Midiamax/PCS
ImprimirO Governo de Mato Grosso do Sul aproveitou a situação de emergência por causa do coronavírus para gastar sem detalhamento mais de R$ 11,3 milhões do chamado dinheiro da covid-19 com “serviços de publicidade e propaganda” em menos de 6 meses.
A fortuna, lançada na origem orçamentária “Despesas Covid-19” do portal criado para divulgar gastos com o combate ao coronavírus, equivale ao custeio de mais de 7 mil diárias em UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) públicas, segundo preços oficiais do SUS (Sistema Único de Saúde).
Além disso, a destinação do dinheiro, distribuído com notas de empenho de 11 agências de publicidade, segundo dados do Governo, não está detalhada no Portal da Transparência das compras emergenciais do coronavírus por meio de notas fiscais –e sequer é discriminado no portal da transparência normal da administração estadual (onde, ao se tentar obter detalhes sobre os gastos, é emitida uma mensagem de erro).
O gasto milionário é mais uma das compras feitas pelo governador Reinaldo Azambuja (PSDB) desde 19 de março, quando decretou emergência da pandemia, que levantam suspeitas sobre a aplicação do dinheiro para combater a doença.
Na última sexta-feira (21), operação do Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção do MPMS) cumpriu mandados após encontrar “indícios fortes” de superfaturamento até na compra de cestas básicas sem licitação.
Segundo as investigações, aproximadamente R$ 2 milhões do dinheiro da covid-19 teriam sido desviados pela Sedhast (Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho) da verba usada para distribuir comida entre os mais pobres durante a pandemia.
Farra com a verba da Covid-19
Em todo o Brasil, têm pipocado operações que desmantelam esquemas suspeitos de desviar recursos públicos supostamente aproveitando a flexibilização do controle sobre a prestação de contas. A desculpa é o estado de emergência.
Em Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja assinou em 19 de março o decreto 15.396, que declarou “situação de emergência em razão da pandemia por doenças infecciosas virais”.
Com o ato, o governador tucano ampliou “as medidas de prevenção a serem adotadas no território sul-mato-grossense e dá outras providências”. Além disso, liberou a dispensa de licitação nas aquisições.
No entanto, a lei complementar federal 173, de 27 de maio, determinou ampla publicidade sobre o uso do dinheiro da covid-19, que deveria priorizar ações rápidas contra a propagação do coronavírus.
No site que o Governo de Mato Grosso do Sul criou para divulgar as despesas no enfrentamento ao novo coronavírus, foram relatados empenhos de R$ 11.366.719,66 para custear serviços de publicidade e propaganda sobre a covid-19.
Trata-se de dinheiro do Fesa (Fundo Especial de Saúde de Mato Grosso do Sul), destinado, por exemplo, para repasses e aparelhamento de hospitais filantrópicos, que foi reservado para bancar as peças publicitárias em diferentes meios.
O dinheiro empenhado segue a rota burocrática, com o valor antecedendo a liquidação (comprovação daquilo que foi realizado) e pagamento (quitação do serviço junto a agências, que repassam as peças aos veículos).
Dentre os valores empenhados, a Agilitá Propaganda e Marketing foi incumbida do maior valor: R$ 2.928.029,88. A Compet Marketing e Comunicação deve gerir empenhos de R$ 1.478.454,07; e a Comuniart Comunicação e Marketing, R$ 1.453.292,19.
A Origem Comunicação e Marketing Ltda. deve tratar de empenhos na ordem de R$ 1.279.976,57. A Art Traço Publicidade, R$ 965.942,27; enquanto à Novo Engenho foram responsabilizados R$ 958.725,54.
Think Service Design Ltda deverá trabalhar com empenhos de R$ 744.336,69; com R$ 577.413,12 sendo previstos para a Lets Comunicação Integrada Eireli; R$ 550.818,75 à Ramal Propaganda Ltda.; R$ 222.953,14 à Slogan Publicidade; e R$ 200.768,44 à B e W Três Propaganda Ltda.
Em relação à liquidação, já foram reservados R$ 8.333,597,80, a maior parte com a Agilitá (R$ 2.643.939,47). Art Traço (R$ 774.101,58), B e W Três (R$ 128.330,93), Compet (R$ 746.046,88), Comuniart (R$ 962.914,22), Lets (R$ 357.428,18), Novo Engenho (R$ 582.619,20), Origem (R$ 921.351,58), Ramal (R$ 457.971,28), Slogan (R$ 162.723,12) e Think (R$ 640.171,36) também detalharam liquidações.
Quanto aos pagamentos propriamente ditos, o portal da covid-19 afirma que R$ 7.576.173,59 já foram pagos por serviços publicitários durante a pandemia. Contudo, o detalhamento não estava disponível até a veiculação desta reportagem.
Apenas os valores relatados como pagamento por publicidade exclusiva na pandemia seriam suficientes para bancar 4.735 diárias de UTI com valores do SUS (Sistema Único de Saúde), que havia definido em R$ 1,6 mil o valor a ser repassado para prefeituras para ajudar no combate ao coronavírus.
Quando se consideram os empenhos, isto é, aquilo que o Governo de Reinaldo Azambuja pretende pagar em propaganda na pandemia, os R$ 11,3 milhões seriam suficientes para bancar 7.104 diárias de UTI em valores do SUS.
Publicidade e propaganda de Reinaldo já entrou na mira do MPMS
Apesar desses informes específicos, quem consultar o portal do Governo de Mato Grosso do Sul encontrará gastos com publicidade sobre o coronavírus sem o detalhamento exigido pela lei, no link “Licitações, Contratos e Sanções”. Conseguirá, no máximo, contabilizar mais de 70 pedidos de publicidade relativa à covid-19.
No atalho “Contratos”, pede-se que seja digitado o produto ou serviço que se deseja verificar.
Dois termos oferecem respostas sobre a propaganda: “Prestação de Serviços Publicitários.” (exatamente desta forma, com o ponto final) e “Prestação de Serviços Publicitários” (sem ponto final).
Na primeira, o internauta será levado a dados da Secretaria de Estado de Governo e Gestão Estratégica, que até a tarde desta segunda-feira (24) relatava 20 contratos celebrados.
Trata-se do maior quantitativo de contratações divulgado pela administração estadual no setor, representando empenhos superiores a R$ 53,4 milhões em duas “etapas”: com vigências de 12 de outubro de 2019 a 11 de abril de 2020 e de 12 de abril de 2020 a 12 de outubro deste ano.
Estes são, na verdade, de aditamentos aos contratos firmados ainda em 2015, no início da gestão de Reinaldo Azambuja, com agências de publicidade e que foram prorrogados desde então.
Atualmente, os contratos já estão no 12º aditamento. O fato, inclusive, chamou a atenção de um promotor.
O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), pediu na Justiça a suspensão dos gastos e direcionamento de valores. Concedida em primeira instância, a solicitação foi derrubada em segunda.
Os recursos compreendem valores empenhados, isto é, reservados para custear serviços que eventualmente forem prestados.
Na primeira fase, os recursos reservados, conforme demonstrativo do portal da transparência, chegam a R$ 34,1 milhões.
Já na segunda, exclusiva do 12º aditamento, os empenhos totalizam R$ 14,6 milhões, dos quais R$ R$ 10.547.488,15 foram efetivamente gastos entre 19 de março e 8 de agosto, segundo conferência realizada na tarde desta segunda-feira (24).
Os dados são de levantamento realizado pelo Jornal Midiamax com base nas notas fiscais já divulgadas no Portal da Transparência.
Considerando-se o valor de R$ 1,6 mil para diária de UTI que, emergencialmente, o SUS passou a aportar para bancar despesas com coronavírus, os gastos com publicidade do Governo do Estado que foram divulgados bancariam 6.568 diárias em leitos de terapia intensiva.
Empenhos de até R$ 3,3 milhões na ‘emergência’
O maior empenho feito durante a pandemia fora da previsão para o coronavírus foi direcionado à B e W Três Publicidade: R$ 3.826.046,91 até 7 de agosto, com R$ 2.062.682,57 devidamente pagos.
A Compet teve R$ 2.593.918,35 empenhados para a quitação de serviços de publicidade e propaganda a jornais, revistas, rádios, TVs e portais, entre outros, dos quais R$ 2.138.849,48 foram pagos até 17 de julho.
A agência Origem administrou R$ 1.735.752,40 , dos quais R$ 1.416.566,49 foram pagos até 7 de agosto. Os montantes estão bem acima dos repassados a outras agências que atendem ao Governo de MS. É o caso da Slogan (R$ 376,9 mil empenhados até 17 de julho). Na sequência, aparecem Ramal (R$ 376,9 mil empenhados até a mesma data) e Let’s Comunicação (R$ 292,1 mil até 9 de julho).
Para estas, os valores totais equivalem, por exemplo, a uma única nota paga pela B e W Três em 9 de julho, no valor de R$ 328,5 mil. O sistema não informa quem são os veículos destinatários dos pagamentos.
Para a Art Traço, foram R$ 223.804,69 empenhados e R$ 218.092,19 pagos até 9 de julho; R$ 968.313,66 foram destinados à Think (R$ 667.030,65 pagos) até 17 de julho; R$ 1.256.054,32 para a Novo Engenho (R$ 704.045,94 pagos); e R$ 1.081.179,69 empenhados à Comuniart (R$ 1.045.741,09 pagos)
A distribuição dos recursos, até aqui, também varia de agência para agência. Desde 19 de março, houve empresas que geriram uma dezena de contratos, perfazendo menos de R$ 300 mil no total. Já outras, acumulam mais de 40 empenhos, superando R$ 2 milhões de verba pública.
Na segunda busca, sem o ponto final, aparecem 2 contratos com a mesma empresa que seguem a regra dos anteriores (Agilitá). No 12º aditamento, representa sozinho R$ 5,94 milhões (mesmo valor do 11º). No total, foram R$ 1.976.216,18 empenhados até 7 de agosto e R$ 1.534.893,86 pagos à agência.
Logo após 19 de março, o portal da transparência começou a listar diferentes PIs (pedido de inserção) de mídia referente à Covid-19. Desta forma, contagem da reportagem até lançamentos de 8 de agosto identificou mais de 70 PIs entre as agências contratadas.
Dados incompletos e Governo mudo sobre os gastos
O valor gasto com cada uma, porém, não foi divulgado. Em todos os casos, são divulgadas as informações do programa de trabalho (identificado por código numérico) e o dado “Sem PI – SEGOV – Covid-19”.
Ao se clicar em todos os informes do tipo, o sistema fornece a mensagem “Atenção! Ocorreu um erro na consulta do empenho selecionado”.
No portal exclusivo para despesas com Covid-19, não foram relacionados nas pesquisas sobre “Despesas” ou “Compras” gastos com itens como publicidade, propaganda, mídia ou campanha. Nem mesmo a pesquisa a partir do CNPJ das agências contratadas pela Segov ofereceu algum retorno no endereço.
Para chegar às informações, deve-se clicar na luta no canto superior esquerdo da tela (“Smart search”) e digitar “Serviços de publicidade e propaganda“.
O Jornal Midiamax solicitou ao Governo ido Estado em 20 de agosto informações sobre como ver os detalhes das despesas com publicidade do coronavírus que não estão no Portal da Transparência.
A reportagem também havia questionado oficialmente quais os valores das campanhas solicitadas entre 19 de março e 8 de agosto com dinheiro da covid-19. No entanto, nos dois casos, aguardava resposta para informar aos leitores até a veiculação desta reportagem.