O Globo/LD
O vendedor Cristóvão da Silva não fala, murmura. Caminhar lhe parece impossível. Qualquer movimento o tortura desde terça-feira. Um médico disse ser dengue. Sua mulher, também doente, teve diagnóstico de zika. Quase todos os vizinhos estão ou estiveram enfermos com diagnósticos de zika, dengue ou chicungunha. O bairro onde moram tem tantas pessoas com sintomas de síndromes febris que deixou cientistas da UFRJ estarrecidos. Eles investigam em Olinda, Nilópolis, um surto que parece ser uma manifestação distinta do zika. E não descartam casos de coinfecção (duas das doenças ao mesmo tempo) e reincidência (quando o paciente volta a ter o vírus). Alguns dos doentes sofrem dores muito fortes. E apresentam sintomas menos frequentes no zika, como dores e inchaços articulares, mais intensos dos que os observados em outros lugares.
— No início, pensamos se tratar principalmente de chicungunha, devido às dores fortes, ao inchaço nas articulações e à duração. Além disso, pessoas relatam ter adoecido duas vezes — conta o chefe do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, Amílcar Tanuri, um dos maiores especialistas do Brasil em retrovírus, como o zika.
Os primeiros 15 exames de urina analisados na UFRJ, porém, revelaram o zika. E um deles, o chicungunha.
— Estamos no início. E ali há tantos doentes e mosquitos, que pode haver casos de zika, dengue e chicungunha. Nos preocupam os casos de possível reincidência de zika, em que a pessoa manifesta sintomas mais de uma vez e a doença parece se tornar crônica. Não sabemos como o zika escapa do sistema de defesa do organismo, e esses casos tornam as coisas mais complexas — diz Tanuri.
Ele e sua equipe souberam dos casos em Olinda graças a uma iniciativa de Alan Menezes, mestrando em ciências farmacêuticas da UFRJ. A mãe de Alan adoeceu duas vezes, supostamente de zika. Outros parentes e vizinhos também caíram doentes. Todos sofrem com as dores e o desconhecimento.
— Li a respeito das pesquisas do professor Tanuri e o procurei. Estamos procupados porque ninguém sabe que doença é essa. Sobram mosquitos nos terrenos abandonados. A situação é calamitosa. É nosso dever colaborar — frisa Menezes.
Tanuri se preocupa com o que viu em Olinda:
— Fiquei assustado com a situação lá. Não sabemos quantos casos são de reincidência, de coinfecção ou de infecção em sequência (a pessoa contraiu um vírus e depois outro). Além disso, o zika parece estar se manifestando de forma diferente. E há muito mosquito, isso tem que ser combatido — diz Tanuri.
Um dos casos já analisados pela UFRJ é o do estudante Álvaro Paiva Soares, de 15 anos. Ele teve o zika identificado na urina. Já não apresenta sintomas, mas sofreu com estes duas vezes. A primeira no meio do ano passado.
— Agora estou bem. Mas no início de janeiro a doença voltou e muito pior. Fiquei mal, com muita dor e todo pintado — conta Álvaro.
O teste de PCR revelou que o zika continua em sua urina. Sua avó Eclair de Campos Soares, de 76 anos, está doente há 15 dias. Ela anda com dificuldade, e as articulações estão inchadas.
— Tive dengue nos anos 90 e não foi assim. Agora dói muito mais. As pragas do Egito não são nada. Esta praga que temos aqui é pior — lamenta.
Álvaro e Eclair moram em frente a Cristóvão, de 49 anos, que se desespera com os dias em que ficará sem trabalhar:
— Sou vendedor, trabalho na rua. Se não ando, não ganho dinheiro. Aqui está todo mundo doente. Há terrenos abandonados no bairro, os mosquitos vêm de lá.
Os terrenos ficam próximo a uma fábrica fechada e repleta de detritos. Perto deles mora a advogada Tânia Sandrini, de 64 anos. Ela adoeceu em 16 de fevereiro, ficou duas semanas sem sair de casa e ainda não se livrou das dores.
— Não consigo subir escadas direito. Perdi a firmeza dos tornozelos. Até dirigir está difícil. Mantenho minha casa livre de focos e acho um absurdo ficar doente porque Olinda está infestado por mosquitos — diz.
A alguns quarteirões da casa dela, a doceira Sigria de Azevedo, de 58 anos, se esforça para colocar uma fôrma de bolo no forno.
— Minhas mãos ainda doem. Tenho dois filhos e garanto que a dor no auge da infecção é pior do que a do parto — diz ela.
VINTE DIAS COM DORES
Sigria ficou mal pela primeira vez em 22 de janeiro. Passou 20 dias com dores. Melhorou por dois dias, e os problemas voltaram. Está melhor agora, mas continua com inchaço. O marido e um dos filhos também adoeceram.
Vizinho de Sigria, José Luiz Ferreira, de 57 anos, ficou doente no carnaval. O médico lhe disse que tinha dengue. Há 15 dias piorou. Desta vez, foi ao Posto de Saúde Nova Olinda. Lá ouviu que tinha chicungunha. A enteada, Bárbara, teve diagnóstico igual. A neta de 9 anos, o de zika. A mulher de José Luiz e o enteado foram informados de que contraíram dengue.
A poucos metros deles, mora Maria Madalena Lima de Souza. Grávida de quatro meses e com dores nas articulações, ela procurou um médico. E ouviu que não tinha nada:
— Disseram que era da gravidez.
O chefe da assessoria de imprensa da prefeitura de Nilópolis, Marcio Ferreira, informa que o município tem feito o controle dos focos. Mas que não pode recolher carros abandonados — um problema na cidade —, apenas multar os proprietários.