G1MS/LD
Com apenas um mês de vida, uma recém-nascida Yanomami foi uma das quatro crianças resgatadas na tarde desta sexta-feira (27) da Terra Indígena e levadas para Boa Vista. Diagnosticada com malária, pneumonia e gripe, ela precisou ser removida com uso de oxigênio e soro para aguentar o voo de 1h20 até chegar à capital, onde recebeu o socorro adequado.
A Terra Yanomami, maior reserva indígena do país, está no extremo norte do território brasileiro e é uma região de difícil acesso. Na maioria das comunidades, só é possível chegar de avião. E é por este meio que são feitos os resgates dos pacientes.
Desde que foi declarada a emergência em saúde na região, a Voare, única empresa de aviação que presta o serviço para a Saúde Yanomami, tem feito cada vez mais resgates.
"Geralmente, trazíamos um paciente em um voo. Agora, tem dias que chegamos a trazer três por voo", afirma Fausto Rodrigo dos Santos, diretor de Operações da empresa, que faz em média 16 voos de resgates por dia.
A recém-nascida resgatada na sexta foi transportada a Boa Vista com a mãe, de 14 anos, além uma médica do Distrito de Saúde Indígena Yanomami (Dsei-Y) e uma enfermeira. O g1 acompanhou a chegada delas.
Mãe e filha são da comunidade de Palimiú, uma das mais ameaçadas pelo garimpo ilegal e palco de um dos maiores conflitos da história recente do território Yanomami. Após viajar os 270 quilômetros que separam a comunidade de onde saíram da capital do estado, elas desceram na pista de pouso da empresa, localizada no município do Cantá, nos arredores de Boa Vista.
Ao chegarem, não havia ambulância esperando para socorrer a recém-nascida. O bebê foi levado para o Hospital da Criança Santo Antônio, o único hospital infantil do estado, em uma caminhonete do Dsei-Y.
Até a tarde desta sexta-feira, havia 59 indígenas internados lá, sendo 45 crianças Yanomami. Oito estavam na UTI, duas intubadas. As principais causas dessas internações são desnutrição grave, diarreia aguda, pneumonia e malária, como no caso da bebê resgatada.
A enfermeira que acompanhou o resgate da recém-nascida atua na Voare. Além dela, a empresa conta com um médico que também atua nas remoções.
"O voo de resgate dela foi tranquilo. Geralmente pedem a remoção quando o quadro pode piorar. Como malária é uma doença que pode se agravar muito, e o polo base não tem estrutura, eles [servidores do Dsei-Y] pedem logo para fazer a remoção", explicou a profissional.
A enfermeira conta que a maioria das remoções feitas pela empresa são por desnutrição, malária e pneumonia. "No avião, a gente voa com um médico. Dentro, tem todos os medicamentos necessários para garantir uma viagem tranquila ao paciente. Tem dispositivos aéreos, oxigênio, um profissional habilitado. Tudo isso torna o voo tranquilo mesmo sendo um caso grave."
Investigação de genocídio
Indígenas Yanomami enfrentam uma grave crise sanitária na reserva causada pelo avanço do garimpo ilegal e pelo descaso do governo Bolsonaro. A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) apuram indícios de genocídio contra o povo Yanomami e omissão de socorro.
Agora, com o novo governo federal, o Ministério da Saúde e órgãos de assistência enviaram equipes para socorrer os indígenas que ficaram abandonados nos últimos anos.
Foi declarada emergência de saúde pública, e um hospital de campanha foi montado em Boa Vista para ampliar o atendimento. O governo criou o Comitê de Coordenação Nacional para discutir e adotar medidas em articulação entre os poderes para prestar atendimento à população.
Desnutrição grave
Há casos de crianças resgatadas com um peso muito abaixo do que seria normal para a idade. Uma menina de 4 anos foi atendida pesando 9,9 kg, o equivalente a um bebê de 8 meses, quando o ideal seria 16 kg para a idade dela.
O atual governo federal estima que ao menos 570 crianças morreram na região nos últimos quatro anos, vítimas de desnutrição, malária, pneumonia e contaminação por mercúrio.
Só em 2022, foram 99 crianças mortas.
Descaso do governo Bolsonaro
Em dezembro do ano passado, o g1 e a GloboNews mostraram imagens de crianças Yanomami sofrendo com desnutrição grave. As fotos, divulgadas pela associação Urihi Associação Yanomami, revelaram meninos e meninas extremamente magros e com costelas aparentes.
Em 2021, o g1 e o Fantástico já tinham registrado cenas inéditas e exclusivas de crianças extremamente magras, com quadros aparentes de desnutrição e de verminose, além de dezenas de indígenas doentes com sintomas de malária em comunidades Yanomami.
O MPF apontou que a grave situação de saúde e segurança alimentar do povo Yanomami é resultado da omissão do estado brasileiro nos últimos anos, que não protegeu o território nem combateu o avanço do garimpo ilegal, atividade criminosa que destrói a floresta amazônica, contamina rios e mata peixes.