Folha/PCS
Pouco antes da hora do almoço no acampamento dos sem-teto no largo Paissandu, parte da montanha de doações de mantimentos começa a ir para as panelas na cozinha comunitária comandada por um grupo de voluntários.
As famílias que vivem, há mais de duas semanas, em barracas armadas na praça da região central de São Paulo, aguardam. São ex-moradores do prédio Wilton Paes de Almeida, que estava invadido por sem-teto e desabou após um incêndio, deixando ao menos quatro mortos.
Nesta quarta-feira (16), o cardápio servido foi arroz, feijão, purê de batatas, salsicha no molho de tomate e salada de berinjela. O cheiro de feijão cozinhando logo se espalha pelas ruas próximas e também atrai moradores de rua no entorno.
Eles costumam aguardar fora das grades até que todos os sem-teto se sirvam. A comida também é distribuída em pratos de plástico aos ocupantes do acampamento paralelo, formado no entorno das barracas dos moradores do prédio que pegou fogo e caiu.
Quando chegou a vez dos moradores de rua receberem os pratos, havia acabado a "mistura", no caso, a salsicha, mas quase ninguém reclamou. "Distribuímos mais de mil refeições por dia e estamos alimentando praticamente todo esse centro da cidade", afirma o líder da invasão, Valtair José de Souza.
Ao lado da cozinha improvisada, se acumulam sacos de arroz, feijão e outros mantimentos armazenados debaixo de uma lona preta.
Uma mesa de pingue-pongue serve de apoio no acampamento, mas a maioria dos sem-teto prefere comer sentada no chão, próximos das barracas onde dorme.
A fartura é comentário recorrente entre os acampados. A conselheira tutelar Lualinda Silva de Toledo contou que ouviu de uma criança o desejo de que um prédio caísse no centro todo dia porque nunca tinha comido tão bem. "Ouvir aquilo cortou meu coração", lembra Lualinda.
A hora do almoço, nesta quarta-feira, foi interrompida pela chegada de uma doação grande de fraldas, deixada por um voluntário em uma pick-up. Em momentos como esse, os sem-teto estão acostumados a parar tudo que estão fazendo para ir até a grade e ajudar a carregar os sacos e as caixas que chegam.
Rapidamente, as doações são levadas para dentro da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, fechada desde a queda do prédio para armazenar sacos com comida, roupas e garrafas d'água.
O problema da falta de banheiro foi minimamente amenizada pelos próprios acampados, que carregaram para dentro das grades dois banheiros químicos antes disponibilizados apenas aos homens que ainda trabalham em meio aos escombros.
Para carregar os celulares, eles recorrem a uma floricultura dentro da igreja, que não tem recebido clientes desde que foi rodeada por barracas.