G1/LD
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), à qual o Museu Nacional, destruído em incêndio na noite de domingo (2), é vinculado, tem visto seu orçamento para despesas não obrigatórias (de onde sairia o dinheiro para a manutenção do museu, por exemplo) cair ano a ano desde 2013. Ao mesmo tempo, a parcela destinada aos gastos obrigatórios, como pagamento de salários e pensões, tem pesado cada vez mais nas contas da instituição. Em 2018, esse tipo de despesa chegou a 84% do orçamento.
Os dados são do Siga Brasil, que usa informações oficiais do orçamento da União. Mas os cálculos da correção pela inflação, entre outros critérios metodológicos, podem fazer os números variarem em relação aos apresentados pelo governo federal.
Já a verba separada para obras foi cortada pela metade entre 2017 e 2018. Seis anos atrás, 6% do orçamento foi destinado a esse tipo de despesa, o maior valor; neste ano, 1% do orçamento da universidade foi reservado para esse tipo de gasto.
Desde o incêndio que atingiu o Museu Nacional, governo federal e a UFRJ têm divulgado informações diferentes a respeito do orçamento. Enquanto o governo usa os valores totais, a UFRJ afirma que só tem poder de decidir como usar pequena parte desse montante, que são as despesas discricionárias, ou seja, não obrigatórias.
O orçamento da UFRJ pode ser 'dividido' da seguinte forma: os gastos com folha de pagamento a servidores da ativa e aposentados, que são obrigatórios por lei e geridos pelo governo federal, e os gastos com despesas não obrigatórias. Para essas despesas em 2018, a UFRJ previu um orçamento de R$ 388,2 milhões - dinheiro que poderia ser gasto em obras de manuteção, por exemplo.
Entenda abaixo o que representam essas diferenças e como é composto o orçamento da UFRJ:
Queda no orçamento
O governo afirma que tem repassado cada vez mais dinheiro à instituição. Na tarde desta terça-feira (4), o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, ressaltou que "a dotação orçamentária para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, considerando 2012 até 2017, aumentou 48,9%".
A comparação, porém, foi feita com base nos valores nominais, ou seja, não leva em conta a inflação no período de cinco anos. Considerando a inflação, a variação orçamentária da UFRJ entre 2012 e 2017 cai para 1,84%, segundo os valores disponíveis no portal Siga Brasil, mantido pelo Senado Federal com dados oficiais do sistema do orçamento público.
Ainda considerando a correção pela inflação, o orçamento total da UFRJ teve perda real nos últimos três anos de forma consecutiva, de acordo com os dados do Siga Brasil.
Tipos de despesa
Além disso, os valores usados pelo governo federal para comentar o repasse de verbas à instituição levam em conta todas as despesas dela, inclusive as que são obrigatórias por lei.
"Para se ter noção, o orçamento da UFRJ em 2017, o valor empenhado, efetivamente, foi de R$ 3.187.717.620", afirmou Padilha.
Ao G1, Roberto Gambine, pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da UFRJ, explicou que o valor total do orçamento inclui "uma despesa obrigatória do governo federal, e a UFRJ não tem competência legal do uso desse orçamento para usar como despesa de custeio".
De acordo com Gambine, o aumento das despesas obrigatórias não é provocado pela abertura de novos postos de trabalho. Ele decorre de um “crescimento vegetativo”, que inclui o aumento de salário gradual dos funcionários já existentes, que incorporam ao salário bonificações no decorrer da carreira. Além disso, essas despesas incluem o pagamento de pensão aos aposentados pela UFRJ, que são considerados gastos previdenciários, e não de educação.
Segundo o Siga Brasil, em 2017 o montante dessa despesa pessoal na UFRJ autorizada chegou a R$ 2.827.289.875, ou 83% do total do orçamento previsto, de R$ 3,39 bilhões.
Já o valor autorizado pelo governo e destinado ao custeio, ou seja, ao pagamento de luz, água, serviços de esgoto, segurança e transporte, entre outros, chegou a R$ 540.139.700. A esse valor se somam os R$ 25.799.074 de orçamento destinado a investimentos, ou seja, obras de reforma, construção ou compra de equipamentos, para completar o total da verba de despesas não obrigatórias.
De acordo com o Siga Brasil, esse foi o menor valor para esse tipo de gasto na UFRJ autorizado no orçamento desde 2010.
Repasses ao Museu Nacional
Sobre a participação do Museu Nacional no orçamento da UFRJ, Padilha apresentou dados que mostram uma redução nos repasses em cinco anos.
"Contrariamente a esse crescimento [do orçamento total da UFRJ], a dotação orçamentária que a UFRJ fez ao Museu Nacional, de 2012 para 2017, ela caiu 43,1%. Desse orçamento, apenas R$ 363.750, em 2017, foi destinado ao Museu Nacional", afirmou o ministro na tarde desta terça.
Padilha não especificou se usou dados corrigidos pela inflação. De acordo com Gambine, esse valor, em 2017, foi de R$ 346 mil, mas não representa o total de despesas do museu.
Segundo ele, os gastos fixos de custeio do Museu Nacional estão embutidos em contratos firmados diretamente pela Reitoria da UFRJ para todas as unidades (museus, faculdades, escolas e institutos) da universidade.
"Todas as despesas de funcionamento das unidades da UFRJ são custeadas pelo orçamento geral da UFRJ: água, luz, esgoto, limpeza, vigilância, limpeza, material etc.", explicou o pró-reitor.
Cabe às unidades, porém, contribuir para a economia dos recursos. Ao G1, Luiz Fernando Dias Duarte, diretor-adjunto do Museu Nacional, explicou que os funcionários do museu sofreram pressão para reduzir o gasto com energia, por exemplo, e que o museu chegou a passar alguns dias fechado por causa de problemas no contrato da UFRJ com os funcionários de vigilância e limpeza.
Já os demais gastos das unidades são distribuídos de acordo com uma matriz fixa que a UFRJ chama de orçamento participativo. Ela existe desde 2009 e inclui critérios como a área construída de cada unidade. "Isso gera um valor a ser distribuído a cada ano. O valor do museu é R$ 520 mil, mas não inclui as despesas de funcionamento", afirmou Gambine.
O repasse desse orçamento participativo às unidades, de acordo com ele, é feito em três parcelas ao longo do ano, mas, desde 2015, não houve dinheiro suficiente para a UFRJ depositar a terceira parcela.
Considerando o período entre 2013 e 2017, a queda no repasse desse orçamento participativo do Museu Nacional foi de 35%, de R$ 531 mil para R$ 346 mil – segundo Gambine, a UFRJ repassou a segunda parcela ao museu no início de julho.
UFRJ tem déficit crescente
De acordo com Gambine, o motivo da redução dos repasses, que afetou tanto o museu quanto as demais unidades, foi o crescente déficit que a UFRJ acumula desde 2015.
A origem desse déficit, explica ele, foi um contingenciamento de R$ 60 milhões durante as medidas de ajuste fiscal anunciadas pelo governo no primeiro semestre de 2015. "O outro evento que criou déficit crônico foi o aumento da conta de energia", disse o pró-reitor. Segundo ele, a previsão da UFRJ era gastar cerca de R$ 25 milhões em energia durante 2015, mas os gastos chegaram a R$ 46 milhões no fim do ano, motivados pela política de bandeira vermelha tarifada.
A UFRJ afirma que fechou 2017 com um déficit de cerca de R$ 115 milhões, e estima que, neste ano, ele pode chegar a R$ 160 milhões.
"No final do ano obrigatoriamente as despesas são levadas para o orçamento do ano seguinte. Isso acaba impactando o orçamento."
Nesta terça-feira, o G1 percorreu outras unidades da UFRJ e registrou obras inacabadas, fiações expostas e vergalhões à mostra. A verba para a realização de adequações a essa infraestrutura sai do orçamento de investimento, que não é obrigatório e sofreu corte de 51% entre 2017 e 2018.