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14/02/2023 09:28:00
Grávidas após estupro, meninas descobrem direito ao aborto tarde demais

CGNews/LD

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Nem sempre os direitos "chegam" antes do parto. Crianças e adolescentes grávidas, que não têm plena consciência do que está acontecendo com seus corpos, acabam sem escolha. São meninas estupradas por estranhos, pais, tios e padastros, que além do sofrimento com a violência enfrentam uma gravidez indesejada. Elas têm direito a apoio psicológico e ao aborto pela rede pública.

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Grávidas após estupro, meninas descobrem direito ao aborto tarde demais Adolescentes e crianças contam com rede de proteção e podem fazer cirurgia de aborto pelo SUS

Por Caroline Maldonado e e Gabriela Couto | 14/02/2023 07:56 ouça este conteúdo readme playcircleoutline graphiceqoutline

Adolescente gestante em aldeia de Campo Grande (Foto: Marcos Maluf/Arquivo) Nem sempre os direitos "chegam" antes do parto. Crianças e adolescentes grávidas, que não têm plena consciência do que está acontecendo com seus corpos, acabam sem escolha. São meninas estupradas por estranhos, pais, tios e padastros, que além do sofrimento com a violência enfrentam uma gravidez indesejada. Elas têm direito a apoio psicológico e ao aborto pela rede pública.

Há casos em que somente na hora de dar a luz ao bebê, a adolescente revela que sofreu abuso.

O SUS (Sistema Único de Saúde) oferece a cirurgia de aborto, caso seja o desejo do responsável, e a rede de proteção à criança e ao adolescente tem o dever de prestar toda assistência necessária à vítima e seus familiares, o que inclui orientar sobre o aborto e fazer o acompanhamento social e psicológico da família.

Os casos não são raros. Ao ser levada ao Humap (Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian) por estar passando mal, uma menina de 14 anos teve um bebê, na semana passada. A mãe alegou à polícia que não sabia da gestação. O estupro foi descoberto no hospital e o padastro foi preso.

Nesta segunda-feira (13), a avó da adolescente contou que a menina não fala sobre o assunto, depois do parto normal, após os 9 meses de gestação e alta médica, ela segue vítima, "muito abalada", diz a avó.

Direito ao aborto

A senhora comenta o que pensa sobre a rede de proteção à criança e à adolescente e o direito ao aborto.

"No hospital, ela [adolescente] recebeu apoio psicológico e na delegacia também falou com uma psicóloga. Isso ajuda bastante, mas é muito difícil passar por isso. Sobre o aborto, eu sei que é direito nesses casos. Não sou contra, desde que esteja no começo da gravidez. Se fosse de início [da gestação], poderia pensar nisso, mas depois já não concordo mais", comenta.

A avó conta que chegou a desejar que o bebê fosse à adoção. "Logo de início meu pensamento era ela [adolescente] não ficar com a criança e dar para a adoção, porque essa criança merece ter outra história. Não está sendo fácil para ela e a mãe dela", lamenta a mulher que terá o nome preservado para que a neta não seja identificada.

Não raros

Apenas 20 dias antes, outra menina engravidou aos 11 anos, após ser estuprada. Mais uma nos registros do primeiro mês deste ano em Campo Grande.

Em uma década, mais de 4,7 mil crianças, de até 14 anos, foram mães em Mato Grosso do Sul, de acordo com dados do Ministério da Saúde, divulgados em meados do ano passado.

O que diz a lei

O aborto está previsto no artigo 128, inciso II, do Código Penal. Não se pune o aborto praticado por médico, quando é necessário, se não há outro meio de salvar a vida da gestante e aborto no caso de gravidez resultante de estupro.

“Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”, diz a lei.

O procedimento é permitido também em casos de anencefalia do feto. Fora isso, aborto é crime no Brasil.

A lei não determina tempo de gestação ou qualquer outro fator como impedimento ao aborto. Nos casos de meninas menores de 14 anos, qualquer ato sexual é um estupro, portanto não é preciso comprovar que houve abuso para ter acesso à cirurgia de aborto.

Recentemente, ganhou repercussão o caso da juíza de Santa Catarina Joana Ribeiro Zimmer, que tentou convencer uma criança a não abortar. “Porque já é um bebê, já é uma criança, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando", disse à criança. A situação gerou revolta, porque a juíza deveria proteger a criança e não o contrário.

O hospital da cidade disse à família da menina que ela precisaria de ordem judicial para fazer a cirurgia, porque a gestação tinha mais de 20 semanas e isso era previsto em nota técnica do Ministério da Saúde. Ocorre que orientações ou notas técnicas não são maiores do que a lei.

Agilidade

Hospitais e todos os órgãos de proteção devem estar prontos para fazer os encaminhamentos da criança e adolescente para cirurgia, conforme a promotora de Justiça em Dourados/MS, com designação para atuar no Núcleo da Infância e da Juventude do MP-MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), Fabrícia Barbosa Lima.

“Essa interrupção da gravidez, em tese, não depende da autorização judicial. É a rede que deve fazer os encaminhamentos, vai precisar de apoio psicológico, tem janela para transcrição de retrovirais para evitar doenças, como IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis). A lei da escuta protegida fala que é ideal que cada município tenha fluxo de atendimento bem alinhado para ter um local para tudo isso e a criança e a família não ter que bater de porta em porta para e ficar relatando novamente, relata à professora, depois à diretora, aí chama o Conselho, aí relata de novo à delegacia e nisso, também, os dias vão se passando”, explica a promotora Fabrícia.

A cirurgia para interromper a gravidez é apenas um dos direitos da criança. Conforme a promotora, após a investigação, o inquérito policial é encaminhado para análise pelo Ministério Público, que é quem tem atribuição legal para processar criminalmente o agressor. Há hipóteses também de prisão em flagrante ou decretação de prisão preventiva.

“Está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente que devem ser aplicadas as medidas protetivas cabíveis, a depender do caso, tais como encaminhamento para atendimento médico, psicológico, inclusão em programas governamentais de auxílio, acompanhamento da família pela rede de atendimento e, em alguns casos excepcionais, até encaminhamento para acolhimento institucional se a violação de direitos for grave e se der na própria família de origem”, detalha Fabrícia.

Denúncia e ajuda

Pais, mães, responsáveis ou qualquer um que queira se informar sobre o tema ou fazer denúncia sobre violência, inclusive estupro de crianças e adolescentes, pode procurar a Polícia Civil, o Conselho Tutelar ou ligar para Disque Direitos Humanos, pelo número 100 ou à Ouvidoria do MP-MS, pelo número 127.

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