Terra/PCS
Quem assistiu ao seriado Black Mirror, sucesso de audiência da Netflix, e considera os episódios que dissecam a sociedade contemporânea e as consequências imprevistas das novas tecnologias demasiado fantasiosos e improváveis para a nossa realidade, pode repensar a respeito.
As informações pessoais de todos os brasileiros estão expostas e à venda. Na semana passada, foi descoberta uma quadrilha que oferece por R$ 4,8 mil um HD de 425 gigabytes com os dados da Receita Federal, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Exército e até das polícias Civil e Federal com as informações da população do País.
A sede do esquema, que existe há 15 anos e abastece os ambulantes do Centro de São Paulo, fica na cidade de Teresina, no Piauí. Todos os dias, o grupo envia cerca de 350 milhões de e-mails e oferece o produto, que é despachado via Correios. Um dos integrantes da quadrilha disse que “se esses dados forem utilizados por criminosos podem se tornar uma bomba-relógio”.
Não há na legislação brasileira o crime de furto de dados. “Ele é enquadrado na esfera civil, não na criminal”, diz Patrícia Peck Pinheiro, advogada especialista em crimes digitais. “A criminal penaliza a forma como fizeram para conseguir os dados, se foi invasão de um dispositivo ou quebra de sigilo, ou o que será feito com aquela informação, se haverá chantagem.”
Apesar de parecer assustador ter os dados pessoais e financeiros fora de controle e na mão de desconhecidos, ter a vida exposta é comum na era das novas tecnologias. Muitas vezes, as pessoas disponibilizam por conta própria as informações pessoais e não percebem o quanto isso pode ser perigoso, por confiarem excessivamente na internet. Os usuários das redes sociais, como Facebook, Waze e WhatsApp, fornecem a essas empresas diariamente suas conversas privadas, contatos e localização, entre outros dados.
Elas sabem tudo sobre você. “Não existe privacidade. O que existe é uma expectativa de privacidade”, diz Rodrigo Tafner, coordenador do curso Sistemas de Informação em Comunicação e Gestão da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “As pessoas usam o Facebook e acham que não pagam nada por isso. Sim, elas pagam com informação, o que as torna um produto de publicidade para a empresa. Quanto mais informação fornecem, mais caro esse produto se torna.”
“As pessoas usam o Facebook e acham que não pagam nada por isso. Sim, elas pagam com informação, o que as torna um produto de publicidade para a empresa.” Rodrigo Tafner, coordenador do curso Sistemas de Informação em Comunicação e Gestão da ESPM.
Você paga a conta
O Waze leva qualquer um a qualquer lugar do mundo gratuitamente. Mas a empresa teve um custo alto para mapear as cidades de todos os países. E quem paga essa conta? “Ele vende informações em grupo, não individuais, para mostrar, por exemplo, como é a dinâmica das pessoas de determinada região”, afirma Tafner.
O WhatsApp, que anunciou a criptografia de ponta nas conversas dos usuários ao app, já mostrou ter falhas de segurança (leia quadro). Agora imagine que alguém consiga invadir o sistema e passe a chantagear as pessoas por ter tido acesso a conversas sigilosas. “É muito difícil uma pessoa se convencer que essa exposição pode causar um problema, mas isso acontece. E uma vez que algo é colocado na internet, dificilmente sairá de lá”, diz Marcus Reis, especialista em segurança.
Em 2015, a rede social Ashley Madison, que marcava encontro entre pessoas casadas ou comprometidas, foi hackeada, e os criminosos vazaram e usaram as informações para chantagear os usuários. Para não se expor tanto, a dica é compartilhar o menos possível informações na internet, como o número do celular, conversas privadas, fotos e manter o GPS desligado até o momento que seja realmente necessário usá-lo.
Talvez o roteirista britânico Charlie Brooker, de Black Mirror, não tenha delirado ao criar os 12 episódios da série, que já teve sua quarta temporada confirmada . “As próximas grandes guerras provavelmente estarão associadas a roubar informações e não mais ativos”, diz Rodrigo Tafner.
O nível de exposição Como os aplicativos e as redes sociais concentram as informações dos usuários
WhatsApp • Há uma uma falha na criptografia do aplicativo que permite que terceiros leiam as mensagens trocadas por usuários
Facebook • O WhatsApp compartilha as informações dos usuários com o Facebook e também sabe sua localização
• Possui o recurso “Amigos nas Imediações” que permite que a pessoa saiba onde os colegas estão
Waze • O aplicativo que funciona como um GPS tem um banco de dados com todas as rotas realizadas pelos usuários, além de seus horários
Uber • Como o Waze, tem as informações das rotas dos passageiros