Época/PCS
Nesta terça-feira, dia 27, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou o julgamento que condenou em primeira instância 74 policiais militares envolvidos no massacre do Carandiru. Entre 2013 e 2014, num dos mais longos e complexos júris da história, os PMs haviam sido condenados a penas que somavam 20.876 anos.
Na audiência desta terça, o desembargador Ivan Sartori, relator do caso, surpreendeu ao votar pela absolvição dos réus.
A defesa dos PMs havia pedido apenas a anulação do julgamento. Sartori baseou sua decisão no fato de que três policiais foram inocentados pelos jurados em primeira instância. "Não houve massacre, houve legítima defesa", afirmou Sartori, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Pelo regimento, três dos cinco membros da Câmara deveriam votar o desfecho dos réus do Carandiru. Os desembargadores Camilo Léllis e Edison Brandão discordaram da decisão do relator sobre a absolvição dos réus. Votaram apenas a favor da anulação dos julgamentos e pela realização de um novo júri.
Na tentativa de reverter a derrota, Sartori tentou se valer de um artigo do Código de Processo Penal para que os outros dois membros da Câmara fossem obrigados a votar. Os desembargadores Luiz Soares de Melo e Euvaldo Chaib, entretanto, rejeitaram o recurso e pediram o adiamento da sessão. A Promotoria vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça, assim que o julgamento terminar. Os promotores querem evitar que o júri seja refeito.
Como a votação desta terça-feira não obteve unanimidade, os advogados de defesa dos policiais também vão recorrer - no caso, ao Tribunal de Justiça. Eles querem que os outros dois desembargadores que não votaram sejam obrigados a analisar também a absolvição sumária dos PMs, votada pelo relator, e não mais apenas a anulação do julgamento. A defesa tem o prazo de cinco dias depois da publicação do acórdão para entrar com o recurso. Se Luiz Soares de Melo e Euvaldo Chaib seguirem o voto de Sartori, os PMs serão absolvidos. Caso contrário, um novo julgamento será realizado.
A advogada Ieda Ribeiro de Souza, que já chegou a defender todos os réus e atualmente segue com três deles, diz que a condenação em primeira instância não analisou as provas apresentadas. “A decisão foi contrária às provas. Os jurados não apreciaram as provas como se deveria apreciar”, afirmou a ÉPOCA.
O primeiro julgamento
Concluído em 2014, o julgamento do massacre do Carandiru é um dos mais complexos da história do país – com 74 policiais condenados a penas que variavam de 48 a 624 anos de prisão. Foram mais de 170 horas de trabalho, diante de quatro grupos de jurados ao longo de um ano. Por envolver um grande número de réus e vítimas, o julgamento foi desmembrado em quatro etapas, de acordo com o que aconteceu em cada um dos quatro pavimentos do Pavilhão 9 da Casa de Detenção.
A ação foi um desafio para jurados, uma vez que as provas se perderam e muitas das perícias nunca foram realizadas. O júri precisou escolher entre as teses da acusação e da defesa. A primeira alegava que todos os réus respondessem pelas mortes, mesmo sem saber quem matou quem. A segunda dizia que a condenação não era possível sem a individualização das condutas. Em todas as etapas os jurados optaram pela condenação dos agentes.
O massacre
No dia 2 de outubro de 1992, homens da Tropa de Choque e da Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar (Rota), da Polícia Militar, invadiram a Casa de Detenção, no bairro do Carandiru, em São Paulo, durante uma rebelião. A operação desastrosa terminou com 111 mortos. Ficou conhecida como massacre do Carandiru e se tornou um dos mais conhecidos casos de violência em presídios do mundo.
A rebelião de presos no Pavilhão 9 do Carandiru teve início com uma briga entre dois detentos por volta das 13h30. A confusão entre grupos rivais fugiu ao controle – e a invasão da PM foi autorizada pelo comando da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Num plano de invasão improvisado, coube à Rota entrar no 2º e 3º andares do pavilhão. A invasão foi descrita como “um estouro de boiada” pelas testemunhas.
Em 2013, o perito Osvaldo Negrini Neto, um dos primeiros a chegar à cena do massacre, afirmou em depoimento como testemunha de acusação do julgamento que mais de 600 balas foram disparadas pelos policiais. A Rota matou metade dos 111 presos assassinados no massacre. “Eles nem sequer renderam ou desarmaram alguém. Chegaram atirando”, diz o perito Osvaldo Negrini Neto, um dos primeiros a chegar à cena do massacre.
Posicionados na soleira das celas, os atiradores da Rota metralharam de cima para baixo e da esquerda para a direita. No Tribunal, os policiais afirmaram que o local estava escuro e tomado por uma cortina de fumaça. Segundo o relato deles, apenas devolveram os disparos em direção aos clarões que vinham do sentido contrário. “Não houve nenhum disparo por parte dos presos”, diz o promotor Fernando Pereira da Silva, que atuou no julgamento. “Pelo menos 90% dos cadáveres tinham tiros na cabeça. Os policiais sabiam onde estavam atirando.”
A Casa de Detenção foi demolida em 2005. No local, foi construído o Parque da Juventude.