ÉPOCA/PCS
O ex-vice-presidente da Caixa Econômica Fábio Cleto provocou um dos principais cataclismos proporcionados pela Operação Lava Jato em junho do ano passado. Em meio a confissões, revelou um sistema de desvio de recursos do Fundo de Investimentos do Fundo de Garantia, o FI-FGTS, uma fonte de bilhões de reais, comandado por apaniguados do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, do PMDB.
Acusou alguns dos maiores empresários brasileiros de pagar propina em troca da liberação de recursos do fundo. Um dos mencionados foi Joesley Batista, controlador da Jamp;amp;F, das marcas Friboi e JBS. Cleto disse que ele fazia negócios com Cunha por meio do doleiro Lúcio Funaro, operador do parlamentar em ilicitudes.
Meses depois, está claro que Cleto não abalou a relação de Batista com Funaro. Conforme e-mail interno obtido por ÉPOCA, em 20 de junho de 2016, três dias após a delação se tornar pública, a Jamp;amp;F, ao que tudo indica, contrariou suas regras de compliance e depositou R$ 600 mil na conta de Funaro.
As provas da operação constam de um processo sigiloso obtido com exclusividade por ÉPOCA. Como tudo relacionado a Funaro, envolve muito dinheiro e pouca transparência. Dois meses antes de ser preso, ele abriu uma ação na qual cobra uma dívida de R$ 20 milhões do grupo comandado por Batista. Os dois lados concordam que Lúcio Funaro prestou serviços “de mediação” na fusão da JBS com o grupo Bertin, que criou o maior frigorífico do mundo, com faturamento anual de aproximadamente R$ 100 bilhões. A fusão anunciada em 2009 teve amplo apoio do governo Lula, por meio do BNDES e da Caixa Econômica. Pela tal intermediação, Jamp;amp;F e Funaro acertaram uma comissão de incríveis R$ 100 milhões. O que Funaro, um conhecido doleiro, poderia fazer para ajudar no negócio? Ninguém explica.
No processo contra a Jamp;amp;F, Funaro diz que recebeu R$ 83 milhões para destravar a fusão com o Bertin e quer receber o resto. Destravar como? Ele não explica, claro. Na assinatura do contrato, Joesley Batista já sabia com quem lidava. Vindo do submundo do mercado financeiro, Funaro era um doleiro flagrado no mensalão, dono de empresas de fachada, que já fizera uma delação premiada e tinha como passaporte para o poder a parceria com Eduardo Cunha. Tal currículo levanta dúvidas sobre seu valor como mediador de negócios, ainda mais por R$ 100 milhões.
O Ministério Público Federal suspeita que, na verdade, os valores nada tinham a ver com isso: eram relativos a propina paga pela Jamp;amp;F para receber investimentos do FI-FGTS. Há vários indicativos disso. Por coincidência, naquele ano ocorreu boa parte dos negócios de Joesley Batista com o FI-FGTS, delatados por Fábio Cleto. O processo aberto por Funaro fornece outras pistas, graças a uma série de contradições da Jamp;amp;F. A empresa afirma que não pagou o restante do valor combinado com Funaro porque houve empecilhos na fusão. Mas o contrato não prevê um escalonamento de pagamento por metas. Tem, ainda, brechas incomuns: não prevê cronograma de pagamentos, data de vencimentos nem índice de correção. Na prática, permitia à Jamp;amp;F dar dinheiro a Funaro sempre que quisesse.
O pagamento de R$ 600 mil a Lúcio Funaro foi realizado sem justificativa por serviços prestados. A Jamp;amp;F afirma que o fez por “mera liberalidade”. Na defesa enviada à Justiça, em São Paulo, a empresa cai em contradição. Primeiro, em e-mail enviado no dia 31 de maio de 2016, o diretor executivo de Relações Institucionais da JBS, Francisco de Assis e Silva, informa a Funaro que não poderia haver novos pagamentos por veto do “compliance”.
Mas o depósito aconteceu 20 dias depois. Mais do que evitar problemas, a área de compliance é uma exigência para garantir a lisura dos negócios. Ao fazer o pagamento a Funaro, a Jamp;amp;F fez uma operação, no mínimo, arriscada. Naquele momento, ele já era investigado pela Lava Jato. Na semana passada, Alexandre Margotto, sócio de Funaro, disse em acordo de delação premiada que Joesley Batista fez mais: deu a Funaro uma casa de R$ 30 milhões em São Paulo. Batista afirma que vendeu o imóvel.
Procurada por ÉPOCA, a defesa de Funaro não se manifestou. Em nota, a Jamp;amp;F diz que “reitera que as relações comerciais com Lúcio Funaro são lícitas, legais e devidamente documentadas”. “A empresa esclarece que seguiu todas as determinações do Departamento Jurídico e de Compliance. Seguindo a orientação de sua área jurídica, somente prestará mais informações ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Juízo competente.”
Advogados da Jamp;amp;F que atuam no processo disseram à reportagem que os R$ 600 mil foram pagos porque era uma etapa do negócio já cumprida e combinada desde maio. Disseram ainda que, embora o e-mail citasse o compliance, a área só foi efetivamente consultada após a prisão de Funaro, portanto após o pagamento dos R$ 600 mil. O e-mail de maio que citava o compliance seria apenas uma argumentação da negociação. Cabe à empresa convencer o MPF disso.