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A morte do cantor Cristiano Araújo, em acidente de carro na madrugada de 24 de junho, causou bastante repercussão não apenas pela fatalidade que vitimou o músico e sua namorada, mas pelo debate que se viu na imprensa e nas redes sociais nos dias seguintes ao episódio. Os fãs de Cristiano se mostraram surpresos com quem afirmava desconhecer o artista. E quem, por sua vez, nunca tinha ouvido falar de Araújo, se espantou com o tamanho do sucesso do cantor.
Essa dicotomia levantou outra vez a antiga discussão sobre qual seria a música verdadeiramente popular no Brasil – e não apenas isso, mas sobre o valor artístico da música sertaneja – um dos gêneros musicais mais populares no País, com ressonância em todo o território nacional, do qual Cristiano Araújo era representante, especificamente, da vertente mais jovem desta tradição, a “universitária”.
O que se viu na maioria das discussões entre fãs e “detratores” após a morte do cantor pode ser resumido, grosso modo, como passionalidade de um lado e preconceitos do outro. Coincidentemente, foi com os ânimos de ambas as partes ainda esfriando que chegava às livrarias o livro Cowboys do asfalto, de Gustavo Alonso (leia entrevista).
Tivesse sido lançado há mais tempo, a publicação teria aumentado o nível do debate. Ao longo de mais de 550 páginas (100 delas apenas de notas e citações biográficas), Alonso – doutor em História pela Universidade Federal Fluminense e autor de Simonal – Quem não tem swing acorda com a boca cheia de formiga – se debruça em cima da trajetória da música sertaneja, desde a origem caipira no interior do Brasil até o sucesso internacional no novo milênio via Michel Teló.
Com base em rica pesquisa e dezenas de entrevistas, o livro ajuda a desmistificar uma série de ideias pré-concebidas e sacralizadas ao longo do tempo a respeito da música sertaneja, como, por exemplo, de que o gênero musical seria mero fruto da indústria cultural.
Aliás, antes de alcançar o auge de vendas de discos, no começo dos anos 1990, a música sertaneja trilhou caminho próprio, independente dos grupos de comunicação do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, da validação da crítica cultural (que, via de regra, a tratou com desdém), da intelligentsia (que pouco a estudou na academia) e dos defensores da pureza da música caipira (que a tinha como deformadora de uma tradição).
O autor conta como, tal qual a Tropicália, o gênero musical fez a absorção de ritmos estrangeiros como o rock americano e inglês (herança da jovem guarda), a guarânia paraguaia, a rancheira mexicana e o chamamé argentino, produzindo a hibridização responsável por sua modernização nos anos 1960 e 1970.
Mostra como não apenas os sertanejos, mas muitos representantes da MPB, tinham visão ufanista do Brasil e apoiaram o governo militar – no caso dos sertanejos, por conta de, entre outros motivos, programas sociais voltados ao campo, como ProRural e Funrural; por que a música sertaneja acabou associada à era Collor; e como uma música de protesto de Dalvan, da dupla com Duduca, ajudou Luiz Inácio Lula da Silva a se eleger deputado em 1986.
Em resumo, Cowboys do Asfalto mostra como o sucesso da música sertaneja não foi por acaso e por que ela é um produto cultural brasileiro tão legítimo quanto o samba, a bossa nova, a MPB e o rock brasileiro. O livro é leitura essencial para quem se propõe a entender a pluralidade da cultura brasileira e é, desde já, uma referência obrigatória no estudo da área (e não apenas da música sertaneja).