Correio do Estado/LD
ImprimirA secretária especial da Secretaria-Geral das Organizações das Nações Unidas (ONU) para a Prevenção do Genocídio, Alice Wairimu Nderitu, pediu urgência na demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul.
Ela baseia seu pedido e seu comentário em relatório sobre a visita a indígenas da etnia guarani-kaiowá em Dourados, realizada na primeira quinzena deste mês. Ela também passou pela terra yanomami, em Roraima, e no Rio de Janeiro, onde acompanhou o tratamento à comunidade afro-brasileira.
Em Mato Grosso do Sul, Alice Warimu Nderitu também esteve em Campo Grande, onde se reuniu com o governador Eduardo Riedel.
“Enquanto estive em Mato Grosso do Sul, recebi vários relatos e depoimentos humilhantes e [sobre o ] tratamento degradante aos guarani-kaiowá, levando ao aumento de suicídios entre os jovens dessa comunidade. Fiquei pessoalmente comovida com o testemunho de um casal de idosos, que têm 104 anos e 96 anos. Este casal de idosos passou a vida a lutar por seus direitos fundiários em Mato Grosso do Sul e perdeu toda a família, filhos, netos e bisnetos, nessa luta. A imposição de condições tão degradantes ao povo guarani-kaiowá em geral e a esse casal de idosos em particular é desumana e degradante”, afirmou a secretária da ONU.
“Eles [os idosos] imploraram pela demarcação de suas terras pelo menos antes de morrerem. A idade avançada deles é um exemplo da necessidade de mais urgência na demarcação de terras para essa comunidade em Mato Grosso do Sul e em todo o Brasil”, disse Alice.
Ela também relatou que teve contato com indígenas sem acesso a serviços básicos, em acampamentos na beira da rodovia. “Fiquei chocada com a extrema pobreza deles”, acrescentou.
Alice Wairimu Nderitu esteve no Brasil entre os dias 1º e 12 deste mês e passou por Brasília e pelos estados de Roraima, Mato Grosso do Sul e do Rio de Janeiro. Ela ouviu relatos sobre agressões contra povos indígenas, como os guarani-kaiowá e os yanomami, e também sobre a situação da população afrodescendente brasileira.
O Correio do Estado apurou que o governo de Mato Grosso do Sul já prepara medidas mitigatórias para atender às demandas da ONU. Um outro relatório, mais extenso que o apresentado no dia 12, está sendo feito pelas Nações Unidas.
YANOMAMI E RACISMO
O mesmo relatório também mostra a situação igualmente degradante dos indígenas yanomami. Segundo a secretária especial, a destruição da Floresta Amazônica, essencial para a sobrevivência dessa etnia, está comprometendo a existência dessa população, que está em “sérias dificuldades”.
“A violência contra os yanomami tem de acabar imediatamente”, relatou.
O mesmo relatório ainda identificou racismo estrutural na sociedade brasileira. Ela conta ter conhecido uma mãe negra que chegou a ser rotulada como “futura mãe de criminosos”. Os homens negros respondem por 70% da população carcerária brasileira.
MINISTÉRIO
O relatório da ONU foi entregue ao governo do Estado durante visita feita por representantes dos ministérios dos Povos Indígenas e dos Direitos Humanos a Campo Grande, nesta sexta-feira.
Durante o encontro, além do relatório, foram discutidas soluções para os conflitos por territórios no Estado. Nessa busca por alternativas políticas para pôr fim a esse problema, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) endossa projeto que prevê a indenização dos fazendeiros que vivem e trabalham nas terras originárias.
Uma minuta que propõe a criação de um fundo financeiro que possa destinar um determinado valor (que ainda não foi discutido) de indenização aos fazendeiros pode ser proposta pelo MPI ao governo federal.
Segundo o diretor de promoção da política da Secretaria de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas do MPI, Lindomar Terena, a ideia do fundo financeiro “é um instrumento que depende da vontade política, e o MPI deve buscar recursos para estes fins dentro de um critério que possa ser estabelecido”, declarou.
De acordo com o diretor político do MPI, existe interesse do ministério em levar para frente a minuta que propõe indenização como uma tentativa de resolver os conflitos pela demarcação de terras indígenas, mas para isso precisará de apoio político.
“Viemos para Mato Grosso do Sul no intuito de nos colocar à disposição para avançar nos processos demarcatórios com políticas públicas”, acrescentou Lindomar Terena.
CONFLITOS
Durante a reunião desta sexta-feira entre o governo do Estado e o Ministério dos Povos Indígenas, um relatório foi entregue para o Executivo estadual contendo denúncias de violações aos direitos humanos no policiamento em aldeias de MS.
No documento, foram declarados pela Comissão Transitória Indígena pelos menos sete casos que, segundo o relatório, demonstram conflitos de ruralistas e policiais contra os indígenas.
Um dos principais casos ocorreu no dia 24 de junho de 2022, quando indígenas da etnia guarani-kaiowá entaram em conflito com fazendeiros em Amambai, região de fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, em uma retomada de terras.
Policiais militares do Batalhão de Choque foram acionados para coibir a invasão. A ação resultou na morte do indígena Vitor Fernandes, de 42 anos.
A situação de conflito entre fazendeiros e povos indígenas na região ocorre desde 2013, conforme divulgado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Outra intervenção da Polícia Militar, segundo o relatório, ocorreu na cidade de Aquidauana, em 1º de agosto de 2019. Conforme relatos dos indígenas, um grupo de cerca de 200 kinikinau retomou território reivindicado há anos pela comunidade.
Diante do movimento, segundo o levantamento, “o prefeito do município acionou o uso de força policial, e foi identificada a presença de segurança privada que trabalha para os proprietários das fazendas da região”. Em 26 de fevereiro de 2022, a Polícia Militar atuou no despejo de uma comunidade indígena guarani-kaiowá no município de Rio Brilhante. Segundo o estudo, a comunidade de Laranjeira Nhanderu foi retirada pela tropa de choque com bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha.
No município de Naviraí, em 23 de junho de 2022, indígenas guarani-kaiowá do Território Kurupi/Santiago Kue revindicaram terra às margens da BR-163 e, segundo relatório, sofreram ameaças de fazendeiros e jagunços.
A Polícia Militar também foi acionada nesse caso, com relatos de que foram usados armamentos pela polícia na ação.
Outros três conflitos neste ano, nos meses de março e abril, que aconteceram em Rio Bilhante, Dourados e Naviraí, constam no relatório entregue ao governo do Estado. (Colaborou Celso Bejarano)
SAIBA
Ainda está em tramitação na Câmara dos Deputados a PEC nº 71/2011, em que a indenização de proprietários rurais é prevista na demarcação de terras indígenas. Na quinta-feira, o presidente da bancada federal de MS, deputado federal Vander Loubet (PT), esteve com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para solicitar que o projeto tivesse andamento.