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A falta de medicamentos psiquiátricos para atender detentos do Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, colocou o presídio em "risco de motim ou violência extrema". Pelo menos seis medicamentos voltados para o atendimento desses transtornos estão em falta na rede da capital.
O risco de rebelião consta em um despacho assinado pela Gerência de Saúde do Sistema Prisional do Distrito Federal – o setor da Secretaria de Saúde voltado para o monitoramento dos presídios. Segundo o comunicado, há presos "em surto" por causa da falta de remédios.
"Esclareço que desde fevereiro estamos enfrentando desabastecimento de alguns itens e já solicitamos providências [...] e vários pacientes/internos estão em surto, causando instabilidade na massa carcerária, acarretando elevado risco de motim ou violência extrema", diz o texto.
Ao G1, a Secretaria de Saúde confirmou que pelo menos seis medicamentos estão com estoques zerados, inclusive, na Ala de Tratamento Psiquiátrico (ATP). Apesar disso, a pasta diz que os profissionais "acompanham constantemente os pacientes, monitorando cada caso".
Além disso, a secretaria diz que está "preparando uma licitação" para normalizar os estoques – mas não dá prazo para que isso aconteça. O governo também abriu processo de compra descentralizada – ou seja, feita pelos gestores mais baixos, e não pela central de compras da pasta.
A presidente da Associação de Familiares de Internos e Internas do Sistema Penitenciário do DF (Asisp), Alessandra Paes, afirmou ao G1 que as queixas sobre falta de medicamentos são frequentes.
"Desde que houve o surto de doença de pele na Papuda [veja abaixo], existe falta de medicamentos no sistema, desde remédios para hipertensão aos de tratamento de pele, e os de uso controlado", diz.
Segundo a representante da associação, em uma das últimas visitas ao presídio – há duas semanas –, um parente de preso relatou que o interno, de 42 anos, teve um episódio de surto dentro da cela. A crise seria motivada pela falta de um dos medicamentos de uso restrito. "Ele disse aos familiares que a situação que foi constrangedora".
"O homem saiu agredindo outros presos e precisou ser contido. Nisso, ele se machucou e machucou outros internos. Os agentes penitenciários precisaram contê-lo depois disso."
No grupo criado pelos familiares de detentos nas redes sociais, a mãe de um preso – ela preferiu não se identificar – cita que falta Diazepam na cadeia. O medicamento é usado para tratar casos severos de síndrome de ansiedade e quadros de desordem psiquiátrica.
Uns com tanto...
Nos últimos anos, o complexo da Papuda ficou famoso por abrigar presos com cargo público e/ou envolvimento em grandes escândalos de corrupção.
Pela ala B do bloco 5 do Centro de Detenção Provisória, por exemplo, passaram personalidades como o deputado Paulo Maluf e o ex-senador Luiz Estevão. O ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato já dividiu cela com o operador financeiro Lúcio Funaro – ambos, citados em esquemas com dinheiro público.
No mesmo bloco 5, também está preso o ex-ministro Geddel Vieira Lima, do MDB. Em maio deste ano, ele recusou uma ordem de perícia em si mesmo, emitida pela Vara de Execuções Penais depois que uma vistoria encontrou "excesso de medicamentos" na cela dele, em abril.
Segundo o despacho revelado pela jornalista Andréia Sadi, a lista de remédios na cela de Geddel incluía:
Nexium 40mg (65 comprimidos);
Diazepam 5mg (8 comprimidos);
Valium 10mg (4 comprimidos);
Hermitartarato de Zolpidem 10 mg (2 comprimidos);
Lexapro 10 mg (46 comprimidos);
Lexapro 20mg (18 comprimidos);
Cewin 500mg (13 comprimidos);
Oxalato de escitalopram 20mg (29 comprimidos);
Carbamazepina 200mg (10 comprimidos);
Tylenol (04 comprimidos);
Ibuprofeno (07 comprimidos);
01 pomada Trafic
01 receituário médico.
Geddel e Luiz Estevão são alvos de investigação no sistema prisional por supostas regalias nas celas onde cumprem pena. Em junho, a Polícia Civil apreendeu pendrives, barras de chocolate e anotações.
Em março de 2017, uma inspeção encontrou outros itens proibidos nas dependências compartilhadas pelo ex-senador Luiz Estevão. A lista incluía chocolate, cafeteira elétrica, cápsulas de café e até macarrão importado.
...outros com tão pouco
Enquanto as supostas regalias a presos "especiais" eram apuradas, no fim de 2017, outros detentos da Papuda sofriam com um problema grave: infecções de pele que se espalharam por, pelo menos, 2,6 mil presos.
O número corresponde a cerca de 17% da população carcerária. O governo do DF escondeu os dados por um mês, mas documentos obtidos pelo G1 no período mostraram que não havia, naquele momento, previsão de reabastecimento dos tratamentos necessários.
De acordo com a própria Subsecretaria do Sistema Penitenciário, naquele momento houve presos diagnosticados com escabiose, tíneas, ptiríase, furunculoses e impetigo – cinco classes de doenças de pele.
Superlotação
A falta de medicamentos psiquiátricos atual afeta, principalmente, os cerca de 60 presos que cumprem pena na Ala de Tratamento Psiquiátrico (ATP), na Penitenciária Feminina do DF (Colmeia). O número inclui homens e mulheres, já que não há outro espaço voltado para esses detentos.
Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) mostram que a população carcerária do Distrito Federal saltou de 7,4 mil internos, em 2008, para 15,7 mil em janeiro deste ano.
O número de pessoas presas coloca a capital do país em sétimo lugar no ranking das unidades federativas que convivem com a superlotação de seus presídios. O DF fica atrás apenas do Ceará (6º), Paraíba (5º), Goiás (4º), Roraima (3º), Amazonas (2º) e Pernambuco (1º).
Os dados foram levantados pela TV Globo e G1 em novembro do ano passado e são os mais recentes divulgados pela Segurança Públlica. O levantamento mostra que as penitenciárias de Brasília comportam atualmente mais do que o dobro da capacidade.
São 8.419 presos a mais do que o permitido, o que corresponde a 113,85% de superlotação. Em outras palavras, naquele momento, a Papuda abrigava mais que o dobro dos presos que cabiam ali.