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ImprimirCom as mudanças climáticas em curso, o extremo calor tem afetado algumas cidades de Mato Grosso do Sul, um fenômeno já conhecido e frequentemente noticiado. No entanto, pouco se fala sobre como a preparação para os impactos físicos desse calor varia entre diferentes populações, regiões urbanas e classes sociais.
E é isso que uma pesquisa científica a ser realizada em Mato Grosso do Sul pretende responder: quais são os grupos sociais em risco e a vulnerabilidade socioambiental durante eventos de extremo calor?
O estudo, intitulado “Risco e vulnerabilidade socioambiental a eventos extremos de calor em cidades do Mato Grosso do Sul”, será desenvolvido pela pesquisadora, professora, e doutora da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) no campus de Três Lagoas, Gislene Figueiredo Ortiz Porangaba.
Nós iremos fazer o mapeamento da superfície urbana da cidade e comparar com os dados socioeconômicos. Assim, poderemos identificar onde estão as pessoas que não têm condições de climatizar suas casas e ambientes, e onde está mais aquecido. A partir disso, chegaremos ao que chamamos de vulnerabilidade socioambiental em eventos de calor extremo”, explica Gislene.
Ela recebeu uma bolsa de produtividade da Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul) para realizar o estudo em 36 meses. Ainda em fase inicial, a pesquisa propõe estudar quatro cidades de MS: Campo Grande, Corumbá, Dourados e Três Lagoas.
A ideia é criar uma espécie de “mapa de calor” da superfície urbana dessas cidades. Gislene menciona que usará imagens do satélite Landsat 8, da NASA (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço) e do USGS (Serviço Geológico Norte-Americano), dos Estados Unidos.
Posteriormente, esses dados serão cruzados com informações socioeconômicas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), como renda domiciliar e malha municipal, para identificar quais grupos mais sofrem com o calor extremo. “O risco climático afeta todos na cidade. Se a temperatura chegar a 40°C, será para todos. Porém, aqueles que vivem essa temperatura sem uma forma artificial de se proteger são os mais vulneráveis socioambientalmente", pontua a pesquisadora.
Embora o estudo tenha uma duração prevista de 36 meses, Gislene planeja publicar resultados parciais ao longo do tempo, por meio de artigos científicos que abordarão os mapeamentos feitos em cada uma das quatro cidades.
Espaço urbano é mais quente -Gislene explica que uma etapa da pesquisa já foi realizada em Três Lagoas, onde ela vive e leciona atualmente. Essa parte do estudo foi feita em seu pós-doutorado, que está na fase final, com o apoio do professor da USP (Universidade de São Paulo), Dr. Emerson Galvani.
Segundo Gislene, também foram analisadas as “ilhas de calor” de Três Lagoas, um fenômeno urbano caracterizado pela maior temperatura das cidades em relação às áreas vizinhas, como as zonas rurais. Esse aquecimento ocorre devido à concentração de materiais como asfalto, concreto e superfícies escuras que absorvem mais calor, além de fatores como poluição, atividade humana, ausência de vegetação e corpos d’água, e a impermeabilização do solo.
No caso de Três Lagoas, o estudo confirmou que o espaço urbano apresenta temperaturas mais altas em comparação com as áreas rurais. “Vamos supor que a temperatura seja de 30°C. Quando nos dirigimos ao centro de uma cidade, essa onda de calor pode se intensificar, chegando a cerca de 35°C ou até 38°C. Esse aumento é significativo", explica.
Ela também menciona como a área da Mata do Exército, em Três Lagoas, atua como uma “ilha de frescor” para a cidade. "A ilha de calor de Três Lagoas é concentrada no centro urbano, mas onde temos a Mata do Exército, há uma 'ilha de frescor' devido à vegetação. Isso demonstra novamente a importância da vegetação nos espaços urbanos, pois ajuda a manter a área mais fresca."
Por que estudar isso? - Questões ambientais são frequentemente vistas como assuntos restritos a animais e vegetação. Contudo, Gislene ressalta que eventos de calor extremo afetam diretamente a saúde humana e influenciam até mesmo o consumo energético de uma cidade, devido à maior demanda por refrigeração.
Segundo a pesquisadora, o desconforto térmico humano pode ser tão grave que pode levar à morte. “As ondas de calor têm efeitos, às vezes, silenciosos na saúde e na vida das pessoas. Você já viu atestado de óbito de alguém que morreu por calor? É raro, porque a pessoa terá um infarto, um AVC, um problema respiratório. Então, a questão do desconforto térmico é bem preocupante”, aponta.
Gislene espera que os resultados da pesquisa sirvam como um importante parâmetro para a construção de políticas públicas de mitigação e adaptação climática. "É o que todo pesquisador espera. É frustrante fazer vários trabalhos e eles não serem utilizados. Nosso desejo é que o poder público use as pesquisas. Esta pesquisa será um instrumento valiosíssimo para o poder público pensar em ações de adaptação e mitigação".