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ImprimirApesar de não ter poder para legislar sobre o assunto, o deputado estadual Rafael Tavares (PRTB) apresenta em uma página relatos de entrevistas de uma ex-jogadora de vôlei e um endocrinologia para justificar projeto apresentado nesta terça-feira (14), que visa estabelecer o sexo biológico como único critério para definição de gênero em competições esportivas em Mato Grosso do Sul. Ele quer que entidades esportivas passem a ser multadas, em 30 salário mínimos, caso aceitem os trans em competições femininas.
O projeto de lei deve ser so mais um com objetivo de mobilizar o eleitor conservador, já que não vale nada, surge como "letra morta" por ser inconstitucional, já que cabe às confederações definirem as regras em cada categoria. "Será mais um no rol de falas transfóbicas sem argumentos científicos”, reclama presidente da ACMS (Associação das Travestis Transexuais de Mato Grosso do Sul), a atleta Mikaella Lima Lopes.
A discussão parece inócua, já que as federações têm autonomia para permitir a participação de pessoas transgênero, desde que cumpram determinadas regras relacionadas aos níveis hormonais para evitar a desigualdade de forças. As entrevistas que o parlamentar menciona explicam essas regras, mas elas não são mencionadas no projeto de lei.
O deputado apenas bate na mesma tecla de que já “ficou comprovado pela medicina, que a formação fisiológica do atleta transgênero não se altera, o que representa, portanto, vantagem desses atletas em relação aos demais”.
Entenda - O texto vai longe para chamar a atenção de quem gosta de polêmicas e relata que após uma universitária trans ter sido campeã nos EUA (Estados Unidos), a Fina (Federação Internacional de Natação) alterou as regras para mulheres trans nas competições de natação, em meados de 2022.
Apesar de mencionar a medicina, o projeto não traz dados de alguma entidade médica. Ele sustenta a argumentação em entrevista da ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel ao portal UOL e cita ainda entrevista do professor de endocrinologia da Universidade São Camilo, Leonardo Álvares, ao UOL.
O médico pondera que os estudos sobre hormonioterapia e bloqueio puberal estão engatinhando e a decisão da Fina é precoce. Com a decisão, na natação apenas atletas trans que fizeram a transição antes dos 12 anos (período em que começa a puberdade) passaram a poder competir com mulheres cis, desde que com um nível de testosterona de 2.5 nmol/L no sangue.
Pauta nacional - Questionado sobre a consulta a entidades da área esportiva para elaboração do projeto, ele disse que apresentou a proposta porque todas as mulheres que ele conhece são contra a competição com transgêneros e quer defender essas mulheres que fazem parte de seu eleitorado conservador.
“A gente não pode comparar uma mulher biologicamente com um homem. Temos várias situações em que um atleta tem um índice de performance muito maior que a mulher. Isso, na verdade, cria um critério que não é verdadeiro. Em defesa das mulheres, queremos apresentar esse projeto para impedir que qualquer trans ou outra situação faça essa competição em comum disputa com as mulheres. Isso não seria justo”, disse Tavares.
O parlamentar disse ainda que, além de defender as mulheres, aproveita a “pauta nacional levantada pelo deputado federal Nicolas Ferreira”, referindo-se ao episódio em que o parlamentar usou peruca para falar sobre competições entre mulheres trans e cisgêneros, no Dia da Mulher, 8 de março.
“Pelo menos, todas as mulheres que eu conheço acham que é injusto um homem participar do esporte com elas, um homem biológico eu falo. Então, isso é uma maneira da gente representar nosso eleitor. O eleitor, que tem pensamento alinhado à direita, ao conservadorismo, à proteção à família, à proteção individual, todos concordam com esse tipo de ação e, por isso, resolvemos tomar frente desse debate, aproveitando essa pauta nacional levantada pelo deputado Nicolas Ferreira. A patrulha ideológica é muito pesada”, disse.
Transfobia - A atleta Mikaella Lima Lopes explica que quando as mulheres trans ingressaram nas competições com mulheres cisgêneros algumas questionavam, mas isso não ocorre atualmente porque existem regras rigorosas com apresentação de laudos de níveis hormonais.
“Cabe a cada federação definir suas regras e o Comitê Olímpico é o principal órgão que regula. Não tem como um deputado querer passar por cima do Comitê Olímpico Internacional. Além disso, para não ser projeto transfóbico, ele tem que apresentar dados científicos sobre uma vantagem real que as trans teriam sobre as mulheres cisgêneros. Se não apresenta dados científicos é transfóbico e inconstitucional”, argumenta Mikaella.
A atleta propõe ao deputado apresentar projetos que fomentem a participação e valorização das mulheres no esporte. “Cadê um projeto de lei que favoreça a mulher cisgênero? Elas hoje não têm as mesmas premiações que homens, por exemplo. Por que não faz um projeto sobre isso? É fácil fazer falas transfóbicas e dizer que é para defender mulheres”, questiona Mikaella.
O presidente da FVMS (Federação de Vôlei de Mato Grosso do Sul), José Amâncio da Mota, também acredita que o projeto não tem nenhuma validade. “Existem exigências determinadas pela Confederação Brasileira. A gente trabalha com vistas em competições nacionais”, comenta Amâncio.
Para defender a constitucionalidade formal, eo deputado argumenta que o projeto estabelece normas de direito desportivo, o que é permitido aos Estados.
Hormonioterapia - Tavares apresentou também um projeto para proibir a realização de hormonioterapia, intervenções cirúrgicas e outros tratamentos de transição de gênero em "menores de idade", termo considerado pejorativo pelas entidades de Justiça voltadas aos direitos das crianças.
O objetivo, conforme o texto, é preservar e proteger, de acordo com Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, a integridade física, mental e emocional da criança e do adolescente.