Época/PCS
Brenda Pereira chora desconsolada ao sair da consulta médica com a pequena Maria Fernanda nos braços. A pediatra confirmou que sua filha, de quatro meses, tem um grau de microcefalia mais grave do que o esperado e ela, de apenas 23 anos, se sente perdida.
“Isto é muito difícil…”, suspira a corpulenta moradora da Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro, que foi descobrir só no parto que seu bebê sofria dessa malformação congênita cujos casos dispararam há um ano no Brasil junto com a epidemia de zika.
A notícia inesperada – que Brenda nem suspeitava porque, como costuma ocorrer com esse vírus, não teve nenhum sintoma durante a gravidez – a deixou chorando durante horas. Mas suas angústias estavam apenas começando.
Assim como aconteceu com boa parte das brasileiras que tiveram bebês com microcefalia, esta jovem foi abandonada pelo pai da menina, que não queria “uma filha doente”, com uma cabeça menor do que a média e um cérebro irreversivelmente danificado.
Brenda também teve que deixar seu trabalho como caixa para se dedicar 24 horas ao seu bebê, se mudar para a casa de sua mãe para ter mais ajuda, fazer malabarismos para pagar as caras sessões de fisioterapia especializada e deixar a sua outra filha, de seis anos, temporariamente com um familiar.
Sem trabalho, sem respostas… nem ajudas
Tudo isso, sem saber muito bem o que vai acontecer com Maria Fernanda, que quase não responde a seus estímulos, e sem que os médicos tenham todas as respostas, já que a malformação associada ao zika é muito recente e os pacientes com esse tipo específico de microcefalia têm no máximo um ano de idade.
“Se os médicos não sabem, o que eu vou saber?”, se desespera a jovem, que confessa que, mais do que aceitar, aprendeu a “conviver” com esta situação, e que à sua incerteza constante se soma uma sensação de abandono por parte das autoridades.
Maria Fernanda não recebe o modesto apoio econômico que o INSS oferece a pessoas portadoras de deficiência porque a renda da sua avó, que vende sacos de gelo na praia de Ipanema, ultrapassa o limite exigido para ser apta ao benefício, concedido a famílias que ganham menos de R$ 220 por mês.
“Tive que parar toda a minha vida, viver em função do bebê. Mas para o governo você tem que ser uma miserável para poder receber ajuda. O Brasil não tem estrutura para lidar com uma doença tão grande”, lamenta Brenda.
Transmitido pelo mesmo mosquito que causa a dengue e o chikungunya, o zika começou a se propagar de forma acelerada pelo nordeste do Brasil no início de 2015. No final daquele ano, os médicos confirmaram uma relação até então desconhecida entre o vírus e a explosão de casos de bebês com microcefalia.
Desde outubro de 2015, o Brasil confirmou 2.289 casos de bebês com microcefalia, e outros 3.144 estão sendo investigados – muito mais que os 164 casos notificados em 2014.
Apoio psicológico
Com o surto de microcefalia, o Instituto Estadual do Cérebro do Rio de Janeiro ficou sobrecarregado, e em março de 2016 foi criado no local um ambulatório específico para bebês com essa malformação.
É nesse centro que Brenda e outras 400 famílias do estado realizam gratuitamente exames caros, como tomografias ou ressonâncias, recebem orientações para estimular seus bebês e compartilham suas angústias em terapias de grupo a cada dois ou três meses.
Alzira Meneses viajou 155 km desde Cabo Frio para buscar os resultados dos exames de seu filho Arthur no Instituto. Em sua cidade litorânea, só há uma neuropediatra, conta, e ela não conseguiu marcar uma consulta para seu bebê de seis meses devido às greves constantes ante a crise financeira do estado.
Ela também não recebe a ajuda do governo, apesar de estar desempregada.
“Onde está o governo, onde está?”, se pergunta indignada esta mulher de 35 anos, enquanto seu marido brinca com Arthur, que mama sem problemas – diferente de outros bebês, que precisam se alimentar com uma sonda no estômago -, mas começa a ter dificuldades de visão.
“A gente reza muito, pedimos força a Deus para aceitar isso. Porque é um caso muito novo, eles não sabem o que pode acontecer. É um dia após o outro, não adianta querer saber de amanhã”, diz Alzira.
Para a coordenadora do ambulatório, Fernanda Fialho, a ajuda psicológica para as famílias é tão relevante quanto os resultados médicos.
“É muito importante, porque a microcefalia não tem tratamento, o que essas crianças precisam é de alguém que esteja psicologicamente inteiro para cuidar delas”, sabendo que sua esperança de vida é relativamente curta, afirma a médica.
Antes de voltar para casa, Brenda reflete sobre o que sonha para a filha: “Espero que ela fale, que seja o mais normal possível. Por isso eu a levo ao médico, para tentar encaixar ela na sociedade, porque a sociedade não enxerga os nosso filhos como gente”.