Brasil
15/10/2012 06:57:15
Dia do professor: docente viajava 160 km por dia para lecionar
O sol já desponta no horizonte da cidade de Gararu (SE) quando a professora Marta Passos Santos, 40 anos completados no domingo, acorda às 5h20.
Terra/PCS
\n \n O\n sol já desponta no horizonte da cidade de Gararu (SE) quando a professora Marta\n Passos Santos, 40 anos completados no domingo, acorda às 5h20. Antes de sair\n para o trabalho, ela prepara o café da manhã e ainda deixa o almoço pronto para\n o marido, que trabalha na roça. Por volta das 7h40, ela segue de moto por cerca\n de 15 km\n rumo ao primeiro destino de sua jornada: a Escola Municipal Maria da Conceição\n Souza Pinto, no povoado de Várzea Nova. Lá, 30 alunos que cursam desde a\n pré-escola até o 1º ano do ensino fundamental a aguardam para iniciar a aula,\n às 8h.\n \n A\n rotina de Marta já foi mais corrida. Até um mês atrás, ela lecionava, no turno\n da manhã, na Escola Rural Pindaíba, no município de Capela (SE). O percurso era\n de 80 km,\n o que a obrigava a sair às 6h20 de casa. Por meio de um acordo de permuta\n estabelecido com outra professora e com as secretarias municipais de educação,\n Marta abandonou as longas viagens e passou a dar aulas na mesma cidade onde\n mora. A mudança também foi vantajosa para a outra professora, moradora de\n Aquidabã (SE), que deixou de viajar os 43 km que separavam sua casa do trabalho.\n \n Com\n novos partidos eleitos para as duas cidades no último pleito municipal, Marta\n tem medo de que o acerto vá por água abaixo. A relutância tem a ver com o desgaste\n físico de viajar 160 km\n todos os dias, além dos riscos que a estrada oferece. "Já sofri muito em\n função de acidente. Nenhum grave, mas, outro dia, quase bati num cavalo",\n relembra. Nessa época, a professora ainda ia para a capital Aracaju nos finais\n de semana - onde vivem sua mãe, seu irmão e seu filho, de 12 anos.\n \n Na\n escola em Gararu, do começo da aula até as 12h, quando o sinal toca novamente,\n Marta dedica-se a promover atividades lúdicas e pedagógicas com a turma, que é\n multisseriada. Com brincadeiras, a professora busca alfabetizar os alunos e\n aperfeiçoar as habilidades adquiridas. "Às vezes eu faço um círculo e peço\n para eles dizerem nomes de comida em ordem alfabética. Isso testa a memória do\n aluno e o conhecimento, além do vocabulário. A criança aprende sem\n perceber", explica. Além disso, músicas e conteúdo passado no quadro-negro\n também fazem parte do modelo de aula adotado por Marta.\n \n Por\n volta das 12h30, após corrigir alguns temas e atender a mães e pais de alunos\n que eventualmente a procuram, Marta segue a jornada em direção à segunda escola\n em que leciona, também em\n Gararu. Na Escola Municipal Monsenhor Antônio de Freitas, que\n fica no povoado Ouricurizeiro (a 12\n km da primeira instituição), a aula inicia às 13h. Não\n há tempo para almoçar. "Tem merenda às 10h na primeira escola, e às 15h na\n outra", diz a professora, enumerando suas refeições do dia.\n \n A\n tarde com os 17 alunos da pré-escola até o 2º ano do ensino fundamental segue\n um roteiro semelhante, embora a rotina seja mais tranquila, uma vez que a turma\n é acompanhada por Marta há três anos. "Eles já escrevem, então consigo ser\n um pouco mais livre nas atividades", justifica. Às 17h20, os alunos se\n despedem da escola, e Marta vai para casa - uma viagem de 13 km que dura\n aproximadamente 20 minutos - preparar o café que substitui o jantar. Mas sua\n função de professora ainda não foi completamente cumprida. Ainda restam 30\n cadernos da turma da manhã nos quais ela prescreve uma atividade como tema de\n casa.\n \n Além\n das tarefas, Marta reserva um período para planejar a aula do dia seguinte.\n "Quando tenho mais tempo no fim de semana, eu já planejo tudo. Mas, às\n vezes, não consigo", conta. Entre as correções e a programação das\n atividades, a professora leva mais de duas horas buscando materiais na internet\n e principalmente em livros para utilizar em sala. A hora de dormir chega por volta das 20h30.\n "Não tenho televisão", brinca a professora. A rotina recomeça cedo no\n dia seguinte.\n \n Piso salarial
\n Marta cursou Pedagogia entre 2002 e 2005 na Universidade Tiradentes, em Aracaju\n (SE). Em 2006, ela prestou concurso e foi chamada no fim do ano seguinte. Ela\n leciona desde 2008, mas não por um sonho de infância ou por uma vocação\n percebida na adolescência. "Não foi uma escolha, na verdade. Eu estava\n namorando uma pessoa, e a mãe dele ficava dizendo que eu tinha que\n estudar", lembra. Hoje, ela agradece o puxão de orelha. "Eu me\n apaixonei pela educação, e isso me transformou", revela. Marta agora é\n pós-graduada em Didática e Metodologia do Ensino Superior pela Universidade São\n Luís de França, também na capital sergipana.\n \n Antes\n da instituição do pagamento do piso salarial para os professores do Sergipe,\n Marta ganhava cerca de R$ 1,3 mil por mês. Desse valor, em torno de R$ 300 eram\n dedicados a gastos com combustível (quando ela lecionava em Capela), sem contar\n a manutenção do veículo. Hoje, com a vigência do piso, o salário pelas duas\n escolas chega a R$ 2,6 mil - R$ 120 investidos para abastecer a moto.\n \n O\n feito que incrementou a renda de Marta, contudo, não pode ser comemorado em\n todos os lugares do País. Pela lei, nenhum professor de escola pública pode\n ganhar menos do que R$ 1.451 mensais para uma jornada de trabalho de 40 horas.\n Mas, na prática, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)\n lista pelo menos 15 Estados onde a Lei nº. 11.738/08 não é cumprida. Entre\n eles, Rio Grande do Sul e Minas Gerais são os mais preocupantes, segundo o\n secretário de Assuntos Educacionais da CNTE, Heleno Araújo.\n \n A\n valorização da profissão também deixa a desejar. Para Araújo, os problemas são\n históricos e carecem de uma política consolidada para a formação dos\n professores e para o plano de carreira. "As universidades ainda não\n conseguiram conectar o currículo de formação com a realidade das escolas\n públicas", analisa. A educação continuada também carece de investimentos\n para manter a qualidade do profissional.\n \n O\n grande problema, além da questão da remuneração, é o déficit de professores. A\n Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)\n estima que seriam necessários 6,8 milhões de novos professores no mundo para\n que as metas do milênio para a educação fossem atingidas até 2015. \n \n No\n Brasil, o quadro efetivo está muito aquém do que a demanda exige, aponta\n Araújo. "O prejuízo do estudante é diário. Independentemente de greve, em\n toda a rede pública falta um professor de alguma disciplina", entende o\n secretário. O excesso de contratos temporários também interfere no ensino,\n principalmente quando vários professores ministram a mesma disciplina num único\n ano letivo. "Quebra a sequência e impede a criação de um vínculo entre\n professor e estudante", explica.\n \n O\n déficit é acentuado pela falta de interesse dos jovens em seguir a carreira de\n professor. "O salário é baixo, as condições são inadequadas, não há\n perspectiva ou segurança de valorização social e financeira", lamenta\n Araújo. Na opinião dele, os problemas afastam os adolescentes da escolha pela\n licenciatura, e a chave é oferecer as condições necessárias para que haja\n procura pela profissão e, posteriormente, o professor encontre estímulos para\n seguir estudando e melhorando cada vez mais.\n \n \n
\n Marta cursou Pedagogia entre 2002 e 2005 na Universidade Tiradentes, em Aracaju\n (SE). Em 2006, ela prestou concurso e foi chamada no fim do ano seguinte. Ela\n leciona desde 2008, mas não por um sonho de infância ou por uma vocação\n percebida na adolescência. "Não foi uma escolha, na verdade. Eu estava\n namorando uma pessoa, e a mãe dele ficava dizendo que eu tinha que\n estudar", lembra. Hoje, ela agradece o puxão de orelha. "Eu me\n apaixonei pela educação, e isso me transformou", revela. Marta agora é\n pós-graduada em Didática e Metodologia do Ensino Superior pela Universidade São\n Luís de França, também na capital sergipana.\n \n Antes\n da instituição do pagamento do piso salarial para os professores do Sergipe,\n Marta ganhava cerca de R$ 1,3 mil por mês. Desse valor, em torno de R$ 300 eram\n dedicados a gastos com combustível (quando ela lecionava em Capela), sem contar\n a manutenção do veículo. Hoje, com a vigência do piso, o salário pelas duas\n escolas chega a R$ 2,6 mil - R$ 120 investidos para abastecer a moto.\n \n O\n feito que incrementou a renda de Marta, contudo, não pode ser comemorado em\n todos os lugares do País. Pela lei, nenhum professor de escola pública pode\n ganhar menos do que R$ 1.451 mensais para uma jornada de trabalho de 40 horas.\n Mas, na prática, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)\n lista pelo menos 15 Estados onde a Lei nº. 11.738/08 não é cumprida. Entre\n eles, Rio Grande do Sul e Minas Gerais são os mais preocupantes, segundo o\n secretário de Assuntos Educacionais da CNTE, Heleno Araújo.\n \n A\n valorização da profissão também deixa a desejar. Para Araújo, os problemas são\n históricos e carecem de uma política consolidada para a formação dos\n professores e para o plano de carreira. "As universidades ainda não\n conseguiram conectar o currículo de formação com a realidade das escolas\n públicas", analisa. A educação continuada também carece de investimentos\n para manter a qualidade do profissional.\n \n O\n grande problema, além da questão da remuneração, é o déficit de professores. A\n Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)\n estima que seriam necessários 6,8 milhões de novos professores no mundo para\n que as metas do milênio para a educação fossem atingidas até 2015. \n \n No\n Brasil, o quadro efetivo está muito aquém do que a demanda exige, aponta\n Araújo. "O prejuízo do estudante é diário. Independentemente de greve, em\n toda a rede pública falta um professor de alguma disciplina", entende o\n secretário. O excesso de contratos temporários também interfere no ensino,\n principalmente quando vários professores ministram a mesma disciplina num único\n ano letivo. "Quebra a sequência e impede a criação de um vínculo entre\n professor e estudante", explica.\n \n O\n déficit é acentuado pela falta de interesse dos jovens em seguir a carreira de\n professor. "O salário é baixo, as condições são inadequadas, não há\n perspectiva ou segurança de valorização social e financeira", lamenta\n Araújo. Na opinião dele, os problemas afastam os adolescentes da escolha pela\n licenciatura, e a chave é oferecer as condições necessárias para que haja\n procura pela profissão e, posteriormente, o professor encontre estímulos para\n seguir estudando e melhorando cada vez mais.\n \n \n