\n \n Uma catadora de latinhas do Distrito Federal conseguiu passar em\n um concurso de nível médio do Tribunal de Justiça estudando apenas 25 dias. Com\n isso, ela trocou uma renda mensal de R$ 50 por um salário de R$ 7 mil. “Foi\n muito difícil. Hoje, contar parece que foi fácil, mas eu venci”, afirma. Agora,\n ela diz que pensa em estudar direito. \n \n Os cinco filhos de Marilene - Brenda, 20, Zaime, 18, Samuel, 17,\n Daniel, 15, e Israel, 11 - foram a motivação que a impulsionaram a lutar contra\n as incontáveis adversidades que encontrou pelo caminho e a fé, seu\n sustentáculo. “Sou muito mãezona”, ela diz gesticulando um abraço no ar.\n “Procuro criar laços entre meus filhos, para que se respeitem e se ajudem\n mutuamente e cobro muito deles que estudem”, enfatiza, ao mesmo tempo que\n relata orgulhosa o desempenho escolar da prole, encabeçada pela filha que\n estuda Direito no IESB. “Uso meu próprio exemplo para incentivar meus filhos a\n estudar”, salienta. E o estudo foi a ponte que tirou Marilene das ruas onde\n coletava latinhas que vendia para comprar mantimentos para as crianças. \n \n Aos 16 anos, a hoje Técnica Judiciária assumiu as\n responsabilidades de mulher casada. Dois anos depois, veio a primeira filha.\n Isso não a impediu de terminar o ensino médio e conquistar habilitação em\n Técnico de Enfermagem e Técnico em Administração. Chegou\n até a trabalhar no Programa Saúde em Casa, apesar dos conselhos que recebeu\n para não se inscrever em busca de vaga, já que tinha dificuldades na fala\n ocasionadas por lábio leporino. \n \n Extinto o programa, Marilene perdeu o emprego. Trabalhou como\n doméstica por algum tempo mas, com a chegada de mais filhos, as portas foram-se\n fechando até que não conseguiu mais trabalho. A saída foi procurar as latinhas\n e vendê-las. “Naquele momento, poucas pessoas sabiam que elas tinham valor e\n não era tão difícil encontrá-las”, explica. \n \n Enquanto catava latinhas e cozinhava com gravetos, já que o\n dinheiro não dava para comprar gás, Marilene estudava para concurso. Os\n vizinhos da invasão onde morava a taxavam de “doida” quando ela dizia que\n queria ser servidora pública, mas Marilene espelhava-se no pai, morto aos 29\n anos de infarto fulminante, que chegara a ser bancário. \n \n Quando saiu o edital do concurso do TJDFT de 2000, ela precisou\n bater de porta em porta e apelar para a solidariedade das pessoas para lhe\n ajudarem a pagar a inscrição. Deu certo. Dez minutos antes do fechamento da\n agência bancária, no último dia do pagamento, ela estava com a exata quantia\n que precisava. \n \n Logo depois de inscrita, veio o aviso de um hospital público de\n que uma cirurgia que pleiteava para corrigir o lábio leporino estava agendada.\n Refletindo sobre os acontecimentos, Marilene reconhece nesse chamado sua grande\n oportunidade. Submeteu-se à cirurgia e foi para a casa da mãe reabilitar-se.\n Ali, ela dispunha de alimento, um grupo de pessoas que estudavam para o\n concurso e até de uma apostila. \n \n Mesmo sentindo dores, Marilene estudava das 8h da manhã às 11h da\n noite com os colegas. Depois que todos iam dormir, ela continuava sozinha com\n os cadernos até as 2h da manhã, apesar dos protestos da mãe que, embora\n incentivando-a, achava aquele ritmo exagerado. “Fiz a prova e aproveitei até o\n último minuto para responder as questões – fui a última a sair da sala”,\n lembra. \n \n A entrada no TJDFT foi a mudança definitiva em sua qualidade de\n vida, mas foi também a realização de um outro sonho. Marilene conta que era\n “apaixonada por processos” e que um dia chegou a pedir a Deus para ter a\n oportunidade de trabalhar com eles. Aos 39 anos de idade, ela já atuou por mais\n de dez anos na 12ª Vara Cível e está na Contadoria há mais de um ano. Depois\n que entrou para o quadro do Tribunal, Marilene passou a ajudar os irmãos que,\n um a um, foram passando em concursos e apoiando-se mutuamente. Hoje, todos\n estão empregados. “Se eu não tivesse estudado, seria mais uma estatística do\n governo”, conclui. \n \n \n \n \n