Correio do Estado/LD
Dados do Censo Demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e que está desatualizado desde 2010, impactam a quantidade de vacinas e insumos enviados para Campo Grande, prejudicando o cronograma de vacinação.
A atualização da pesquisa deveria ocorrer em 2020, mas foi adiada em virtude da pandemia de Covid-19 e pode nem ser feita em 2021 por falta de recursos, conforme decisão tomada pelo governo federal.
Segundo especialistas, o Censo é fundamental para embasar a criação de políticas públicas, em razão da precisão em indicar o tamanho populacional e as condições de vida de brasileiros.
A pesquisa também define o repasse de verbas destinadas ao Estado e município, com recursos para educação e saúde pública.
No cenário atual de crise sanitária, por conta da pandemia de Covid-19, a pesquisa pode trazer informações que podem ajudar na estratégia de vacinação da Capital.
O secretário municipal de Saúde, José Mauro Filho, explica que o Censo é muito importante por se tratar de todos os indicativos que o município tem para o planejamento do sistema público de saúde e para receber recursos federais.
“Por exemplo, uma situação pela qual estamos passando agora é com a vacina da Covid-19. Esses números do IBGE vão impactar no que vamos receber, no número de doses, de recursos, de insumos, tudo é a partir da base de dados”.
Filho destaca que a falta de uma base de dados atualizada impacta também no orçamento do município, que é proporcional ao tamanho da população habitacional.
“Campo Grande tem 900 mil habitantes e vai receber orçamento proporcional, todos os recursos de saúde pública, para as unidades básicas de saúde, para auxílios, para tratamentos psicossociais, dependem dos indicadores de saúde, da mortalidade materna, do número de pessoas que dependem desse serviço público”, afirmou o secretário.
POLÍTICAS PÚBLICAS
O presidente da Câmara Municipal de Campo Grande, Carlos Augusto Borges (PSB), explica que o Censo norteia as decisões da Casa de Leis, com os índices de desigualdade social, vulnerabilidade e crescimento dos municípios do Estado.
“Para fazer ou aprovar um projeto, nós não vamos saber o número de pessoas de várias classes, desde a parte de jovens, adultos, idosos e também o crescimento que tem, o número de famílias".
"Moram muitas famílias amontoadas, pensam que é por habitação, mas não é, em uma habitação moram 15 pessoas, e em habitações maiores podem morar só duas. Então sem o Censo vamos ficar perdidos realmente”, relatou.
Borges ressalta que municípios podem perder recursos do governo federal que são distribuídos a partir do número de habitantes em cada região, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Fundo de Participação dos Estados (FPE).
“E muitos recursos federais são divididos de acordo com o tamanho das cidades. Vai ser difícil eles saberem como vai ser dividido isso. Uma cidade cresce mais do que a outra. No nosso estado mesmo, nós temos cidades que cresceram bastante, tipo Três Lagoas, Sidrolândia”, explica.
Maior impacto na educação é no ingresso de alunos, diz secretaria De acordo com a superintendente de Planejamento e Apoio Institucional da Secretaria de Estado de Educação (SED), Soraya de Hungria Cruz, o maior impacto da desatualização do Censo Demográfico é na educação infantil, das crianças que ainda não ingressaram no sistema educacional.
“Como saber a população de crianças de zero a três anos que ainda não tem escolarização para poder pensar em planejar construção de creches, de novas escolas, quantos professores vou precisar, quantos funcionários, o quanto de insumos vou precisar”, explica.
Cruz destaca que, com as 6.028 mortes pela Covid-19 até aqui, não há como saber quantas pessoas necessitam do sistema público de educação, por conta da falta de informação do tamanho atual da população.
“Não saberia qual o porcentual da população que eu estou atendendo, quantos poderão ir às aulas, quantos insumos eu preciso, quantas escolas eu preciso, professores, atendentes, quanto planejar, gastar”, detalha.
A superintendente afirma que todas as metas dos planos nacional, estadual e municipal de educação são baseadas no Censo, definindo quais metas devem ser atendidas e o quanto falta para atingi-las.
“Por exemplo, quantas crianças, jovens e adolescentes têm na população e quantos não estão na escola? Praticamente todas as políticas públicas educacionais utilizam como referência o Censo Demográfico”.
PLANEJAMENTO
O diretor do Instituto de Pesquisa Resultado (IPR), Aruaque Fressato, explica que o Censo Demográfico impacta em todo o planejamento do governo.
“O governo não consegue tomar medidas assertivas e nem planejar bem seu orçamento. Qual o deficit habitacional do País? Onde a população está mais pobre? E saneamento básico, onde progrediu e onde não? Você não tem um direcionamento”.
De acordo com Fressato, com o Censo é possível ter um planejamento e economizar recursos públicos. Além disso, ele destaca que outros países baseiam seus investimentos a partir da pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Esse discurso que é para economizar dinheiro e não tem verba não tem o mínimo cabimento. O Censo está na constituição, você é obrigado a realizar. Nisso o País está perdendo muito dinheiro, porque se a grande maioria realiza Censo e uma pequena parte não, por que eu vou investir no Brasil?”.
Fressato aponta que com o Censo é possível comparar um governo com o outro, e sem a pesquisa há uma lacuna nos índices de desenvolvimento em diversas questões sociais ao longo dos 10 anos em que não ocorre um novo levantamento.
“Não fazer é a mesma coisa de testar a incapacidade de um governo, uma falência de um governo em tomar atitudes para o desenvolvimento do País. Isso impacta a médio e longo prazo, quanto maior a demora para realizar o Censo, menos o Brasil se conhece e mais problemas vão acontecer”, destaca.
O diretor conclui usando como exemplo o caso do auxílio emergencial, em que o ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que não sabia a quantidade dos invisíveis que existem no País e que precisam da ajuda.
“Isso porque não tinha Censo, se tivesse saberia. Quantas coisas o governo não sabe porque não tem? Isso do auxílio emergencial só se descobriu por causa da pandemia. Como você vai mandar recursos da área da saúde se não sabe o número de idosos, de jovens e as doenças que eles têm?”, indagou.
DECISÃO
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, após provocação da Procuradoria-Geral do Estado do Maranhão, determinou que o governo federal realize o Censo ainda em 2021. A decisão deve impactar no próximo concurso do IBGE para os cargos envolvidos com a pesquisa.
O Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE (Assibge) afirmou ser um erro a decisão do STF, já que as etapas perdidas de preparação para a pesquisa já atrasaram o cronograma. Com isso, segundo o sindicato, é inviável a operação ser feita este ano.
O Censo Demográfico do IBGE, que deveria ocorrer em 2020, foi adiado para este ano em razão da pandemia da Covid-19 e acabou sem verba para acontecer.
No Orçamento para 2021 foi feito um corte de R$ 1,7 bilhão, ainda durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional, e posteriormente foi confirmada pelo governo federal a retirada dos recursos.
O IBGE já havia suspendido as provas do processo seletivo para recenseadores e agentes censitários no início de abril. A medida foi feita por conta do corte de 96% nos recursos do Orçamento Geral da União para a pesquisa.
Segundo o IBGE, o Censo é a única pesquisa a visitar todas as casas do País. São mais de 70 milhões de residências em 5.570 municípios e 8,5 milhões de quilômetros quadrados.
O instituto ainda indica que estão envolvidas na pesquisa cerca de 230 mil pessoas. Desde 1872, houve 11 Censos no Brasil, e o mais recente foi realizado em 2010.
O primeiro Censo Demográfico brasileiro foi realizado em 1872, e desde 1920 ele tem sido feito a cada 10 anos. Em todo esse tempo, a pesquisa só não foi realizada em três momentos, e, com o cancelamento do processo, este ano será a quarta vez que um Censo é adiado.