G1/PCS
Uma usina termelétrica de Cuiabá está no centro do escândalo que levou o presidente Michel Temer a ser investigado pelo crime de corrupção passiva. Foi por causa desse negócio que o grupo de Joesley Batista entregou uma mala com R$ 500 mil ao ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, que está preso. A UTE Cuiabá foi comprada pelo grupo Jamp;amp;F, dono do frigorífico JBS, em 2015. A usina ficou anos parada por falta de fornecimento de gás e era considerada um "mico". Mas Joesley tinha outra visão: "Esse é o maior 'deal' [negócio] que pode existir", disse a Rocha Loures em uma conversa divulgada na sua delação premiada.
A usina foi construída no fim dos anos 90 pela companhia de energia americana Enron, que ficou famosa anos depois por um dos maiores escândalos de fraude contábil dos EUA. Todo o projeto se baseava na compra de gás da Bolívia, por meio de um gasoduto da própria usina. Mas, em 2006, o governo de Evo Morales rompeu o contrato de fornecimento. A usina parou de funcionar. Com a quebra da Enron, o fundo americano Ashmore assumiu seus negócios, entre eles, a usina parada.
Em 2011, o Ashmore arrendou a termelétrica à Petrobras e ela voltou a operar. O grupo de Joesley comprou a usina em 2015, na época em que o Brasil vivia uma das mais severas crises hídricas e os donos de usinas termelétricas ganharam muito dinheiro.
O grupo de Joesley entendia que era mais vantajoso operar diretamente a usina do que arrendar para a Petrobras. Na sua conversa com Loures, Joesley dá detalhes do potencial do negócio:
"Quando eu comprei, ela tava alugada pra Petrobras, porque o dono antigo cansou de brigar com a Petrobras. (...) E aí a Petrobras meio que obrigou ele... A única saída que ele teve foi alugar. Por quanto? Um milhão e meio por mês! Dezoito milhões por ano! Dezoito milhões por ano! (...) A Petrobras, Rodrigo, pra você ter uma ideia, 2015, que a energia foi a 800, foi muito caro, a Petrobras ganhou 2 bilhões naquela EPE (usina) em um ano. E pagou 18 milhões pro dono."
A Petrobras não confirma os números mencionados por Joesley e diz que seus custos de aluguel e operação na usina eram "bem superiores" a R$ 18 milhões por ano.
O grupo de Joesley seguiu com o plano de assumir a usina e rescindiu o contrato de locação com a Petrobras em setembro de 2015. O risco de tirar a Petrobras do negócio era a falta de garantia de fornecimento de gás. A Âmbar, empresa de energia da Jamp;amp;F, assumiu as operações em março de 2016.
O grupo de Joesley queria um contrato de longo prazo para comprar gás da Petrobras, mas as negociações entre as empresas não avançaram. Depois que os dois contratos de curto prazo acabaram, em janeiro de 2016, a usina ficou praticamente parada o ano todo e só produziu energia por 21 dias. Se tivesse matéria-prima disponível, a usina seria ligada sempre que o valor da energia no mercado, que varia a cada semana, for vantajoso.
Na sua delação, Joesley relatou que deixa de ganhar de R$ 1 milhão a R$ 3 milhões por dia quando a usina está desativada. Foi nesse contexto que a Jamp;amp;F ofereceu propina para destravar o negócio.
Briga no Cade e apelo a Temer
A Jamp;amp;F foi ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra a Petrobras em setembro de 2015. Sob o argumento de que a Petrobras é monopolista no fornecimento de gás, o grupo pedia ao Cade para intervir na questão e viabilizar o fechamento de contrato de fornecimento em condições favoráveis.
Enquanto o caso corria no Cade, Joesley levou a questão ao presidente Michel Temer em encontro no dia 7 de março, segundo sua delação. O empresário disse que seguiu as negociações sobre o caso com Rocha Loures após a indicação de Temer.
A intenção de Joesley era conseguir que os políticos viabilizassem um contrato de longo prazo com a Petrobras para fornecimento de gás. A promessa era pagamento semanal de propina por até 25 anos, com valores que variam conforme o preço da energia. Em conversa com Loures no dia 16 de março, na residência do então deputado, ele explica o potencial do negócio:
"Esse negócio, essa térmica, é o maior 'deal' que pode existir. Que que é o negócio, seguinte: Se nós conseguir isso, primeiro passo: um milhão, dois milhão, três milhão por dia! "
Petrobrás cancelou acordo
Apesar de ressaltar que não cedeu a pressões da Jamp;amp;F e que o contrato firmado não é comercialmente prejudicial, a Petrobras anunciou em 8 de junho o rompimento do contrato.
"A Petrobras tomou conhecimento das gravações de delações premiadas de executivos do grupo Jamp;amp;F, de que cometeram atos que violam a legislação anticorrupção vigente", disse a empresa, que também afirmou que vai pedir indenização de R$ 70 milhões à Jamp;amp;F pelo descumprimento de cláusulas contratuais.
A Petrobras afirmou que preço de importação do gás da Bolívia é de US$ 4,29 por milhão de BT (dimensão para gás), e o preço acordado de venda do gás para a termelétrica de Cuiabá era de US$ 6,07 por milhão de BTU. A estatal ressaltou que a demanda do grupo Jamp;amp;F era que o preço fosse consideravelmente mais baixo (o preço de custo do gás importado da Bolívia mais 2,5%).
"O contrato de fornecimento de gás assinado pela Petrobras com a térmica de Cuiabá em 13/04/2017 tem valor 41% superior ao do produto importado da Bolívia, refletindo a política comercial em vigor, exatamente as mesmas condições de mercado aplicadas a outros contratos de venda de gás assinados recentemente pela Petrobras", disse a estatal, em nota ao G1. Ainda segundo a Petrobras, o valor do gás não é fixo, e sofre atualizações trimestrais que seguem, como indicador uma combinação de preços de óleo e gás, e não varia de acordo com o PLD.
Em comunicado, a Âmbar confirmou "ter recebido notificação da Petrobras a respeito da ruptura do contrato" e disse que está avaliando o conteúdo.
A empresa disse ainda "que não é nem nunca foi alvo de investigações de atos de corrupção". "Todos os fatos relatados na colaboração com a Justiça por executivos da Jamp;amp;F se dão no âmbito da holding, e não da Âmbar. A Âmbar ressalta ainda que, no acordo de leniência assinado pela Jamp;amp;F com o Ministério Público Federal, todas as controladas da holding estão autorizadas a celebrar contratos com instituições e empresas públicas."
Negócio depende da Petrobras
O avanço do grupo de Joesley Batista no setor de energia é parte de um projeto de diversificação de negócios do conglomerado. Além de investir no setor de carnes, o grupo também é dono de uma empresa de celulose, de um canal de televisão e da Alpargatas, por exemplo.
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), explicou ao G1 que o grupo já atua na área de energia, mas em um negócio diferente, ligado diretamente à criação de gado. "Ela tem negócio na área de energia, mas de biodiesel. Ela é fabricante de biodiesel de sebo de boi. Como ela é a maior produtora de proteína animal do mundo, ela acaba produzindo muito sebo."
Assim como o negócio de carnes, o setor de energia elétrica prometia render muito dinheiro à Jamp;amp;F. Mas há uma diferença fundamental entre os dois negócios: a matéria-prima. Para fabricar biodiesel, o grupo tem fácil acesso ao sebo de boi. Já para produzir energia elétrica, a Âmbar Energia, holding da Jamp;amp;F que controla a UTE de Cuiabá, precisa de gás natural boliviano.
Segundo especialistas consultados pelo G1, a Bolívia também tem contratos com outras estatais, como a da Argentina, e poderia vender gás diretamente para uma empresa privada brasileira. Porém, por se tratar de um novo contrato e equivalente a menos de 10% do volume de gás contratado pela Petrobras, as condições de preço e prioridade provavelmente seriam menos vantajosas que as do acordo vigente da estatal.
Lucien Belmonte, superintendente da associação dos produtores de vidro, um setor que também usa o gás como matéria-prima, afirma que "a Petrobras continua correspondendo a 97% da oferta de gás do mercado brasileiro".
Ele também explica que a Âmbar pode comprar gás direto da Bolívia, mas precisaria antes se registrar como consumidor livre na Agência Nacional do Petróleo (ANP), seguindo os parâmetros da lei do gás de 2009.
Outros lados
O que diz Michel Temer: Sobre os fatos delatados por Joesley e Ricardo Saud ao Ministério Público Federal, o presidente Temer negou a denúncia de corrupção passiva. "Convenhamos, no caso central de sua delação, fica patente o fracasso de sua ação. O Cade não decidiu a questão solicitada por ele. O governo não atendeu a seus pedidos. Não se sustenta, portanto, a acusação pífia de corrupção passiva", disse ele. O G1 procurou o advogado de Temer para comentar as gravações em áudio entre Rocha Loures e os delatores da JBS, que citavam seu nome, mas não recebeu resposta.
O que diz Rodrigo Rocha Loures: O ex-deputado devolveu à Polícia Federal a mala e a quantia de R$ 500 mil. Em maio, o G1 questionou sua assessoria de imprensa sobre os fatos gravados nas conversas com executivos da JBS, mas não obteve resposta. O ex-deputado foi preso em 3 de junho. Em um pedido de habeas corpus, sua defesa acusou a Procuradoria-Geral da República de "coação ilegal" e diz que, após o primeiro pedido de prisão ter sido rejeitado, o peemedebista "se achava em absoluto cumprimento das cautelares pessoais, em sua residência, com sua esposa no oitavo mês de gravidez, onde estava praticamente recluso, não saía face à exposição midiática a que ele e seus familiares foram expostos".
O que diz a Jamp;amp;F: Procurada pelo G1, a Jamp;amp;F não quis explicar o motivo pelo qual comprou a termelétrica de Cuiabá. Em nota, disse que "todos os documentos e informações referentes à investigação foram entregues e encontram-se em poder da Justiça, com a qual a Companhia segue colaborando".