UOL/PCS
Composta hoje por 283 concessionárias, a rede de distribuidores Ford vai encolher para cerca de 120 lojas no Brasil após a companhia encerrar a produção local de veículos.
Devido à redução para menos da metade do volume atual, haverá em breve demissões. Enquanto isso, revendedores autorizados já negociam a migração para outras marcas. Os estoques de Ka, Ka Sedan e EcoSport, modelos nacionais que já deixaram de ser fabricados e vão sair de linha, vão terminar dentro de 30 a 40 dias.
As informações foram apuradas pelo UOL Carros junto aos concessionários da Ford. Procurada pela reportagem, a marca informou que "não irá se manifestar" a respeito das declarações.
Sob condição de anonimato, um tradicional revendedor, cuja família comercializa veículos da marca há mais de 50 anos, revela que foi "pego de surpresa" pela decisão, anunciada na segunda-feira passada simultaneamente para a imprensa e os concessionários.
Ele conta que a prioridade para os cerca de 160 revendedores autorizados que estão prestes a ser desligados é acelerar as tratativas com a montadora para o pagamento das respectivas indenizações.
O revendedor acrescenta que a Abradif (Associação Brasileira dos Distribuidores Ford) está contratando advogados para dar suporte jurídico durante o processo de negociação com a empresa - que passará a vender aqui exclusivamente veículos importados, posicionados em faixa de preço bem mais alta na comparação com os veículos que se despedem.
Os valores, pontua, vão variar de acordo com o faturamento de cada concessionária.
"Já vínhamos cobrando investimentos na fábrica de Camaçari (BA) para a chegada de um novo ciclo de produtos e a atualização da gama atual, que está defasada tecnologicamente. Porém, fomos surpreendidos por essa notícia".
Vender Ford era negócio 'sustentável'
O empresário destaca que a Ford "já firmou o compromisso" de ressarcir os concessionários, da mesma forma que fez ao encerrar a produção de caminhões em São Bernardo do Campo (SP) em 2019.
Também diz esperar que a companhia "tenha decência" para reconhecer o trabalho dos seus distribuidores - alguns dos quais, segundo ele, têm lojas com a bandeira Ford "há quatro gerações".
Apesar da pandemia do coronavírus e da falta de lucratividade alegada pela Ford enquanto fabricante de veículos no Brasil, o revendedor, que hoje tem sete lojas da marca, afirma que ser revendedor da marca era um negócio "sustentável", ao menos até a montadora anunciar o fechamento das suas três fábricas.
"A rede vinha operando com rentabilidade razoável, apesar do coronavírus e dos quase três meses com portas fechadas. As vendas eram muito alavancadas pelo agronegócio, por conta do posicionamento estratégico da Ranger, que seguirá em linha. Mesmo nos grandes centros urbanos, onde os distribuidores dependiam mais dos carros populares, a operação era sustentável".
Ele pontua que a Ford "passou a informação" de que pretende manter 120 concessionárias para prosseguir com o atendimento da garantia e os serviços de pós-venda.
No entanto, diz que um estudo encomendado pela Abradif aponta que o número ideal seria de "40 a 50" distribuidores - de forma a garantir que estes se mantenham rentáveis.
Citando o mesmo estudo, o revendedor destaca, ainda, que a expectativa é de que a Ford caia dos atuais 7,14% de participação de mercado para 1,4% de market share, "no máximo" - o que rebaixaria a marca ao mesmo volume de vendas de Mitsubishi e PSA.
Ele avalia que muitos lojistas irão migrar para outros fabricantes e os que ficarem terão de reforçar o negócio de carros usados, cujo preço tem subido - inclusive os produzidos pela Ford.
De acordo com o entrevistado, já existe movimentação rumo a outras marcas, como Volkswagen, Fiat, Jeep, Nissan e Caoa Chery.
Ele diz que, antes mesmo do fim da produção local, tem mantido contato com outras montadoras e remodelando algumas das suas lojas para viabilizar o atendimento a duas montadoras simultaneamente.
Acrescenta ter esperanças de que a Chery ou outra chinesa possa assumir as instalações de manufatura desativadas e também ao menos parte da rede de distribuidores.
'Carimbo na testa pela má gestão'
O empresário até cogita manter a parceria com a Ford, mas destaca que desde "três ou quatro anos atrás" já não tem mais confiança na operação brasileira da empresa e no rumo que ela tem tomado.
Além disso, diz que a oval azul "chegou a esse ponto por total incompetência de gestão da sua diretoria", citando Lyle Watters, presidente da Ford América do Sul, e Rogelio Golfarb, vice-presidente.
"A culpa é exclusivamente da diretoria. Não tiveram a capacidade ao longo dos anos de mudar a gestão da companhia, que se tornou pesada e lenta, com produtos obsoletos e sem estratégia. Após a venda da fábrica de São Bernardo, alugaram um prédio de 14 andares na capital paulista para abrigar a nova sede administrativa, com aluguel caríssimo, e agora só vão ocupar dois", critica.
Segundo o dono de concessionária, o relacionamento da Ford com a rede tem sido pontuado por "falta de respeito, dignidade e tratamento com as pessoas".
"Hoje os executivos da empresa têm um carimbo na testa pela má gestão. Eles foram os responsáveis pelo fechamento das fábricas no Brasil".