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Baixa autoestima, falta de motivação, sono desregulado... uma sensação de vazio. São alguns dos sintomas da depressão, a doença símbolo do século XXI. Em muitos dos casos é, também, o fantasma por trás das 626 tentativas de tirar a própria vida, registradas em Campo Grande pela Sesau (Secretaria Municipal de Saúde). É por isso que setembro é um mês de alerta, acolhimento e prevenção.
O aumento de casos e o destaque de Mato Grosso do Sul, que ocupa a 3ª posição em casos de suicídio no país, motiva eventos que ocorrem neste mês para discutir o tema, ainda um tabu social. Quem explica as atividades é o Capitão do Corpo de Bombeiros, Capelão Edilson dos Reis, professor, pesquisador e Coordenador de Curso de Prevenção ao Suicídio do Hospital Universitário.
Entre os dias 11 e 12, a Capital sedia o XII Seminário de Promoção à Vida e Prevenção ao Suicídio da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), no teatro Glauce Rocha. Pela primeira vez, Campo Grande também terá uma caminhada que simboliza a prevenção, que ocorre no dia 29, na Praça Ary Coelho, às 8h. O evento terá palestras às 8h30 e a caminhada começa às 9h.
“É importante para que pessoas que estão passando por dificuldades se identifiquem. São pessoas com, por exemplo, síndrome do pânico e depressão. Muitas não procuram ajuda e a situação pode evoluir para surtos, perdas da realidade”, comenta Edilson.
Conforme explica, o tabu impede, muitas vezes, que as pessoas busquem ajuda, por isso a importância do acolhimento. “Essas pessoas precisam de ancoragem, apoio e acolhimento. Só assim haverá enfrentamento com seriedade. Importante que haja adesão aos tratamentos. O abandono desses tratamentos chega a 90% - porque tem a questão da falsa cura e frustração. Tem que romper a negação do problema... fase muito difícil”, explica.
Eu quase cheguei lá – Há um ano Patrícia, 27, foi se aprofundando em um abismo de onde via poucas saídas. Patrícia quase tentou suicídio, mas o acolhimento, o falar sobre, salvou sua vida. O que levou a jovem a pensar em tirar a própria vida, conta, foi um relacionamento abusivo. Ela sofria diversas agressões psicológicas.
O caso de Patrícia é o que acomete, muitas vezes, as mulheres, maioria nas tentativas de suicídio. Em Campo Grande, em 2017, foram 791. Este ano, até agora, 462.
“Eu acho que as mulheres se sentem culpadas. Eu me sentia culpada, porque não conseguia sair dessa situação, e aí após várias ameaças psicológicas perdi o gosto pela vida e achei que a única solução era tirar minha vida. Com estresse muito alto, parei de comer. Em duas semanas emagreci quase 8 quilos. Só sentia fome uma vez no dia, quase 15h”, contou.
O primeiro passo foi compartilhar a dor com um amigo. Foi então que, após indicação, Patrícia conheceu o Capelão e o curso de prevenção. Com ajuda psicológica, ela conseguiu recuperar a vontade de viver. No dia 10 de junho, “criou coragem” e deixou o relacionamento abusivo.
“Eu escolhi viver e vivo com qualidade. Amo estudar, trabalhar. Fiz acompanhamento com uma psicóloga, ajudou bastante”, comentou.
O demônio do meio dia - Andrew Solomon nomeou de “Demônio do meio dia” seu livro sobre a “anatomia” da depressão, uma analogia aos períodos mais difíceis do dia para o autor, que sofreu na própria pele com a doença. A depressão é, hoje, a doença que mais preocupa a OMS (Organização Mundial da Saúde). Em 2017, mais de 300 milhões de pessoas viviam com a doença, que foi a maior causa de incapacitação em todo mundo.
Levantamento da IMS Health mostrou que em 2016, o segmento de "antidepressivos e estabilizadores de humor" cresceu 18,2% em reais, o maior percentual entre todas as categorias pesquisadas. Esses medicamentos foram responsáveis por vendas de R$ 3,4 bilhões.
Em Campo Grande, dados da Sesau apontam 8.429 casos de episódios depressivos em 2017 e 4.899 casos de transtorno depressivo recorrente. Em 2018, até o mês de junho, os episódios já alcançam 5.562 e já são registrados 2.844 casos de transtornos recorrentes.
À frente do ambulatório de saúde mental do CEM (Centro de Especialidades Médicas) Adriana Freixes dos Santos afirma que são realizadas, em média, 800 consultas por mês na psiquiatria. A Sesau também foi a primeira Capital da região centro-oeste a estabelecer um Programa de Prevenção, que funciona no CEM. No Programa, nos acolhimentos, são cerca de 120 consultas.
Para a psicóloga, o aumento dos transtornos é um desafio. “Hoje a gente vê que tem aumentado cada vez mais a questão dos transtornos, sejam os transformo de humor ou de ansiedade, é uma questão de saúde pública”. Para ela, as tentativas de suicídio representam um aumento do que chama de “patologias do vazio”.
“São pacientes que estão sem objetivos. O acompanhamento vem para poder fazer rever os objetivos de vida, os valores. O que a gente vê é que as pessoas não estão preparadas para lidar com as frustrações, adiar satisfação, faz com que não tenham recursos internos para lidar e vai buscar esse alívio imediato. Hoje é bombardeado de informações imediatas, não somos preparados para lidar com esse simbólico que nos envolve”, comenta.
Ela afirma que a demanda por ajuda é constante, e tem aumentado. “Esse programa, temos tanto atendimento psiquiátrico quanto acompanhamento psicológico, atualmente estamos atendendo os pacientes que tentaram o suicídio”, explica.
Crianças
Notícia em Naviraí, um adolescente de 15 anos cometeu suicídio com uma arma de fogo na cidade a 366 km de Campo Grande, na segunda-feira (3). Na Capital, este ano, das 626 tentativas, 47 foram de crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos e 148 de adolescentes e jovens entre 15 e 19 anos. Para a psicóloga, o crescimento é preocupante e indica falta de dedicação dos pais em construir uma relação afetiva com os filhos.
“Não tem mais aquele momento de conversar com os filhos, esse não suporte afetivo, fica essa coisa vazia. Hoje dá tudo muito de imediato, não tem esse acolher, então a gente vê cada vez mais precoce, muito em conta dessa falta de afeto”, comenta.
Busque ajuda
A Sesau também intensifica as ações de prevenção durante esse mês. Quem sentir necessidade pode procurar ajuda dos CAPs (Centros de Atenção Psicossocial), serviços de urgência e emergência nos CRSs (Centros Regionais de Saúde), UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e UBSFs (Unidades Básicas de Saúde da Família).
Também é possível ligar em centrais de ajuda: GAV (141), CVV (188) e Corpo de Bombeiros (193).