Carlos José Marques
No rebotalho das negociações, o presidente Bolsonaro dá claros sinais de estar arrefecendo os ânimos e focando no que realmente interessa: a conclusão da reforma da Previdência. Parece ter compreendido a exata dimensão do que o projeto representa não apenas sobre a vida dos brasileiros como para o futuro de seu próprio governo.
Diga-se, de passagem, que nessa terra maniqueísta medrava implacavelmente em diversas cabeças a convicção de que o presidente não daria a devida importância ao tema. Ledo engano. Bolsonaro, desde o fim das folias de Momo, é outro homem. Conversa ativamente com os setores envolvidos no assunto. Chama para acertar demandas dos interlocutores e parlamentares e tenta afinar detalhes.
Não se exime sequer de ações coordenadas de comunicação para manifestar a importância da votação que está em jogo. Encarnará – e já se convenceu disso – o papel de verdadeiro marqueteiro da reforma. Já não era sem tempo. Nos almoços, convescotes e reuniões fechadas com os interlocutores manifesta uma linha diferente da que vinha adotando até aqui, menos belicosa, mais em harmonia com os anseios gerais.
Mesmo a imprensa, que tem sido tratada aos pontapés pelo mandatário nos últimos tempos, foi chamada ao quadrilátero do Planalto para dois seguidos cafés da manhã ao lado dele, nos quais o ponto alto foi a simpatia e bom humor do anfitrião – afável, receptivo e esclarecedor, como cabe a quem comanda e deve conduzir um desafio dessa natureza. Bolsonaro tem lembrado insistentemente da encruzilhada que desponta pela frente: ou virá a reforma ou será o caos. Traça alguns caminhos para alcançá-la. Não é mais aquele político arredio de campanha que se negava a entabular acordos partidários ou a liderar entendimentos com políticos adversários.
Nessa fase de conciliação, abriu o cofre. Estima-se em mais de R$ 1 bilhão, em emendas orçamentárias, o tamanho do caixa que será usado para convencer os arredios. Bolsonaro, que conheceu o radicalismo por trás da resistência dos opositores, soube se inspirar nas lições do pacto de interesses que, em geral, move todos em um mesmo sentido. O presidente não é um iluminado da práxis, um talento aglutinador.
Mas, como convém a um restaurador da ordem, com sua mirada de ex-capitão de tropa, está tentando, nos últimos dias, com visível esforço, exercer a condição de maestro do entendimento, sem se melar na manteiga rançosa do clientelismo barato. Ele recusa-se a misturar apoio com barganha fisiológica. Diz que jamais exercerá a liderança de resultados para proveito e interesse próprios.
Mas sabe que o destino da Nação tem acordes específicos nessa reforma que está posta à mesa. Se a história promete fazer-lhe justiça, essa está completamente penhorada na consagração de um novo regime de aposentadorias que abrande, de vez, parte considerável das despesas orçamentárias. Na contabilidade fria dos congressistas a favor e contra o projeto encaminhado ainda falta um bom lote de simpatizantes para se chegar ao número mágico de 308 votos mínimos para o aval na Câmara.
O ideal, todos sabem, é ir à plenária com uma margem extra de até 20 votos. Tempos atrás, o então presidente Fernando Henrique colocou para votar um projeto semelhante, imaginando estar com o quórum garantido, e saiu de lá derrotado por apenas um voto. É uma transformação considerável em jogo que pode se esvair por tão pouco. De outro lado, analistas são unânimes em dizer que existe quase nada da reforma para desidratar.
O economista Alexandre Schwartsman, por exemplo, lembra que no atual patamar dos cortes propostos, sem retirar nenhum dos itens do que foi encaminhado, o gasto previdenciário deverá seguir em linha com o crescimento do PIB. Qualquer economia a menos vai praticamente implodir com o orçamento, mais cedo ou mais tarde. O czar da Fazenda, Paulo Guedes, deseja uma tesourada da ordem de R$ 1 bilhão em 10 anos. Há quem fale que ela ficará na faixa de R$ 700 milhões.
Nesse cabo de força, o ponto de inflexão mais importante tem sido, no entanto, o que se pode chamar de conversão de Jair Bolsonaro a um tipo de postura mais moderada. E isso fará a diferença. O presidente é capaz, com os argumentos certos, de trazer para as suas hostes uma série de deputados que até aqui se mostravam descontentes com o tratamento recebido do Executivo.
Muitos desejam somente o afago de um encontro, de uma conversa tetê-à-tête com o chefe da Nação. Querem entregar a sua contribuição, sentirem-se participantes do processo. No jogo de parte e reparte, serze e descostura, a mudança na Previdência é uma entrega inescapável na agenda e ela depende da articulação. Que bom que a virulência oficial de ataques a esmo foi substituída pelo diálogo.
Ninguém padecerá de um único e escasso arrepio de dúvida sobre a importância da reforma da Previdência – caso ela venha a ser bem explicada e defendida. Nem entre os mais vetustos “esquerdopatas”, rivais de Bolsonaro, que tenham um pingo de compromisso com o futuro do País, será possível encontrar resistência. Afinal, até eles, lá atrás, defenderam ideia semelhante. Resta agora serem arregimentados para as fileiras da “pax” presidencial, em favor do bem comum.