Veja/PCS
Os jornais estrangeiros que contam adoravam os dois últimos presidentes do Brasil e têm simpatia zero pelo atual.
De alguma maneira, isso melhora suas reportagens sobre a crise atual, isentas do adesismo sicofanta dos jornalistas de países avançados diante de pessoas da cor certa (de marrom para cima), do gênero adequado (qualquer coisa menos homem) e da ideologia política conivente (progressismo em geral).
Até os repórteres mais distraídos perceberam que estão diante da “mãe de todas as crises” e não se sentem moralmente constrangidos a poupar os envolvidos. Mas ainda estão longe de captar a dimensão completa.
Xosé Ermida, do El País – em espanhol, não a versão do universo paralelo em português -, fez um bom apanhado dos fundamentos do escândalo e está acompanhado o desenrolar dos acontecimentos de forma dinâmica.
Ao identificar a origem das delações-bomba, explicou que “agora são os donos do império cárnico JBS”. A palavra não existe em português, mas o império da carne misturado ao carma da corrupção bem que criam uma imagem perfeita das nossas desgraças.
O New York Times pelo menos mandou de volta um profissional experiente, Simon Romero. Entre treze títulos de reportagens condenando Trump, apareceu uma sobre a situação tétrica do atual presidente, razoavelmente objetiva.
ROTINA DA TiA
E infinitamente melhor do que a cobertura recente, comandada pelo novo chefe da sucursal do Times. Ele fez uma entrevista com a ex-presidente na qual a primeira pergunta foi: “Como é a sua rotina depois do impeachment?”.
Título da obra: “Uma presidente impichada, abalada mas desafiadora”. O jornalista também queria saber das leituras da ex-presidente . Mas não se interessou quando a comandante das campanhas pagas com dinheiro todo-mundo-sabe-de-quem relatou as habilidades da Tia na lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio, ou as travessuras de Iolanda como gênio dos computadores, capaz de usar um sistema furadíssimo de e-mails secretos usado por terroristas e amantes clandestinos.
O Washington Post está ocupado em derrubar Donald Trump e também fez uma reportagem básica sobre os novos acontecimentos. Por enquanto, sem referências ao fato de que o presidente enrascado “é um homem branco com um governo de homens brancos”. O fato de que seja árabe, de origem libanesa, provavelmente só seria levado em consideração se fosse um pobre refugiado perseguido pelas maldades de Trump.
Um título do Post foi bom, mas só vale em inglês: o presidente do Brasil pode liderar “a walking dead administration”. Não é preciso saber inglês para entender o que é um governo de zumbis. Quem quiser ver o Post, tem que pagar. Jeff Bezos, o bilionário dono do jornal, ergueu um pay wall de dar inveja ao muro ainda inexistente de Trump.
Com seu 82 bilhões de dólares, ele também é mão fechada. Quando o atual prefeito de São Paulo, e só as divindades da política sabem o que mais brevemente, convidou a Amazon a doar livros e computadores para escolas municipais e não ficar fazendo campanha “moderninha” a favor das pichações tão odiada pela maioria dos paulistas, o Kindle disponibilizou 36 míseras obras.
PATRIOTA DE DIREITA
Na França, a paixão intensa por um presidente militarista, patriótico e direitista nem deixa tempo para pensar em outros países, ainda mais países fracassados . O presidente, evidentemente, é Emmanuel Macron – e os adjetivos são uma brincadeira com o estilo dele, desde a posse, quando desfilou em carro blindado e cantou a Marselha umas 32 vezes, até a formação do novo governo, cheio de políticos da direita tradicional.
O Libération fez uma reportagem morna. Como outros jornais de esquerda, mal esconde a torcida por um cataclisma institucional que leve à eleição, pela terceira vez, do que consideram um líder operário popular perseguido pelas elites.
Já deviam saber que o “império da carne” também tem bois para soltar no pasto do ex-presidente. A cobertura online do Guardian é boa, embora distorcida pelas predileções ideológicas. É o único dos grandes jornais que fala numa eventual candidatura presidencial da ministra do Supremo Tribunal Federal que andou testando a popularidade ultimamente.
Com a preguiça habitual, além da torcida pelo dragão, a BBC fez um “dicionário da crise” segundo o qual a ex-presidente continua a ser uma impoluta impichada por uma tecnicalidade obscura. Nada das estripulias da Tia no campo do financiamento ilegal de campanha, lavagem de dinheiro etc etc.
A Economist fez uma reportagem mais focada nas consequências econômicas – estranhamente, pois nos últimos tempos tem se concentrado em escrever tolices sobre praticamente todos os assuntos, menos aqueles que fizeram merecidamente sua fama.
O melhor foi o título: “Um escândalo carnudo”. A carne fraca, podre, cármica e dominante dá o tom da cobertura estrangeira da mãe de todas as crises.