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Brasil
14/07/2025 08:09:00
Bolsonarismo vibrou com Trump, culpou Lula e agora racha sobre tarifaço
Crise entre Brasil e EUA após tarifaço de Trump expõe contradições no bolsonarismo. Aliados recuam, pedem negociação e se dividem sobre estratégia. Bolsonaro e filhos pressionam por anistia em troca do fim das taxas. Lula reage e reforça soberania nacional

FP/PCS

O bolsonarismo enalteceu o movimento de Donald Trump a favor de Jair Bolsonaro (PL) no começo da semana passada, partiu para a ofensiva contra Lula (PT) quando o americano anunciou o tarifaço dois dias depois, deu um passo atrás diante da repercussão negativa e agora se divide em relação às estratégias para enfrentar a crise.

Na segunda-feira da semana passada, por exemplo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) endossou Trump, defendeu Bolsonaro e abraçou críticas tanto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como ao STF (Supremo Tribunal Federal). Com o tarifaço, o primeiro movimento de governadores de direita foi de culpar apenas o governo federal pelo que seria um afastamento dos Estados Unidos. Isso sem nenhuma menção crítica ao presidente americano ou às tarifas impostas ao Brasil.

Agora, porém, admitem o impacto negativo do tarifaço, reforçam a necessidade de diálogo, pedem negociações e temperam seu argumento com críticas mais brandas ao Executivo.

Já Bolsonaro e seus filhos Eduardo e Flávio seguem pressionando o Congresso pela aprovação de uma anistia que livre o ex-presidente do julgamento da trama golpista em troca do fim do tarifaço imposto por Trump após investida deles nos Estados Unidos.

1) Trump defende Bolsonaro

A crise começou na segunda-feira (7), com uma postagem de Trump na qual o americano saiu em defesa de Bolsonaro, dizendo que ele é vítima de perseguição e deveria ser julgado somente pela população brasileira nas urnas. Tarcísio repostou a mensagem, cutucando ao mesmo tempo o TSE, que deixou Bolsonaro inelegível, e o STF, onde o ex-capitão será julgado ainda neste ano por tentativa de golpe.

Comentando a postagem, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse à Folha que "Trump não joga palavras ao vento" e que os próximos tempos poderiam trazer "boas novidades".

2) Trump anuncia tarifaço

Trump anunciou o tarifaço na tarde de quarta-feira (9), na forma de uma carta endereçada ao presidente Lula. No documento, o republicano cita "caça às bruxas" contra Bolsonaro, fala em ordens ilegais de censura do STF e anuncia uma sobretaxa de 50% sobre todos os produtos brasileiros a partir de 1º de agosto.

Os Estados Unidos são o segundo maior importador de bens brasileiros, e qualquer tarifa nesse patamar trará consequências importantes para economia nacional.

Lula convocou seus ministros e respondeu na sequência, dizendo que o Brasil não será tutelado e que o Judiciário é independente.

Bolsonaro também se manifestou, relatando admiração pelos Estados Unidos e pedindo pressa aos Poderes em atender às exigências de Donald Trump.

Governadores de direita silenciaram por algumas horas. Quando vieram à público, foi para atribuir ao governo federal a culpa pelo tarifaço.

Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais, disse na noite de quarta que "empresas e trabalhadores brasileiros vão pagar a conta do Lula, da Janja e do STF."

Tarcísio foi na mesma linha. "Tiveram tempo para prestigiar ditaduras, defender a censura e agredir o maior investidor direto no Brasil", disse. "Outros países buscaram a negociação".

Ronaldo Caiado (União), governador de Goiás, fez críticas no mesmo sentido. Os governadores do Paraná, Ratinho Jr (PSD) e do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), que também são próximos de Bolsonaro, permaneceram em silêncio.

3) Recuo do bolsonarismo

O cavalo de pau começou já no dia seguinte, quando ficou claro que os estados seriam bastante afetados pela sobretaxa e que qualquer movimento confundido com endosso às tarifas traria impopularidade. Em São Paulo, Tarcísio foi alvo de editoriais duros da Folha e de O Estado de São Paulo.

Em vídeo gravado na quinta-feira (10), Zema voltou a criticar o julgamento da trama golpista, mas chamou de errada e injusta a taxação imposta por Trump. Caiado falou novamente na formação de uma comissão parlamentar de negociação, mas evitou ataques contundentes ao governo. "Essa queda de braço só traz prejuízo ao povo brasileiro", afirmou.

Em entrevista à imprensa, Tarcísio definiu os EUA como "aliados de primeira hora", mas admitiu os efeitos negativos das tarifas e disse ser preciso negociar. "A gente precisa deixar de lado as questões ideológicas, as questões políticas, o revanchismo, e trabalhar", afirmou.

O governador enforcou o restante da agenda daquele dia e voou a Brasília, iniciando uma rodada de conversas que incluiu o ex-presidente Jair Bolsonaro, o chefe da embaixada americana no Brasil e ministros do STF.

No encontro com Bolsonaro, avisou que adotaria o discurso de defesa da economia paulista e não o da anistia a bolsonaristas. Segundo relatos, o ex-presidente ficou calado e não fez objeções.

A magistrados do Supremo, Tarcísio pediu a liberação do passaporte de Bolsonaro para que o ex-presidente pudesse viajar aos EUA e negociar com Trump, como revelou a coluna Mônica Bergamo, da Folha. A proposta foi considerada "esdrúxula".

Em evento no interior de São Paulo neste sábado (12), Tarcísio moderou o tom ainda mais. Sem voltar a vincular as tarifas ao governo Lula, afirmou que vê a sobretaxa como "algo complicado" para o país, elogiou o Itamaraty e negou que tenha pedido liberação do passaporte de Bolsonaro a ministros do STF.

4) Racha e pressão pela anistia

Já sob fogo da esquerda por ter vestido o boné com o slogan "Make America Great Again" e por ter endossado as críticas de Trump, o governador paulista virou alvo também do bolsonarismo.

Logo depois da visita de Tarcísio à embaixada americana, Eduardo Bolsonaro postou mensagem no X rejeitando qualquer acordo que não passasse pela anistia. "Ou há uma anistia ampla, geral e irrestrita para começar ou bem vindos à 'Brazuela'", escreveu o deputado.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) também criticou o governador e defendeu a anistia como forma de reverter as taxas. "Talvez eu esteja um pouquinho mais atualizado do que o Tarcísio e tendo a ter uma leitura um pouco melhor do que está passando na cabeça do presidente dos Estados Unidos", afirmou.

Numa suave modulação do discurso, o ex-presidente Jair Bolsonaro postou mensagem neste domingo (13), em que diz não que "não se alegra" com o possível impacto das tarifas. Ainda assim, ele insiste no pedido de anistia: "Em havendo harmonia e independência entre os Poderes nasce o perdão entre irmãos e, com a anistia também a paz para a economia."

5) Reação de Lula, PT e esquerda

Nesse meio tempo, a esquerda reuniu 15 mil pessoas na Avenida Paulista, em protesto que seria sobre taxação de grandes fortunas, mas acabou incorporando a pauta da soberania nacional. O público foi maior que o da última manifestação bolsonarista (12 mil).

Parte do PT enxerga na carta de Trump uma oportunidade para que Lula se apresente como defensor dos interesses nacionais. Também surge, nessa visão, a chance de jogar para a oposição o desgaste gerado pelas tarifas.

"Aquela coisa covarde, que preparou um golpe, não teve coragem de fazer, está sendo processado, vai ser julgado e mandou o filho para os Estados Unidos pedir para o Trump fazer ameaça", criticou Lula em evento na sexta-feira (11), se referindo a Bolsonaro.

Na Justiça, não há indicativo de que o Supremo vá ceder às exigências de Trump, e o julgamento da trama golpista deve prosseguir normalmente. A situação de Eduardo Bolsonaro, que é investigado por tentativa de obstrução de Justiça, no entanto, pode se agravar.