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Brasil
27/12/2016 08:48:00
Receita amplia fiscalização e mira em recursos ilegais fora do país

O Globo/LD

A vida para quem tem dinheiro ilegal fora do Brasil vai ficar mais difícil no ano que vem: a Receita Federal fechará o cerco contra contribuintes brasileiros que, segundo dados oficiais, guardam até R$ 265,9 bilhões no exterior. A partir de janeiro, o número de países com os quais o Brasil troca informações tributárias por meio de um acordo global vai aumentar de 34 para 103. A maior expectativa ficará por conta da abertura dos dados financeiros da Suíça, onde 8 mil brasileiros têm cerca de R$ 12 bilhões aplicados em bancos.

A troca de informações está prevista no âmbito da Convenção Multilateral para Intercâmbio Internacional Tributário, assinada em agosto. O acordo entre países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) pretende combater o financiamento do terrorismo e crimes de lavagem de dinheiro.

Além da adesão da Suíça, o subsecretário de fiscalização da Receita, Iágaro Jung Martins, destaca a participação no acordo da OCDE de paraísos fiscais, como Ilhas Virgens Britânicas e Ilhas Cayman, onde investigados na Operação Lava-Jato esconderam recursos desviados do esquema de corrupção da Petrobras.

— É importante porque são países onde muitos dos acusados usavam offshores para ocultar recursos e que vão passar a nos fornecer informações — disse Martins. — Vamos passar a trocar informações com a receita da Suíça e de vários outros países por meio de sistemas refinados e sofisticados. Então, vamos poder verificar as contas desses brasileiros com grande capacidade contributiva.

MAIS DE R$ 100 BI EM PARAÍSOS FISCAIS

Para facilitar o pente-fino nas contas de brasileiros no exterior, a receita identificou os países onde os brasileiros têm mais dinheiro e bens. Em primeiro lugar, aparecem os Estados Unidos, onde há R$ 53 bilhões; seguido de Ilhas Virgens Britânicas, com R$ 43, 9 bilhões. A lista é completada por paraísos fiscais como Bahamas (R$ 27,8 bilhões); Ilhas Cayman (R$ 22,5 bilhões); Suíça (R$ 12 bilhões); Áustria (R$ 9,2 bilhões) e Portugal, com R$ 4,6 bilhões, entre outros. Esses países estão entre aqueles que assinaram e ratificaram a convenção da OCDE, com exceção das Bahamas.

— Os países que ficarem de fora do acordo serão de altíssimo risco porque não serão considerados transparentes e estarão suscetíveis a sanções internacionais. As fronteiras do mundo estão diminuindo também para a Receita — disse o subsecretário.

Martins complementa que uma das consequências do acordo é que quem não regularizou os recursos por meio da lei de repatriação — cujo prazo de adesão terminou em outubro — acabe migrando para países periféricos, como Irã e Venezuela, ou passe a se utilizar de bancos que não seguem regras de compliance.

O subsecretário ainda explicou que a convenção multilateral prevê, em tese, que as informações trocadas terão data de corte a partir de 2017. Contudo, adiantou que há possibilidade de retroagir. Ele disse que a receita negocia, por meio de acordos bilaterais com países como Suíça e Panamá, obter dados de anos anteriores, já que há um acordo nos mesmos moldes em vigor com os Estados Unidos.

INVESTIGAÇÕES FUTURAS

Dentre o potencial de informações que podem ser aprofundadas nas investigações da Receita estão transações feitas com participação de estrangeiros que não declararam imposto de renda. O fisco identificou 18.427 dessas operações de compra e venda de bens no Brasil, cujos valores somam R$ 8,7 bilhões.

A fiscalização também está de olho em rendimentos associados a 25 mil brasileiros nos Estados Unidos que somam mais de R$ 1 bilhão. Após a primeira fiscalização, a Receita descobriu que pelo menos 638 desses contribuintes, apesar de possuírem bens que geram renda nos Estados Unidos, não declararam ao imposto de renda brasileiro.

Para o Secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República, Vladimir Aras, o acordo multilateral deve facilitar o caminho de investigações como a Lava-Jato e casos emblemáticos como os já vistos no escândalo Panama Papers. O fisco também tem como alvo offshores abertas no Panamá pelo escritório da Mossack Fonseca, que já estão na mira da Lava-Jato. Apesar de ter se tornado signatário do acordo em 27 de outubro, o Panamá ainda não o ratificou e, por enquanto, seu governo não começou a trocar dados fiscais na rede da OCDE. Para Aras, será mais fácil fiscalizar e punir sonegadores:

— É um cenário de maior risco para as pessoas, que estarão sujeitas a processo do ponto de vista tributário e penal. Teremos mais facilidade para obtenção da prova e de ressarcimento dos valores para o Brasil.

Para o procurador regional da república e coordenador jurídico da operação Lava-Jato, Douglas Fisher, o acordo facilita a apuração de crimes graves como sonegação, lavagem de dinheiro e evasão de divisas:

— Vai acabar com o sigilo fiscal internacional. Não haverá mais sigilo entre as receitas dos países membros da OCDE. Só quem tem algo a esconder que tem essa briga atrás do sigilo. A receita terá informações bancárias de contribuintes brasileiros, ela pode constatar que alguém cometeu um crime e comunicar ao Ministério Público para fazer uma ação penal — disse o procurador.

Fisher lembrou que somente por meio de acordos bilaterais entre Brasil e Suíça, a Operação Lava-Jato já conseguiu cooperação das autoridades daquele país para bloquear R$ 800 milhões.

— Esse novo acordo, deve reduzir a burocracia para o acesso as informações dando mais autonomia para que os órgãos de fiscalização troquem informações.

CONGRESSO DEBATEU REPATRIAÇÃO DE RECURSOS

A situação de quem tem dinheiro não declarado fora do Brasil pode ficar menos dolorosa se a Câmara dos Deputados alterar a lei da repatriação de recursos no exterior. Embora o prazo para regularização do dinheiro tenha se encerrado no final de outubro, parlamentares articulam uma segunda rodada para repatriar. Em novembro, o Senado aprovou um projeto que reabre o prazo de adesão ao regime especial de repatriação de recursos do exterior. Contudo, a proposta enfrenta forte reação de membros da força-tarefa da Lava Jato, que reservadamente a tratam como “lavagem de dinheiro” oficializada.

De acordo com a proposta, o regime seria reaberto no ano que vem por mais 120 dias. Parlamentares chegaram a tentar incluir no texto a permissão de que parentes de políticos pudessem repatriar dinheiro, mas devido a reação da opinião pública e a repercussão negativa nas redes sociais acabaram retirando a proposta.

Em meio a um cenário de crise e de déficit orçamentário, a regularização de recursos não declarados ajudou a aliviar a situação dos cofres do governo federal. De acordo com a Receita, foram arrecadados mais de R$ 50 bilhões em impostos e multas. Ao todo, foram repatriados R$ 169,9 bilhões, que eram mantidos fora do país. O fisco recebeu documentos de 25.011 pessoas físicas, que detêm juntas R$ 163,9 bilhões. Elas pagaram R$ 24,9 bilhões em Imposto de Renda (IR) e o mesmo valor em multas.

Já em relação às empresas, houve apenas 103 declarações, somando cerca de R$ 6 bilhões. Elas pagaram R$ 909,7 milhões em IR e mais o mesmo montante em multas. Ao longo dos últimos meses, o programa de repatriação foi alvo de especulação. Parlamentares e governadores tentaram até o último minuto mudar as regras para a regularização de ativos mantidos no exterior.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), tentou colocar em votação um projeto pelo qual a multa arrecadada com o programa seria partilhada com estados e que mudava a base de cálculo do IR. No entanto, não houve acordo entre as lideranças e isso acabou sendo descartado. O texto também alterava a data final para a repatriação de 31 de outubro para 16 de novembro, o que pode ter adiado a adesão dos contribuintes à repatriação.Quando fixou a meta fiscal de 2016, de déficit primário de R$ 170,5 bilhões, o governo foi conservador com as estimativas de arrecadação de repatriação e só contava que receberia cerca de R$ 6,2 bilhões com esse programa, valor bem inferior ao resultado final.