FP/PCS
A pandemia do coronavírus só chegará ao fim quando a maior parte da população estiver imunizada, dizem especialistas. Mas, até atingir as taxas de 60% a 70% estimadas como necessárias para gerar a chamada imunidade coletiva -diminuindo assim a chance do vírus infectar novas pessoas e se disseminar-, novas variantes vêm surgindo no Brasil e no mundo.
Com isso, as produtoras de vacinas, o único fármaco comprovadamente eficaz contra a Covid-19, buscam constantemente atualizar os seus imunizantes, garantindo assim a proteção mesmo se novas cepas do vírus surjam.
Diante disso, uma vacina universal eficaz contra todas as formas do vírus conhecidas e até mesmo, por que não, as ainda desconhecidas e que podem ser potencialmente perigosas, seria o sonho de todo laboratório que pesquisa os imunizantes.
Não mais. Cientistas da Universidade de Duke e da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, nos Estados Unidos, desenvolveram uma vacina chamada "pancoronavírus", isto é, eficaz contra diferentes espécies dessa família viral e suas variantes.
O artigo descrevendo a nova plataforma foi capa da revista científica Nature, uma das mais prestigiadas, no último dia 10 de maio.
Para encontrar uma fórmula mágica da vacina capaz de reconhecer todas essas formas distintas do patógeno, os pesquisadores se debruçaram justamente sobre o mecanismo de entrada do vírus nas células: a proteína S do Spike, também chamada de espinho ou espícula.
Essa proteína funciona como uma chave para a fechadura no hospedeiro, uma região presente na superfície celular de muitas das células que compõem o nosso e organismo de outras espécies animais. Chamada de região de ligação do receptor (RBD, na sigla em inglês), o grupo mapeou as diferentes moléculas nessa área e encontrou uma em comum em todos os tipos de vírus.
Ao mesmo tempo que a RBD serve para o vírus se ligar às células e infectá-las, ela também é uma região importante de ligação com os anticorpos que tentam impedir sua entrada.
A vacina foi então formulada para induzir a resposta imune de anticorpos que se ligam contra essa região em todos os vírus, chamados de anticorpos neutralizantes cruzados. Ela é composta por fragmentos de proteína aglutinados em nanopartículas, que transportam as proteínas ao organismo.
Nas células, as nanopartículas liberam a proteína S no plasma, onde ela é traduzida pelo maquinário celular e reconhecida pelo sistema imune -tecnologia similar é utilizada pela empresa de biotecnologia norte-americana Novavax.
Quando o coronavírus verdadeiro infectar o organismo, o corpo estará preparado para uma resposta imune, facilitada ainda mais pela adição de um adjuvante à fórmula, que potencializa a produção de células de defesa.
Para investigar se a vacina realmente induzia à produção desses anticorpos, cinco macacos da espécie Cynomolgus fascicularis (encontrado no sudeste asiático, também conhecido como macaco-cinomolgo ou caranguejeiro) foram inoculados com a vacina universal, com uma substância placebo ou ainda com uma fórmula que imita as vacinas de mRNA já em uso contra a Covid-19.
Em todos os macacos imunizados com a vacina pancoronaviral, a resposta imune gerada por anticorpos IgG que se ligam à RBD foi elevada, maior do que em relação aos animais que receberam o mímico da vacina de mRNA. Nos indivíduos que receberam placebo, não houve produção de anticorpos.
Ainda, a taxa de anticorpos neutralizantes, tidos como um, mas não o único, dos correlatos de proteção contra o Sars-CoV-2, foi significativamente maior após a imunização com a vacina conjugada em comparação às vacinas de RNA mensageiro. Ela também foi muito superior quando comparada ao nível de anticorpos em indivíduos com infecção prévia para o coronavírus.
Os mesmos anticorpos neutralizantes tiveram sucesso em bloquear a ação da variante britânica (B.1.1.7) e da P.1, embora essa taxa tenha sido menor no caso da variante sul-africana (B.1.351), conhecida por ter uma mutação que reduz a ação de anticorpos.
A vacina protegeu 100% dos macacos imunizados quando inoculados com as diferentes espécies do coronavírus contra a infecção, enquanto naqueles que receberam o placebo ou até mesmo com o imunizante de mRNA.
"Basicamente, o que fizemos foi fabricar várias pequenas cópias do coronavírus para induzir uma resposta imune elevada do corpo. O que vimos foi não apenas uma proteção contra a infecção, mas também a indução de uma resposta imune cruzada para as diferentes proteínas S dos coronavírus", explicou o pesquisador Barton Haynes do Instituto de Vacinas para Humanos da Universidade de Duke e autor principal do estudo.
Um estudo sobre evolução do Sars-CoV-2, feito por pesquisadores também da Universidade da Carolina do Norte, mas não envolvidos neste trabalho mostrou que eventos de passagem de coronavírus de outros animais para humanos ocorreram diversas vezes na história evolutiva da família.
Assim, a pesquisa da vacina "pancoronavírus" pode ajudar também a prevenir e rapidamente conter futuras pandemias do coronavírus, diz Haynes. "Já tivemos três pandemias de vírus relacionados ao Sars nos últimos 20 anos, então existe a necessidade em desenvolver vacinas eficazes que podem se ligar a esses patógenos antes da próxima pandemia."