Agência Brasil/LD
O esquema investigado pela Operação Pão Nosso apontam para a lavagem de dinheiro na Secretaria de Administração Penitenciária de valores em torno de R$ 44,7 milhões, entre 2010 e 2015. A operação foi deflagrada na manhã de hoje (13) pela Receita Federal do Brasil (RFB), Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF), com a colaboração do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ).
O trabalho de investigação foi detalhado em coletiva de imprensa e indica a existência de superfaturamento e lavagem de dinheiro em contratos de fornecimento de lanches e cafés da manhã para os presídios. Foram expedidos mandados de busca e apreensão para 28 locais e de prisão temporária ou preventiva contra 16 pessoas. Até o início da tarde, pelo menos sete pessoas foram presas.
Como houve expedição de mandados pela justiça federal e pela justiça estadual, há pessoas e locais com mais de uma ordem judicial. Entre os presos estão o ex-secretário estadual de Administração Penitenciária do Rio coronel César Rubens Monteiro, e o delegado Marcelo Martins, diretor do Departamento de Polícia Especializada da Polícia Civil fluminense.
Bitcoin
O superintendente da Receita Federal no Rio de Janeiro, Luiz Henrique Casemiro, destacou que, pela primeira vez, foi identificado o uso de operações envolvendo a criptomoeda bitcoin na tentativa de fazer remessas de valores ao exterior.
“Nos chamou a atenção, na Receita Federal, com relação a essa operação específica, porque pela primeira vez aparecem operações envolvendo bitcoin. Isso é uma novidade, mostra que as pessoas estão tentando sofisticar de alguma forma, talvez voar abaixo do radar da Receita Federal e do Banco Central. Eram remessas feitas para o exterior com compra de bitcoin lá fora. A ideia, eu tenho a impressão, que é tentar receber dinheiro no exterior usando esse instrumento, que não é regulado na maior parte dos países. Então é algo que nos chama a atenção, é bastante interessante”.
Segundo ele, foram feitas quatro operações, com valor total de R$ 300 mil reais no ano passado.
Pãezinhos
Segundo o MPRJ, o esquema começou em 2001, com a empresa Induspan, do empresário Felipe Paiva, contratada para executar o projeto Pão-Escola. Após análise do Tribunal de Contas do Estado (TCE), em 2010 o contrato foi rescindido porque havia desequilíbrio financeiro, já que o estado fornecia os insumos, a mão de obra usada era dos presos com custo baixíssimo para a empresa e o fornecimento dos lanches para a Seap era feito com preços acima do valor de mercado.
Após a rescisão do contrato, Paiva criou a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), sem fins lucrativos, Iniciativa Primus, por meio de laranjas. A Primus assumiu o fornecimento de lanches em presídios do Rio de Janeiro até 2015, com o mesmo esquema da Induspan. Além disso, segundo o promotor de justiça do Grupo de Atuação de Combate à Corrupção do MPRJ Silvio Ferreira de Carvalho Neto, os valores cobrados pelo pão subiam a cada renovação de contrato.
“Em 2001, ainda a com a empresa declaradamente lucrativa de Felipe Paiva, a Induspan, o preço era de 6 centavos. Em 2008 eram 36 centavos. Quando a Iniciativa Primus, que é a entidade sem fins lucrativos venceu, em 2010, saltou para 47 centavos. Há de se computar que a empresa antes inseria nos seus custos a margem de lucro e essa segunda não poderia ter essa margem de lucro. A prorrogação em 2012 elevou a 54 centavos e por fim a última prorrogação, em 2014, foi para 63 centavos”, disse o promotor.
Ele aponta também que a demanda aumentou no último termo aditivo, indo de 55,6 mil lanches e cafés da manhã por dia para 83,6 mil, “sem uma correlação com o aumento da população carcerária”.
Lavagem de dinheiro
Carvalho Neto explicou que o contrato rendeu à Iniciativa Primus um total de R$ 73 milhões de reais, entre agosto de 2010 e agosto de 2015. Foi comprovado que, deste valor, ao menos R$ 44,7 milhões foram repassados a empresas de fachada da área de turismo e de câmbio.
“Elas foram montadas ou, sobretudo, reativadas para receber o dinheiro. Nesse período, nenhuma delas tinha empregados, movimentação bancária ou serviço prestado. De fato, receber valores para logo depois sacar na boca do caixa e transferir para casas de câmbio, é um sinal muito evidente de que o recurso foi pago sem nenhuma contraprestação”.
Segundo o promotor Eduardo el Hage, do MPF, todo o esquema é mais um braço da organização criminosa comandada pelo ex-governador Sérgio Cabral, que será denunciado novamente por mais esses crimes. Ele explica que o coronel César Rubens, além de autorizar os contratos e a licitação direcionada que teve como vencedora a Iniciatuva Primus, também aparece como sócio em uma das empresas de turismo que recebeu dinheiro da Oscip.
“[A Iniciativa Primus] Era uma Oscip que tinha como objetivo fornecer pãezinhos para a Seap. Recebia os recursos e encaminhava para várias casas de câmbio, que tinham como objetivo desviar e esquentar esse dinheiro da propina. Parte dessa propina recolhida ia para o coronel César Rubens e parte para o Sérgio Cabral. O delegado Marcelo lavou dinheiro por meio da Finder, uma consultoria da qual ele era sócio, em razão disso ele vai responder também por lavagem de dinheiro e outros crimes que ainda estamos investigando”.
Seap
Por meio de nota, o titular da Seap, David Anthony Gonçalves Alves, informou que as investigações apontam para um sistema criminoso que estava em operação dentro da Seap em administrações anteriores, “estabelecido antes da nossa chegada”.
Segundo ele, foi encontrado um quadro de administração pública sem contratos, “um caos e sem amparo legal para continuar”. “Estamos dando um choque de gestão e correicional. Daqui pra frente, todos os processos da Seap serão feitos com toda a transparência e lisura que exigem os atos dos administradores públicos”.
O secretário informou que está “realizando uma devassa em todos os contratos, com o apoio dos órgãos de controle externo [TCE e MP]”, para organizar e moralizar a pasta.