Correio do Estado/LD
ImprimirO sistema de saúde pública para atendimento a indígenas em Mato Grosso do Sul encontra uma série de falhas, que são mais ou menos graves dependendo da região do Estado. Em Corumbá, há o território onde está a etnia que vive no lugar mais remoto da base de atenção.
A Aldeia Uberaba, dos guatós, fica na Ilha Ínsua, na região da Serra do Amolar, distante em torno de sete horas de barco da cidade, onde fica a estrutura hospitalar e médica.
Para garantir que os moradores recebam cuidados, os indígenas precisam de diferentes parcerias para suplantar os obstáculos, principalmente, pela falta de estrutura completa quando precisam recorrer ao sistema de atendimento de saúde.
A Aldeia Uberaba tem uma população flutuante de cerca de 350 pessoas, em torno de 50 famílias. No local, há um posto de saúde e a presença de dois agentes de saúde indígenas, para servir de ponte com a base do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Corumbá.
Na cidade, o apoio precisa envolver engajamento dos servidores. A estrutura disponível não vai além de um coordenador, uma enfermeira e, agora, um motorista – até o ano passado, este profissional não era disponibilizado pelo governo federal.
Um dos pontos mais difíceis com relação aos atendimentos é que a logística é complicada, cara e exige tanto indígenas como servidores e funcionários terceirizados.
DIFICULDADES
Como não existe médico no quadro da base do DSEI de Corumbá, o profissional que presta atendimento é cedido do quadro da prefeitura de Corumbá. Além disso, as visitas ocorrem, em média, uma vez ao mês.
A cada viagem para a aldeia, são gastos mais de 500 litros de combustível, um custo que ainda pode variar para cima, dependendo do peso que a embarcação carrega e do número de profissionais na viagem. Além disso, as variações de preço da gasolina pressionam ainda mais o valor para a manutenção das viagens.
Os casos de emergência necessitam de estrutura mais avançada, o que em Corumbá vem sendo suplantado por uma rede que envolve Corpo de Bombeiros, Marinha do Brasil, DSEI e integrantes da aldeia.
O helicóptero fornecido pertence ao 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral do Oeste, subordinado ao Comando do 6º Distrito Naval.
Conforme comunicado da Marinha, esse tipo de atendimento deve ser feito de forma emergencial. “O resgate de vítimas, feito por meio de Evacuação Aeromédica (Evam), empregando helicópteros do Com6ºDN, é uma ação de cooperação com Corpo de Bombeiros e sua realização ocorre eventualmente em locais onde o acesso é difícil ou inviável via terrestre e em caso de comprovada emergência”, detalhou.
De acordo com a Marinha, o voo depende, ainda, de diversos fatores, como condições meteorológicas, período diurno, distância, entre outros.
O vice-cacique da Aldeia Uberaba, Laucídio Correia da Costa, pontuou ao Correio do Estado que existe um esforço múltiplo de entidades e dos agentes de saúde locais, que são indígenas e conhecem a realidade local dos moradores, para garantir cuidados médicos.
“Sabemos das dificuldades de locomoção até a aldeia e a estrutura que temos. É preciso um trabalho de várias partes. Fato também é que não tivemos casos graves e de emergência nos últimos anos, o que contribui”.
O nó nesse suporte de atendimento é que em Corumbá não existe a Casa de Saúde Indígena (Casai). A estrutura que os DSEIs deveriam ter é posto de saúde, polo-base, Casai e o agente indígena de saúde (AIS) para a rede ser completa.
De acordo com o comunicado da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), as Casas de Saúde Indígena são locais de recepção e apoio ao indígena, que vem referenciado da aldeia ou do polo-base.
A SBMFC explica ainda que, localizadas em municípios de referência, esses espaços têm como função: facilitar o acesso da população indígena ao atendimento secundário e/ou terciário, servindo de apoio entre a aldeia e a rede de serviços do SUS; e fornecer alojamento e alimentação dos pacientes e seus acompanhantes durante o período de tratamento.
FALTA DE SUPORTE
Em apuração direta com os indígenas da aldeia guató, a falta desse suporte na cidade de Corumbá é ainda um problema que não tem solução. Grávidas que fazem pré-natais e idosos que dependem de atendimento mais especializado precisam, muitas vezes, ficar mais de um dia na cidade para passar por consulta.
Sem contar que nem sempre os horários das consultas são encaixados com a viagem, que pode durar até 10 horas. Além disso, nem sempre é possível fazer o trajeto no Rio Paraguai durante a noite.
“Quem tem um familiar na cidade, consegue esse apoio para ficar um dia ou mais. Outros não conseguem essa ajuda, e temos dificuldade. Existe também uma questão cultural, principalmente com os idosos, que têm mais resistência a toda essa locomoção e mudança. Tentamos adaptar o que for possível para o atendimento ocorrer”, reconhece o vice-cacique da Aldeia Uberaba.
Para estruturar, acompanhar e fiscalizar o planejamento de saúde indígena, existe o Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI-MS), criado em 1999.
Ele é formado por 40 membros, envolvendo representantes das etnias terena, guarani-kaiowá, ofayé, guató, kadiwéu, kinikinau e atikum, além de representantes dos profissionais, do DSEI, da Funai, da Secretaria de Estado de Saúde e da Secretaria Municipal de Saúde Região Sul.