Correio do Estado/LD
ImprimirMinistérios Públicos Federal e Estadual de Mato Grosso do Sul enviou recomendações secretárias de Saúde para que orientem todos os profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto a medidas que devem ser feitas em casos de interrupção legal da gravidez.
Portaria do Ministério da Saúde de 27 de agosto deste ano tornou obrigatória que as unidades de saúde notifiquem à polícia dos casos em que houver indícios ou confirmação de estupro, com evidências materiais do crime, a serem entregues imediatamente à autoridade policial.
Conforme o MPF, o registro de boletim de ocorrência em casos de estupro é opcional à vítima, devido aos danos psicológicos que a apuração do crime pode gerar, levando a vítima a lembrar de fatos humilhantes e vergonhosos e, dessa forma, o órgão considera que a portaria do Ministério da Saúde contraria as leis que tratam da notificação do crime de estupro.
Desta forma, recomendação é de que, mesmo com a obrigatoriedade da comunicação compulsória dos casos de atendimento para aborto em casos de gravidez em decorrência de estupro, a comunicação não deve, em circunstância alguma, impedir ou comprometer o atendimento à vítima da violência.
A comunicação as autoridades policiais deverá ser feita para fins estatísticos, para formulação de políticas públicas de segurança e para policiamento, e sem informações pessoais da vítima, a menos que haja consentimento expresso da vítima para que o crime seja apurado pela polícia.
Portaria também estabeleceu que a equipe médica deverá informar a vítima de estupro sobre a possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia, caso ela deseje.
Sobre esse ponto, recomendação é que os profissionais se abstenham de oferecer a possibilidade de visualização do feto às mulheres que buscam atendimento para interromper gravidez resultante de estupro “tendo em vista tanto a desnecessidade clínica de tal medida, quanto o seu potencial de violência psicológica e institucional contra a vítima”.
Outro ponto destacado pelos órgãos é o de que o procedimento de justificação e autorização da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei deve ser conduzido, sempre, sem nenhum tipo de julgamento da vítima, com total respeito à sua autonomia,
Ministérios Públicos consideram que a medida não se mostra razoável nem clinicamente necessário, tendo efeito apenas de constranger e gerar culpa na vítima pelo exercício de um direito, configurando hipótese de violência psicológica.
Portaria alterou também o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, para constar expressamente diversos riscos de possíveis complicações decorrentes da interrupção de gravidez resultante de estupro, inclusive de morte.
Para o MPF e MPMS, esses riscos não são substanciais quanto o procedimento é realizado com acompanhamento médico e os riscos de complicações e óbito no aborto é menor do que o parto, especialmente em casos onde vítimas são crianças e adolescentes, que são vítimas de mais da metade dos casos de estupro registrados.
“Essas alterações têm o potencial de inibir a vítima do estupro em procurar o sistema de saúde para ter garantido seu direito legal de interrupção da gravidez resultante do crime”, diz o documento.
Neste ponto, orientação é que os profissionais de saúde orientem as mulheres sobre a real possibilidade de riscos descritos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com cada caso concreto, de modo que esta etapa não se torne obstáculo ou constrangimento à autonomia da vítima.
Por fim, documento afirma que o Brasil é um estado laico e que a nova portaria foi editada após repercussão do caso em que criança de 10 anos engravidou após ser estuprada por um tio e grupos religiosos fizeram pressão pela não realização do aborto.
“Apesar da importância cultural das religiões e de sua garantia de livre exercício, seus fundamentos e deveres não podem ser impostos, direta ou indiretamente, a outras pessoas por seus praticantes ou pelo estado”, diz a recomendação.
MPF e MPMS fixaram prazo de 5 dias úteis, a contar do recebimento da recomendação, para manifestação das secretarias Municipal e Estadual de Saúde e o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul acerca do acatamento de seus termos.
A omissão ou ação em desconformidade com a recomendação poderá implicar em medidas e ações judiciais cabíveis para responsabilização civil, criminal e administrativa.