FP/PCS
O presidente Jair Bolsonaro chegará ao último ano de seu mandato como o que entregou a energia mais cara aos brasileiros, desde a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva. Sem contar as bandeiras tarifárias da escassez hídrica, a conta de luz sob Bolsonaro já subiu 2% acima da inflação medida pelo IPCA.
Entre janeiro de 2019 até outubro de 2021, a inflação aumentou 18%, enquanto a tarifa de energia subiu praticamente o dobro, 35%.
Os cálculos são do iCS (Instituto Clima e Sociedade) e, segundo o físico Roberto Kishinami, coordenador sênior de Energia, não levam em conta as bandeiras tarifárias e as medidas para contornar a crise hídrica que, em ano eleitoral, serão deixados como herança para o próximo governo.
Levando-se em consideração somente a estrutura do preço da energia (tarifa e impostos), em valores médios, a luz subiu 1,32% acima do IPCA durante os oito anos do governo Lula; 1,1% ao longo dos 5,7 anos na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff; 2,4% sob Michel Temer (2,3 anos) e 2% em 2,3 anos de Bolsonaro.
No entanto, nos cálculos, foram incluídas todas as bandeiras tarifárias e custos extras carregados de gestões anteriores, o que não ocorreu com Bolsonaro que, segundo estimativas do iCS, deixará um passivo superior a R$ 140 bilhões a ser repassado para os consumidores em 2023 -o que deve colocá-lo na dianteira.
Em debate promovido pelo iCS nesta segunda-feira, especialistas disseram que as "pedaladas" de Bolsonaro no setor elétrico deixarão uma bomba inflacionária para o próximo governo, quando a conta de luz vai incorporar empréstimos a concessionárias, subsídios e contratos para a compra de energia mais cara, produzida por combustíveis fósseis e poluentes, o que ainda contribui para agravar as mudanças do clima.
"Estamos falando de uma conta que só cresce, e pelo último cálculo que fizemos essa conta estava em R$ 140 bilhões a serem pagos adiante", disse Amanda Ohara, coordenadora de Energia do iCS. "Depois disso, ainda foi aprovado um empréstimo maior do que era previsto às distribuidoras."
Para os especialistas, o peso dessa política será maior para as famílias mais pobres.
"Para os mais ricos, a conta, mesmo subindo mais do que a inflação, não compromete a renda familiar", disse Roberto Kishinami. "Esse cenário é ainda mais dramático porque o aumento recorde do peso da conta de luz acontece no momento em que o país parou de crescer e o desemprego aumentou."
Segundo a economista Paula Bezerra, doutora em planejamento energético pela Coppe-UFRJ, os 10% dos brasileiros mais ricos consomem 2,5 vezes mais energia que os 10% mais pobres. Para os mais abastados, a conta representa 2% do orçamento familiar.
Entre os menos favorecidos, chega a 12%, cenário que deve ainda piorar diante da aprovação da lei que abriu o mercado para a geração distribuída, mecanismo que permite a instalação de placas solares ou unidades geradoras em cada domicílio com a previsão de abatimento na conta caso o gasto seja inferior à produção de cada domicílio.
"Com menos usuários contribuindo com o sistema integrado, haverá menos pessoas para ratear os custos, justamente os mais pobres", disse Luiz Barata, ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e hoje consultor.
Esse cenário deverá dificultar ainda mais a retomada da economia, "pois a conta drena orçamento das famílias de uma maneira que não deixa folga para voltar o consumo e impulsionar a economia."
Por isso, na avaliação dos técnicos, o próximo governo terá de rever a política de estimular a energia cara produzida por combustíveis fósseis -como a contratação de termelétricas-, estimular a eficiência energética para aumentar a competitividade da economia e adotar uma tarifação mais progressiva na energia para não sufocar ainda mais as famílias mais pobres.
Os efeitos dessa situação já são perceptíveis na inadimplência do setor, outro recorde do governo Bolsonaro. Dados da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) indicam que 39,43% dos brasileiros atrasaram a conta por pelo menos um mês, o maior índice da série histórica desde 2012, segundo Clauber Leite, consultor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
"Quando você tem 40% dos consumidores com dificuldade para pagar a conta, há um problema na economia, no modelo de negócio", disse Kishinami.