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Imprimir“Fantasia absurda”. É assim que classifica a advogada Janice Andrade, que representa o pai biológico da menina Sophia Ocampo, classifica a “nova” estratégia adotada pela defesa de Stephanie de Jesus da Silva, 26, para livrá-la da condenação por homicídio da própria filha, morta em 26 de janeiro 2023, aos 2 anos e 7 meses.
Nos últimos dias, o time que defende a mãe divulgou que a cliente sofria de Síndrome de Estocolmo, segundo laudo médico. Na tese defensiva, Stephanie não conseguiu se desvencilhar do ciclo da violência perpetuada pelo marido Christian Campoçano Leitheim, de 27 anos, acusado de espancar a enteada até a morte com o aval da ré, para salvar a filha, porque estava mentalmente doente.
Para a defensora, que trabalhará no julgamento da mãe e do padrasto, como assistente da acusação, o novo argumento, apoiando em análise psicológica levado ao processo no dia 28 de novembro – menos de uma semana para o julgamento – e tornado público por meio da imprensa neste fim de semana não passa de manobra para melhorar a opinião pública sobre a participação de Stephanie na morte da filha. Enquanto o padrasto responde por homicídio doloso (com a intenção de matar), a mãe será julgada por omitir-se do dever de cuidar ao ponto de permitir que a menina fosse assassinada.
Eu atendo vítimas de violência doméstica todos os dias. Um dos motivos da mulher sair do ciclo é justamente os danos que o relacionamento abusivo causa os filhos. É perversidade demais essa mulher usar a violência doméstica para tentar escapar de todos os crimes que cometeu contra a própria filha. Imagine alegar que foi manipulada, sendo que só ouvir os depoimentos e ver que ela é extremamente manipuladora. Pelo que eu vi e li até agora, ela era a líder que comandava a relação. Ela comprava como cocaína para as festas, ela mentia, ela agredia Sophia, ela era perversa com a criança, ela sentia prazer de torturar a criança. Ela deixou a criança sofrendo com a perna quebrada por 2 dias e está respondendo por tortura”, afirma Janice Andrade, advogada que se especializou na defesa de mulheres e crianças.
A assistente da promotoria, também rebate a alegação de Stephanie, apresentada em nota da defesa, de que ela não fazia ideia do nível de violência aplicado por Christian contra Sophia e que estava procurando meios de se livrar do agressor com quem convivia, mas sentia-se refém da situação, já que era o marido quem cuidava das crianças – Sophia e a irmã bebê, além do filho dele, ainda pequeno – para que a ré trabalhasse.
“Se ela tentava impedir as agressões por que mandou mensagem para Christian pedindo orientação de como bater nas crianças sem deixar marcas?”.
No entendimento da advogada, os réus têm direito a uma defesa técnica, mas a linha adotada pelo time de Stephanie não passa de “manobra fantasiosa” para confundir o público.
Também indignados com as últimas movimentações no caso, Jean Ocampo, pai biológico de Sophia, e o companheiro, Igor Andrade, que se considera pai afetivo da menininha, divulgaram, na noite deste domingo (1º), nota de repúdio ao que foi noticiado nos últimos dias. Para o casal, a defesa de Stephanie está usando “desculpas apelativas e até desrespeitando quem faz tratamento psicológico, para tentar livrar a acusada do crime que cometeu”.
“Nossa luta é por justiça verdadeira, para que a verdade venha à tona e os réus respondam por seus crimes cruéis e desumanos. Tirar a vida de uma bebê de apenas 2 anos e 7 meses é uma crueldade sem tamanho, e tentar se esconder atrás de desculpas esfarrapadas para parecer inocente é não só covardia, mas também um sinal de desrespeito com a dor que nos causaram”, diz o texto.
Violência escancarada –Janice Andrade lembra que a tese acusatória está muito bem embasada em investigação minuciosa feita após a extração de dados dos celulares de Stephanie e Christian. Conforme já noticiado pelo Campo Grande News, logo que o Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) anexou a análise à ação penal, em fevereiro deste ano, as trocas de mensagens escancararam a violência contra as crianças sob o domínio do casal.
“Registra-se, ademais, que já restou noticiado o mecanismo violento usado pelo acusado, consistente em tapa e 'quebra-costela', para punir a vítima, agressões que eram seguidas de sufocamento como forma de interromper o choro da criança, cujo pranto era silenciado pela ânsia de respirar enquanto tinha seu rosto pressionado contra um colchão”, diz relatório assinado pela promotora de Justiça Ana Lara Camargo de Castro, coordenadora do Gaeco.
Christian fala, por exemplo, em “chicotadas cabulosas” e uma troca de mensagens e numa outra conversas chamou a atenção da investigação revela à mulher o que ele faz para a enteada “ficar quieta”, enquanto Stephanie não esboça reação.
A análise recorda diálogo do casal que aconteceu exatamente um ano antes da morte de Sophia, no dia 26 de janeiro de 2022. Stephanie reclama que a filha não para de chorar e o padrasto “ensina” como calá-la. O método é asfixia:
Dá uns tapão nela, aí você vira a cara dela pro colchão e fica segurando porque aí ela para de chorar. É sério. Parece até tortura mais [sic] não é, porque aí ela fica sem ar para chorar e para de chorar. Entendeu?”, orienta o Christian Leitheim, conforme transcrito pela acusação.
O mesmo relatório mostra ainda que 61 dias antes de morrer, Sophia foi socorrida até a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Coronel Antonino com vômito. O sintoma apareceu duas horas e meia depois de levar surra do padrasto. “Dei uma surra nela”, admitiu Christian Leitheim à mãe da criança antes de ela passar mal, em novembro de 2022.
A análise do Gaeco também mostra momentos em que Stephanie dá aval para as agressões, como no dia 5 de janeiro de 2022, quando Christian revela ter dado beliscão em Sophia que “queria ir para a rua” e completa: “vou dar porrada nela se fizer de novo”. Na ocasião, a mãe da menina, que havia achado graça da punição dada pelo padrasto à filha, consente: “Pode dar”.
Pouco tempo depois, outras mensagens trocadas entre o casal, apontam que Stephanie era violenta. “Vou ver se consigo dobrar as roupas, se Sophia vai me ajudar né? Se não vou ter de socar ela de novo”, diz a mãe para o padrasto em áudio enviado no dia 26 de julho de 2022.
Os diálogos mostram que as agressões faziam parte do cotidiano. No dia 9 de agosto, ela Christian orienta a mulher a dar tapas na orelha da filha e ameaça “quebrar o pescoço” da garotinha caso ela desobedeça. Dias depois, em 17 de agosto, Stephanie envia áudio para o marido dizendo deu chineladas em Sophia e no enteado. “Peguei a rasteirinha que eu tava e deu na bunda dele [sic]. Hoje eu bati nele e acabei de bater na Sophia agora também por causa da palhaçada dela. Eu quero assistir, pelo amor de Deus”.
Outro lado –Alex Viana, um dos advogados de Stephanie, afirma que os diálogos revelam apenas a vida cotidiana e que a cliente nunca acreditou que o marido era capaz de fazer as atrocidades que verbalizou. “Uma mulher sobrecarregada que faz um desabafo e recebe aquilo como resposta [ideia de sufocar a criança]. Mas ela não levou a sério. Para ela, isso não existia. Não acreditava que ele era capaz de chegar a esse ponto. Ele sempre prestava contas do que supostamente acontecia com a Sophia, desviando da culpa. Se ela fosse conivente, Christian não teria de prestar contas”.
Advogadas que acompanham Stephanie, como Camila Garcia e Katiussa do Prado, também afirmam que ela nunca presenciou Cristhian agredir Sophia e acreditava nas desculpas que ele dava para cada marca ou hematoma. Herika Rato, criminalista e perita criminal, assinala que a verdade sobre o caso foi completamente distorcida. “No dia da morte de Sophia, Stephanie a levou à UPA, acreditando que a filha estava com uma virose, e entrou em choque ao descobrir o que Cristhian havia feito. Nada disso, porém, foi devidamente noticiado”.
A defesa de Christian, por sua vez, afirma que as alegações dos advogados de Stephanie têm objetivo de “afastar sua responsabilização do crime que figura autora”. “A defesa dela fez juntada de documentos tais como cartas, fotos, entre outros que, francamente, ainda serão analisadas pelos advogados que atuarão no caso – Pablo Gusmão, Renato Franco e Willer Almeida –, no júri próximo. Em depoimento, também perante o Juízo, Christian nega violência ou agressões contra ela”.
A acusação – Na tarde do dia 26 de janeiro de 2023, a menina deu entrada na UPA do Bairro Coronel Antonino, no norte de Campo Grande, já sem vida. Inicialmente, a mãe, que foi até lá sozinha com a garota nos braços, sustentou versão de que ela havia passado mal, mas investigação médica encontrou lesões pelo corpo, além de constatar que a morte havia ocorrido cerca de quatro horas antes da chegada ao local.
O atestado de óbito apontou que a garotinha morreu por sofrer trauma raquimedular na coluna cervical (nuca) e hemotórax bilateral (hemorragia e acúmulo de sangue entre os pulmões e a parede torácica). Exame necroscópico também mostrou que a criança sofria agressões há algum tempo e tinha ruptura cicatrizada do hímen – sinal de que sofreu violência sexual.
Para a investigação policial e o MP, Sophia foi espancada até a morte pelo padrasto, depois de uma vida recebendo “castigos” físicos.
O padrasto será julgado por homicídio qualificado por motivo fútil, meio cruel e praticado contra menor de 14 anos. Ainda responderá por estupro de vulnerável. Já a mãe será julgada por homicídio doloso por omissão. O julgamento do casal está marcado para começar no dia 4 de dezembro.