IstoÉ/PCS
Com o populismo econômico, acabou o sonho delirante de uma versão brasileira da revolução dos “Chicago Boys” de Pinochet. Humilhado diariamente, até quando Paulo Guedes aguenta?
É difícil distinguir a criatura do criador na simbiose política entre Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Desde o início, o presidente conseguiu viabilizar seu projeto de poder por meio do prestígio do ministro da Economia no mercado financeiro.
O economista, por outro lado, encontrou em Bolsonaro o veículo ideal para viabilizar suas ideias inspiradas na Escola de Chicago, berço do ultraliberalismo econômico. Guedes sonhava com uma nova versão da intervenção que seus colegas de pós-graduação fizeram nos anos 1970 e 1980 na ditadura de Pinochet, com alguns avanços na criação de riqueza e muitos problemas sociais. Eram os “Chicago Boys”, e o próprio Guedes foi um representante tardio da turma nos anos 1980 ao lecionar na Universidade do Chile.
No Brasil, o desafio “intelectual” da transformação econômica poderia prescindir — ou se aproveitar, na verdade — da tendência autoritária do ex-capitão, que nunca escondeu sua admiração pelo ditador chileno e sua vontade de passar por cima das instituições democráticas. Afinal, em 1999, Bolsonaro defendeu o fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso por causa das privatizações. Enquanto Bolsonaro seria a ordem, Guedes seria o progresso.
O arranjo faliu. Bolsonaro, que já se mostrava impaciente com a falta de números consistentes na economia para pavimentar sua reeleição, ficou alarmado com os danos da pandemia e o estrago com o fim do auxílio emergencial. O mandatário já optou por abandonar a disciplina fiscal e as privatizações. O casamento com o Centrão é conveniente para isso. De superministro, Guedes passou a animador de auditórios de bancos e vendedor de ilusões para as massas. Quase todo o seu time saiu.
O primeiro foi Joaquim Levy, outro ex-aluno de Chicago. O mais recente, Roberto Castello Branco, também formado na meca de Milton Friedman, que Guedes chama de brincadeira de “Chicago Oldie”, como ele. Com isso, todos os agentes econômicos já precificaram suas promessas irreais, e o dólar nas alturas é uma prova disso. “Salvo a República de duas a três vezes por semana”, disse o Posto Ipiranga no auge da pandemia. Não salva mais. O trem descarrilado da economia não tem mais conserto sob Bolsonaro. Muitos se perguntam as razões que ainda seguram Guedes em Brasília.
É um crepúsculo melancólico para um outsider que nunca foi levado a sério nas principais escolas econômicas do País, a FGV e a PUC-RJ, e que enriqueceu no mercado financeiro brigando com seus ex-colegas. Talvez por isso faça tanta questão de desmerecer muitos deles, formuladores do Plano Real, que deram suporte ao PSDB na maior reforma econômica empreendida desde a redemocratização. “Se o plano fosse tão extraordinário, não perdiam 4 eleições seguidas”, já disparou. Mas o fato é que esses economistas foram muito mais liberais do que o atual titular — e com pragmatismo e sensibilidade social.
A ex-aluna de Guedes Elena Landau conseguiu privatizar o setor siderúrgico e as telecomunicações no governo FHC. Para ela, o plano de privatização de Guedes é uma “farsa”. É verdade. Ele prometeu arrecadar R$ 1 trilhão com as estatais. Não conseguiu vender nenhuma. Guedes também prometeu zerar o déficit público em um ano. Ao contrário, ele disparou e bate recordes históricos. Pérsio Arida, ex-presidente do BC e outro desafeto de Guedes, diagnosticou ainda antes da posse: Guedes é um “mitômano”. Bingo.
O ministro da Economia não deixará nem mesmo um legado como os grandes defensores do liberalismo no Brasil, como Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões. Essa escola econômica, em sua versão original, moldou o crescimento mundial desde o século XIX com o fortalecimento da democracia e do controle social sobre o Estado.
Guedes, ao contrário, faz parte de um grupo de intelectuais que desejou fazer mudanças radicais rasgando os direitos fundamentais. O alerta foi feito por outros membros da própria Escola de Chicago. Esse liberalismo selvagem reduziria a qualidade de vida e solaparia direitos individuais.
E com aumento de impostos, pode-se acrescentar, se o plano de Guedes de ressuscitar a CPMF vingar. No final, pode deixar como herança um Estado ainda mais hipertrofiado, uma segunda década perdida e a perpetuação da armadilha do crescimento que nunca se realiza.