Brasil
24/08/2014 11:00:20
Poluição na Baía de Guanabara é de 18,4 mil litros por segundo
Houve um tempo em que a Praia de Tubiacanga, na Ilha do Governador, tinha areia limpa e era um bom local para um mergulho.
O Globo/AB
Houve um tempo em que a Praia de Tubiacanga, na Ilha do Governador, \n tinha areia limpa e era um bom local para um mergulho. Morador da área, \n Sebastião Batista dos Anjos, de 66 anos, se lembra dessa época. Hoje o \n cenário é bem diferente: a areia é um lamaçal, coberto de lixo de todo \n tipo. Já o mar está longe de ser próprio para qualquer um se refrescar: \n as águas, fétidas, estão repletas de esgoto. Sebastião, que era \n pescador, se aposentou. Hoje, a pesca é apenas um hobby para ele. E \n depende da maré do contrário, não há como o barco vencer a barreira de\n detritos.\n Por causa da lama, do esgoto e do lixo, só posso ir para o mar \n quando a maré enche. Antigamente, Tubiacanga tinha areia branca, e eu \n tomava banho na praia lembra.\n AGÊNCIA JAPONESA: PROGRAMA INSASTIFATÓRIO\n O aposentado é um dos 8,46 milhões de fluminenses que moram em áreas \n de 15 municípios no entorno da bacia do que, há cinco séculos, se \n convencionou chamar Baía de Guanabara. Decorridos 20 anos da assinatura \n dos contratos de financiamento do maior programa de saneamento da baía, \n apenas um quarto do esgoto gerado por moradores da região passa por \n tratamento em estações. A cada segundo, chegam ao mar aproximadamente \n 18.400 litros de esgoto doméstico sem qualquer tratamento três vezes \n mais em relação à capacidade das oito estações construídas e reformadas \n desde 1998. Os cálculos foram feitos, a pedido do GLOBO, pelo engenheiro\n sanitarista Adacto Ottoni, consultor de Meio Ambiente do Conselho \n Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), a partir de dados do Plano \n Estadual de Recursos Hídricos, da Cedae e de informações do engenheiro \n Francisco Filardi, ex-assessor executivo do Programa de Despoluição da \n Baía de Guanabara (PDBG). O GLOBO inicia hoje uma série analisando duas décadas de PDBG, que \n consumiu R$ 2,79 bilhões de dinheiro público em valores atualizados, \n segundo a Secretaria estadual de Fazenda e incluindo os R$ 468,6 milhões\n ainda devidos aos financiadores , sem que nenhuma meta fosse cumprida,\n nem de percentual de esgoto, nem de abastecimento de água ou de gestão \n de lixo. A principal delas era tratar 58% do esgoto lançado na baía em \n 1999. Hoje, as estações que deveriam aliviar o mar da carga orgânica \n operam, em média, com metade da capacidade projetada. O programa, que \n atravessou sete governos, a partir da gestão de Nilo Batista, ainda tira\n o sono de auditores da Japan International Cooperation Agency (Jica), \n que financiou o projeto, junto com o Banco Interamericano de \n Desenvolvimento (BID).\n Em relatório de junho de 2013, a Jica é contundente: classificou como\n insatisfatório o programa, a pior entre as quatro graduações \n possíveis. Disse que o volume de redução de poluentes não ultrapassou \n 70% do nível planejado. E que, apesar de estações de tratamento \n secundário terem sido construídas, a quantidade de esgoto tratado \n permaneceu em cerca de 30% do previsto. Em meio a renovações de \n promessas visando aos Jogos de 2016, especialistas avaliam que o caminho\n para uma baía que vai sediar as competições de vela mais limpa \n ainda é tortuoso.\n Em saneamento, o Rio ainda está com os pés no século XIX avalia a\n engenheira química Dora Negreiros, presidente do Instituto Baía de \n Guanabara.\n Arquiteto, urbanista e um dos idealizadores do PDBG, Manuel Sanches \n acredita que a má gestão dos recursos impediu que fossem alcançados os \n avanços esperados. Ele observa, no entanto, que a situação seria muito \n pior sem os frágeis resultados do PDBG:\n O programa teve muitos defeitos, e o BID só autorizou a primeira etapa de quatro previstas.\n O Tribunal de Contas do Estado (TCE) fez 42 inspeções no PDBG a \n última em 2013. Encontrou irregularidades abundantes, como \n incompatibilidade entre serviços estimados e executados, cronograma \n físico-financeiro desatualizado e projeto básico inconsistente. Numa \n inspeção em 2006, contabilizou 305 contratos vinculados ao programa. Do \n total, 268 haviam sido concluídos e 17, rescindidos. Vinte ainda estavam\n em andamento.\n \n CEDAE DIZ QUE TRATA 49,6% DO ESGOTO\n A Cedae contestou o cálculo do GLOBO. A empresa não informou o índice\n de esgoto gerado e tratado, em 1994, pela população do entorno da bacia\n da baía. Quanto ao tratamento atual, diz que alcança 49,6%. A companhia\n considera que são despoluídos 9.862 dos 19.853 litros gerados por \n segundo. A empresa usa como base a geração diária de 200 litros de \n esgoto per capita (a projeção usada pelo técnico do Crea é de 250 \n litros) e inclui a parcela que vai para o emissário submarino de Ipanema\n (3.300 litros por segundo). O estudo referendado pelo Crea, porém, \n excluiu todos os moradores da Zona Sul atendidos pelo emissário, que \n funciona desde 1977, só considerando, nas projeções de 1994 e 2014, a \n população cujo esgoto segue para a baía.\n O presidente da Cedae, Wagner Victer, reconhece que o PDBG enfrentou \n erros primários, mas alega que a gestão atual colocou em operação as \n estações de Alegria (2009), Sarapuí (2011) e Pavuna (2014).