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Geral
30/09/2023 09:33:00
Pais de Sophia criticam eleição e pedem concurso público para conselheiro tutelar
Casal homoafetivo alega que sofreu homofobia ao denunciar agressões que criança sofria ao Conselho Tutelar da Capital

CE/LD

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Oito meses após a morte da menina Sophia Ocampo, de 2 anos, os pais dela criticam o processo eleitoral de conselheiros tutelares por privilegiar pessoas que eles alegam serem desqualificadas. Eles defendem a realização de concurso público para o cargo de quem atua na defesa e proteção da vida de crianças e adolescentes.

Para Igor de Andrade, companheiro de Jean Carlos Ocampo e pai afetivo da menina, que era chamado por ela de Pai Urso, o salário de R$ 10,9 mil para o cargo de conselheiro tutelar atrai pessoas sem qualificação nenhuma para a função.

"Quando se fala em eleição para Conselho Tutelar, ninguém vai pela capacidade de cuidar do direito das crianças. Vai pelo salário. Quem não quer? Não deveria ser eleição, deveria ser um concurso público, em que o candidato de determinada área, como da saúde ou do direito, faz a prova. Assim, não se elegeriam pessoas despreparadas, que vão só pelo salário", declarou.

O pai biológico de Sophia defende que a eleição deveria ser limpa e democrática e que a luta deles é para que não existam mais Sophias.

Das três conselheiras da região norte que atenderam o caso da menina, duas tentam reeleição, porém, uma teve a sua candidatura impugnada.

"Infelizmente, no Conselho Tutelar existem os cabos eleitorais dos políticos, é um curral eleitoral. Tinha que ser uma eleição limpa e democrática. Uma candidata nos acusou de estarmos perseguindo a campanha dela, a gente só quer cobrar o que é certo. Nossa luta é para que não existam outras Sophias", afirmou o pai.

Os pais alegam que foram vítimas de homofobia e que a pequena Sophia foi vítima desse preconceito e descaso, já que antes da morte da criança eles procuraram o Conselho Tutelar e a polícia para denunciar as agressões que a criança sofria, porém, nada foi feito.

"Se continuar com esse pessoal no Conselho Tutelar, vão ter outras Sophias e outras Estrelinhas. Enquanto esse familismo não mudar, vão continuar sendo omissos e normalizar essa situação de violência e abuso. O problema não é você ser cristão, mas o que deve importar para o conselheiro é o que está escrito no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]", defendeu Igor.

O padrasto de Sophia mencionou o caso da menina conhecida como Estrelinha, Isadora Araújo Martins, 10 anos, que morava na mesma região em que Sophia morava e também foi morta em janeiro.

Entre os requisitos essenciais para desempenhar a função de conselheiro tutelar, Jean diz que o mínimo é ter vontade de trabalhar, de enxergar as crianças e lutar por elas.

"Querer trabalhar, fazer o serviço para o qual estão sendo pagos. Olhar para a criança, para o ECA e orientar corretamente os responsáveis. Se os conselhos não estão surtindo efeito, não deveriam existir", concluiu.

Ainda segundo o pai, que espera uma mudança nos Conselhos Tutelares, a rede de proteção à criança também precisa funcionar corretamente.

"Para a mudança do Conselho Tutelar, deveriam ter conselheiros capacitados e uma rede de proteção à criança que realmente funcione na prática, e não apenas na teoria. O Conselho deve se comunicar com a DEPCA [Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente], com a Sesau [Secretaria Municipal de Saúde] e com a Justiça", opinou Jean.

O padrasto de Sophia também acrescenta que os conselhos precisam de mais investimento e que cada unidade deveria contar com uma equipe multidisciplinar para atender as crianças e os responsáveis.

"Tinha que existir nos conselhos uma equipe psicossocial, multidisciplinar, com psicólogo, enfermeiro e assistente social. A proteção da criança e do adolescente é a prioridade absoluta do Estado, do município e da União", ponderou.

ELEIÇÃO

Neste domingo, os pais de Sophia farão questão de exercer o direito ao voto. Eles fizeram um apelo para que a população compareça e escolha com sabedoria.

"Domingo vamos estar lá votando. Eu só peço que as pessoas se conscientizem e que votem. Que consigam entender a importância dessa eleição para que não existam mais Sophias e Estrelinhas. Elas não foram as primeiras vítimas e também não foram as últimas", disse Jean.

Para Igor, o caso de Sophia teve um fim trágico em função da homofobia, já o casal homoafetivo solicitava a guarda da menina, que morava com a mãe e o padrasto, acusados de serem os autores da morte da criança.

"A partir do momento em que a sociedade começar a cobrar e a enxergar de outra forma, eu acredito que as coisas vão andar. A votação do Conselho Tutelar é tão importante quanto para prefeito. A impressão é de que tratam como menos importante porque criança não vota, então, não tem valor para eles", observou.

O casal também reforça que uma das premissas para exercer a função de conselheiro tutelar é seguir o ECA, e não a ideologia ou a religiosidade de cada conselheiro.

"No quesito cuidado com a criança, tem de ser menos Bíblia e mais ECA. Se tivessem aplicado a lei, tudo teria sido diferente com a Sophia, o cenário hoje seria outro. O conselho tutelar foi coautor do que aconteceu com ela", reiterou Igor.

Já a advogada dos pais de Sophia, Janice Andrade, revelou que entrará com notícia-crime contra as conselheiras tutelares envolvidas no caso.

"Eu fiquei muito enojada quando vi que a bandeira que elas levaram até as redes sociais era em defesa da família, e isso é inacreditável. Sabemos que a maioria das violências acontece no seio das famílias", disse a advogada.

CASO SOPHIA

Sophia chegou morta à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Coronel Antonino, em Campo Grande, no dia 26 de janeiro, com sinais de espancamento.

O laudo necroscópico indicou que a pequena Sophia morreu por um traumatismo na coluna causado por agressão física.

A criança apresentava, ainda, sinais de estupro, crime comprovado após análise feita pelo Instituto de Medicina e Odontologia Legal (Imol).

Os acusados pelo crime são o padrasto da criança, Christian Campoçano Leitheim, de 25 anos, e a mãe, Stephanie de Jesus da Silva, de 24 anos.

Os dois foram presos logo após a morte da menina e seguem encarcerados. O casal passou, na quinta-feira, pela última audiência de instrução para o julgamento na 2ª Vara do Tribunal do Júri.

Nesta última audiência, reservada para o depoimento dos dois acusados, ambos preferiram ficar em silêncio e falar somente no julgamento, que ainda será marcado.

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