados por mês e o quantitativo total a ser realizado no período dos meses previstos.
A partir disso, a SES deverá aprovar em cinco dias úteis a partir da publicação. Somente aí terá início a execução das cirurgias. Vale ressaltar que o prazo final para que os municípios enviem as propostas vai até 15 de maio.
A pasta também fará o acompanhamento e monitoramento das metas pactuadas e qualidade do serviço prestado aos usuários do SUS para a avaliação e o acompanhamento dos critérios de qualificação. Além disso, será realizada pesquisa de satisfação aos usuários atendidos, com intuito de avaliar o serviço prestado e desfecho dos procedimentos.
O programa Mais Saúde também vai dar andamento às 1.375 cirurgias judicializadas, já em fase de cumprimento de sentença, das quais cerca de 90% são ortopédicas, segundo o governo.
Bullying -A SES foi informada de que cerca de 150 casos de adolescentes da REE (Rede Estadual de Ensino) sofrem perseguições por causa da aparência.
A SED (Secretaria Estadual de Saúde), por meio da Coped (Coordenadoria de Psicologia Educacional), publicou cartilha com 25 páginas no final de 2022 com instruções para a intervenção em casos de bullying em escolas públicas. O documento indica que, identificada a violência pela equipe escolar, é preciso haver acolhimento e escuta da vítima, bem como contato com o autor, individualmente.
Em seguida, os pais são comunicados e as orientações necessárias são realizadas e registradas em ata. Instituições da rede de proteção devem ser acionadas para que haja articulação e ações de acolhimento da turma, como discussões sobre a temática e acompanhamentos.
“Acolha e escute o(s) estudante(s) vítimas ou que sofreram a violência. A escuta deverá ser realizada em local apropriado (tranquilo) e acolhedor, para assegurar a privacidade e já iniciar o processo de acolhimento. Proporcione um espaço seguro emocionalmente para que o(a) estudante consiga relatar o que está ocorrendo. A forma que se pergunta é muito importante, não se deve tendenciar ou exaltar o fato e sim procurar compreender o que aconteceu, com foco na gênese do problema”, diz uma das diversas orientações da coordenadoria.
A Coped elenca outros elementos que devem ser analisados, como o contexto das situações, com respeito e interesse sem críticas, diálogo e proposição de soluções. O material foi organizado por equipe de psicólogos e pesquisadores na área.
Sofrimento -A recepcionista Marileuza Barros Rodrigues, de 40 anos, está na fila do SUS (Sistema Único de Saúde) para realizar procedimento estético de redução das mamas. Apesar de ter conseguido iniciar o processo neste ano, ela relata que há seis anos começou a buscar solução médica para o problema, que provoca fortes dores nas costas e incomoda no cotidiano. Ela comenta também que, mais recentemente, dois nódulos foram detectados, o que pode agravar ainda mais a situação.
“Em 2017, foi feito o meu primeiro pedido. Ele foi devolvido várias vezes, fui atrás dos exames, atrás de outra consulta, e voltou para a aprovação do sistema, mas não me avisaram. Só descobri em 2019, porque fui atrás de novo e, logo em seguida, veio a pandemia de covid-19, e falaram que tinham sido canceladas as cirurgias eletivas”.
Marileuza comenta que a gigantomastia pode provocar problemas futuros, além de poder provocar queda na autoestima. A recepcionista relata incômodo com o próprio corpo e relembra de situações sofridas durante a infância. Sentia-se diferente de outras meninas, da mesma idade, além de ter dificuldades com o uniforme.
“A camiseta subia e mostrava minha barriga, e eu não queria usar um número maior porque eu ficava feia. As outras crianças comentavam, mas não me agrediram, não me torturavam por causa disso. Mas eu me lembro de uma vez em que uma menina falou que minhas mamas eram enormes, que eu parecia uma vaca leiteira. Mas eu tinha uma irmã que defendia, e aí esta menina pediu desculpas e nunca mais fez isso”, relata Marileuza.
Neste ano, descobriu os nódulos no seio esquerdo e que, apesar de serem benignos, é preciso cirurgia para remoção, o que gera ainda mais burocracia. “O médico que me atendeu falou que eu preciso fazer a cirurgia o quanto antes e na mesma cirurgia esses nódulos serão retirados. Só que é muito burocrático, sabe? Eles ficam devolvendo o meu pedido por coisas banais, por coisas fúteis, como peso e altura, ou exames”.
A reportagem questionou o Governo do Estado se haverá acompanhamento de alunos contemplados e se haveria algum tipo de recrutamento dos alunos participantes, bem como acompanhamento psicológico. Até a publicação da matéria não houve resposta. O espaço segue aberto.