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ImprimirO índice de violência doméstica em Mato Grosso do Sul aumentou este ano, registrando recorde na série histórica, que começou em 2013, quando a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) iniciou o levantamento de dados sobre as ocorrências no Estado.
Em todo MS, 16.313 pessoas sofreram violência doméstica até setembro deste ano, a maioria são mulheres. Em 2022, no mesmo período, foram 16.053 pessoas e, em 2021, foram 14.686 vítimas de violência doméstica.
Em todos os anos desde o início da série histórica, Campo Grande segue com números alarmantes de casos de violência doméstica, sendo registradas no ano passado 5.630 ocorrências de janeiro a setembro. Em 2021, no mesmo período, foram 4.933 vítimas e, neste ano, 5.483 pessoas sofreram violência doméstica.
A psicóloga e mestra em Psicologia Carlota Philippsen relata que esses índices apontam para um problema enraizado na cultura patriarcal e conservadora, muito presente no Estado, que coloca o sexo feminino como propriedade dos homens.
A mesma análise também é feita pela psicóloga e pesquisadora de gênero e crimes violentos Giovanna Loubet Ávila, que aponta símbolos de masculinidade, como virilidade, ser forte, “sem frescura” e rejeitar o que é feminino, enraizados desde a criação dos homens como características que mantêm o machismo, muitas vezes de forma inconsciente.
Segundo a pesquisadora, para homens que perpetuam essas características, as mulheres também têm de se comportar de determinada forma, sendo recatadas e obedientes.
“É comum que ambientes sociais que favorecem o machismo e que ditam, de modo mais tradicional e conservador, o estereótipo de um ‘homem/macho’ produzam mais crimes violentos contra mulheres”, pontua Giovanna.
ANUÁRIO
Os índices de crimes contra mulheres vão ao encontro da análise feita pelas psicólogas. Além do aumento expressivo de casos de violência doméstica, dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 apontam que MS está entre as unidades da Federação com as mais altas taxas de crimes contra mulheres, crianças e negros.
O relatório destaca que Mato Grosso do Sul tem o segundo maior índice de feminicídio do País, com 2,9 casos a cada 100 mil habitantes. Já o levantamento da Sejusp informa que, de janeiro a setembro deste ano, 22 feminicídios foram registrados em MS, 6 deles na Capital.
No mesmo período do ano passado, foram 34 casos, 8 deles em Campo Grande. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 também aponta um aumento nos casos de perseguição, conhecidos como stalking, em MS, que passaram de 928, em 2021, para 1.338, em 2022.
O pior índice do Estado foi o de crimes de divulgação de imagens íntimas e sexuais sem o consentimento dos envolvidos: foram 79,5 registros de pornografia a cada 100 mil habitantes no ano passado. Para as profissionais que estudam essas violências contra as mulheres, geralmente, não falta conscientização para as vítimas de violência, mas, sim, uma rede de acolhimento e uma garantia da segurança após a denúncia.
“Isso envolve não só a polícia, mas o respaldo jurídico, psicológico, familiar, social e institucional. Se já fizemos uma breve leitura do machismo na sociedade sul-mato-grossense, o que podemos entender? Que essa sociedade vai ficar do lado da mulher que sofreu violência ou do homem que estava ‘apenas exercendo sua masculinidade e seu direito de homem’?”, questiona Giovanna Loubet.
Para além da rede de apoio que é necessária para as denúncias, também há questões psicológicas que envolvem os relacionamentos, não só amorosos, mas das mulheres com a sociedade.
“A gente vive em uma sociedade que diz que o amor é sofrer, que o amor faz tudo. Então, essa mulher acha que ama esse cara e vai acabar cedendo, o cara fala que vai mudar”, exemplifica Carlota.
A mestra em Psicologia aponta também que falas sobre relacionamentos amorosos, como “o amor transforma” e “o homem que não presta só não encontrou a mulher certa”, acabam colaborando com a crença das mulheres nesses relacionamentos e dificultam o término dessas relações.
ADOLESCENTE
O caso mais recente de violência contra a mulher é o da adolescente de 17 anos que foi encontrada em cárcere privado com queimaduras e ferimentos pelo corpo. O principal suspeito é o namorado da vítima, Samuel Góes dos Santos, de 27 anos, que foi preso pelo Grupo de Operações e Investigações (GOI), da Polícia Civil.
A adolescente teria permanecido em cárcere privado por mais de cinco dias e sido dopada e torturada pelo então namorado. Vizinhos suspeitaram do comportamento de Samuel e, após o homem ter deixado as chaves da quitinete onde morava com o administrador do residencial, foram até o local e encontraram a jovem desorientada.
A vítima foi levada para a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), que está conduzindo a investigação.
A delegada Analu Lacerda Ferraz informou que os depoimentos da família da adolescente e do acusado deveriam ser prestados na manhã de ontem, mas não confirmou se ocorreram. O caso da adolescente será computado como tentativa de feminicídio e tortura.