\n \n É comum se dizer que os pais conhecem seus filhos melhor que\n ninguém. Mas Hugh Rienhoff chegou ao extremo de conhecer até mesmo os genes de\n sua pequena Beatrice.\n \n Insatisfeito com os diagnósticos que recebeu dos médicos sobre sua\n filha, que nasceu há 9 anos com um distúrbio raro, Rienhoff, um empresário do\n ramo de biotecnologia, decidiu resolver o problema com as próprias mãos.\n \n Após quase uma década de exames clínicos, consultas com\n especialistas e até testes de DNA caseiros com equipamentos usados, ele\n publicou em julho deste ano um ensaio científico na revista americana Medical\n Genetics, em que descreve em detalhes o que ele assegura ser o problema de seu\n filha: uma mutação em um gene essencial para o crescimento normal dos músculos.\n \n \n No processo, a julgar pela maneira como foi descrito em matérias\n médicas, esse pai de três filhos se transformou em um exemplo do que se pode\n conseguir na biologia em termos de “faça você mesmo” (veja quadro abaixo).\n \n Mas, em entrevista, Rienhoff garante que prefere manter um perfil\n discreto e confessa que não pode descansar: ainda que tenha descoberto o que\n sua filha tem, ele agora precisa entender como a doença se desenvolve.\n \n Enigma\n \n Desde antes do nascimento de Bea, o mundo de Rienhoff já girava em\n torno de doenças raras. Ele estudou genética clínica nos anos 1980, mas se\n concentrou profissionalmente em empresas biotecnológicas, algo que lhe permitiu\n obter contatos que se provariam valiosos.\n \n Com a chegada de sua filha, em 2003, ele estava treinado para\n notar que havia algo estranho: o bebê custava a ganhar peso, tinha uma mancha\n no rosto e suas pernas eram desproporcionalmente longas. \n \n Mas os médicos não tinham um diagnóstico convincente, e Bea passou\n a ser um entre centenas de bebês que nascem a cada ano com um distúrbio\n não-identificado.\n \n Reinhoff decidiu, então, usar sua experiência para desvendar esse\n enigma pessoal e doloroso. Assim nasceu um projeto que, em certa medida, passou\n a definir sua carreira.\n \n Genoma familiar\n \n Com a ajuda de colegas, extraiu o DNA de sua filha e, graças a\n equipamentos usados que comprou por US$ 2 mil em sites como eBay e instalou em\n casa, ele amplificou esse material genético para que um laboratório pudesse\n analisar as cadeias do DNA. \n \n Com o resultado em mãos, copiou a sequência inteira em um\n documento de Word e comparou cada fragmento com o que encontrou do Projeto do\n Genoma Humano. \n \n No entanto, logo percebeu que a empreitada era grande demais e\n decidiu dar publicidade ao seu projeto, dando conferências, criando sites na\n internet e concedendo entrevistas. \n \n E conseguiu o apoio de uma organização dirigida por um velho amigo\n - a qual pôde, em escala maior, sequenciar os genes necessários de Bea e seus\n parentes e, assim, todo o genoma familiar. \n \n Essa análise foi crucial para que, após muitas idas e vindas,\n Rienhoff pudesse chegar a uma conclusão científica preliminar: uma mutação em\n um gene associado a uma síndrome de pouca massa muscular. \n \n "Foi um momento emocionante, porque eu suspeitava que esse\n gene poderia estar na família, e isso se provou correto", disse ele.\n \n Dilemas\n \n Mas a jornada foi um "vaivém de emoções", porque a\n princípio ele não sabia o que ia encontrar.\n \n "Temia que fosse uma mutação conhecida e que o destino (de\n Bea) estivesse traçado", confessa. \n \n Sobre os riscos e dilemas inerentes de fazer ciência com base em\n sua própria filha, Reinhoff acha que não tinha opção: se ele tinha a habilidade\n de investigar o que acontecia com Bea, não poderia simplesmente esperar que seu\n problema fosse eventualmente tema de uma pesquisa científica. \n \n Ele contou com a ajuda de outros especialistas. Por questões\n éticas e de parentesco, a publicação científica do Hospital Johns Hopkins, nos\n EUA, diz que ele nunca tirou sangue de Bea nem realizou procedimentos diretos\n na menina. \n \n Ele também diz que não publicou seus resultados em busca de\n satisfação pessoal - mas sim porque ainda há investigações a fazer e porque são\n necessários mais casos para entender melhor a mutação. E, além disso, para\n entender como será a vida de Bea daqui para frente. \n \n "O que eu realmente queria saber é qual a história natural\n disso", afirma Rienhoff. Para tal, é preciso estudar outros pacientes e -\n seu próximo passo - investigar a mesma mutação em camundongos de laboratório.\n \n Enquanto isso, ele se diz satisfeito de ter identificado o gene e\n sua variante. Agrega que sua filha está bem de saúde e tem sorte de não ser\n portadora de doenças vasculares graves - hipótese que chegou a ser contemplada\n pela família. \n \n E o quanto ela entende a respeito do que passa ao seu redor?\n \n "Ela não sabe muito", afirma Rienhoff. "Mas ela\n está feliz que vai ganhar um camundongo!"\n \n \n \n \n