Agência Brasil/LD
ImprimirO Brasil não se desenvolverá se não incluir as mulheres em todas as pautas debatidas e acabar com o racismo. A afirmação é da jornalista e ex-deputada Manuela D’Ávila, que participou, na manhã de hoje (27), da mesa-redonda Por um Brasil feminista e antirracista, no Fórum Social Mundial, que vem sendo realizado em Porto alegre (RS).
De acordo com a jornalista, as chamadas pautas identitárias são renegadas até por setores da esquerda. Segundo Manuela, não é possível discutir nenhuma forma de melhorar a vida das pessoas, com desenvolvimento, soberania e justiça social, sem pensar as soluções com o viés das questões raciais e de gênero.
“A desigualdade brasileira não é amorfa, ela tem cara. É econômica, óbvio. Mas não atinge igualmente todos os corpos. Este país foi construído em cima de uma brutal violência contra os povos indígenas e os milhões de mulheres e homens que foram trazidos do continente africano. A construção histórica do país foi feita em cima do racismo, que é estrutural, assim como o machismo”.
Ela destacou que pensar, por exemplo, em mercado de trabalho inclui providenciar creches para que as mulheres com filhos de até 3 anos possam ser inseridas em um ambiente que lhes é negado. Ou falar em políticas para o envelhecimento sem lembrar que são as mulheres, em sua maioria, que cuidam das mães e até das sogras na terceira idade.
“Nos anos de escuridão, os pontos de luz foram as mulheres e os homens e mulheres negras. Eu escuto que nunca é a hora de falar das mulheres, e eu só tenho 41 anos. Nós só vamos conquistar os espaços de poder se nós pactuarmos que nunca mais vão fazer políticas sem nós. Não existe nenhum tipo de dimensão de desenvolvimento sem encarar a questão do gênero. Nós temos que ser mais radicais do que nunca. A extrema-direita se forja em cima dos nossos corpos. Mas não irão nos apagar, somos o astro que anuncia a chegada de um novo dia”.
A presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM) em Pernambuco, Laudijane Domingos, lembra que as mulheres pretas e pobres sofrem opressões acumuladas e que, por isso, é preciso construir um novo marco civilizatório onde homens e mulheres possam caminhar lado a lado, “empoderadas, vivas e felizes”.
“Não queremos reduzir e oprimir para que os homens sejam subalternizados. Nós só queremos andar lado a lado e ter respeitada a nossa composição. O sistema de opressões é de raça sim, é de classe sim, mas não é possível construir um Brasil novo onde as mulheres, mulheres negras e LGBT não estejam no centro do debate. Não dá para discutir moradia sem creche, saneamento, luz e transporte público, para que as mulheres tenham mobilidade e acesso aos direitos básicos”,
A cacique Iracema Kantê Kaingang relata que não conhecia racismo até ir para a escola, que ela chamou de “pessoas que querem separar um povo do outro”.
“O criador fez tudo para nós e a natureza tem misturadas as cores, a gente podia ser assim também, com os filhos da terra. O povo Kaingang trabalha no coletivo, o maior cuida do pequeno e o pequeno atende o grande. Essa divisão entre as pessoas aconteceu pela política, pelas igrejas, pela evangelização, pela ditadura também”.
Sobre machismo, ela disse que também teve contato por meio de não indígenas, que queriam aconselhar seu companheiro.
“Disseram pro meu companheiro ‘você é a cabeça da sua mulher’, ele disse ‘não, ela é mãe dos meus filhos, ensina as sementes boas pra gente, cria os filhos, a gente conversa tudo, como eu vou ser cabeça dela?'. Nosso povo sempre foi assim. Nós parar com isso, caminhar lado a lado. Perante de Deus todos nós somos parentes, tudo nós junto, pra dividir a semente que plantamos”.
Feminicídio De acordo com a presidente da UBM Rio Grande do Sul, Fabiane Dutra, para avançar na conquista de direitos, é urgente que as mulheres parem de ser mortas apenas por serem mulheres, ou seja, vítimas de feminicídio.
“A gente vinha num momento de resistência de defesa dos nossos direitos para não perder ainda mais, agora a gente espera poder superar esse momento de apenas resistir e conquistar de fato, né? Sobretudo no Combate à violência, porque os feminicídios estão recorde todo ano, com muitos homicídios infantis juntos.”
Ela destaca que o combate à violência contra a mulher envolve uma educação não sexista e inclusiva e a geração de trabalho e renda para as mulheres terem autonomia econômica.
A militante da Marcha Mundial de Mulheres Any Moraes, explica que o FSM sempre foi um espaço de debates importantes sobre as questões de gênero e de raça.
“Estar na cidade de Porto Alegre, capital referência na participação social, é fundamental para essa nossa mobilização. Então, é um momento de a gente construir essas alternativas e comemorar também esse fio de esperança de um novo Brasil. As mulheres continuam morrendo, né? O ano de 2023 já iniciou com oito casos de feminicídio no nosso Brasil. Então é fundamental que a gente pense isso como prioridade também, né, essa luta pela vida das mulheres”.
A mesa contou também com um sarau de poesia feminista. O Fórum Social Mundial termina amanhã (28).