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Esportes
26/02/2016 10:45:00
Bastidores: demissão de Baptista expõe racha e antecipa eleição no Flu

Globo Esporte/LD

O vice-presidente de futebol Mário Bittencourt demite o técnico Eduardo Baptista, é retirado do cargo em seguida, o diretor executivo Fernando Simone também acaba afastado por 30 dias e ninguém mais sabe se o treinador de fato estava fora. A frase é longa e confusa, mas representa bem o que foi o dia 25 de fevereiro no Fluminense. A dúvida durou de 11h34, quando o GloboEsporte.com publicou a queda de Baptista, até 18h, momento em que o presidente Peter Siemsen enfim confirmou a demissão. Com o racha entre os diretores do futebol e o mandatário, ocasionado por problemas financeiros e agravado pela recente má fase dentro de campo, o clube das Laranjeiras antecipou a disputa eleitoral marcada para a segunda quinzena de novembro.

A queda de uma só vez dos três principais nomes do futebol, definida por Peter, é um indício do que irá ser o dia a dia tricolor até a votação. Mesmo com a saída, Mário tentará ser presidente. Celso Barros, antigo patrocinador, também promete concorrer. Conselheiros da Flusócio, maior grupo político, tentam construir uma terceira via. E o futebol fica à margem da intensa disputa.

  • Está caindo tudo nas Laranjeiras hoje (quinta-feira), até os quadros das paredes - resumiu uma pessoa ligada à diretoria.

E a movimentação promete continuar. Em busca de reposição, o Flu tenta Levir Culpi. O ex-treinador do Atlético-MG é o preferido de Peter para o cargo. Nos bastidores das Laranjeiras, há quem diga que os primeiros contatos começaram há mais de duas semanas. O presidente nega. Cuca, também com recente passagem pelo Galo, é uma alternativa. E Jorge Macedo, gerente executivo do Internacional, o alvo para ser o novo responsável pelo futebol tricolor.

Faixas em Brasília

Letras garrafais, letras da discórdia. Na passagem mais recente do Fluminense por Brasília, um pequeno grupo de torcedores exibiu duas faixas na porta do hotel que hospedou a delegação. Ambas endereçadas ao então vice de futebol do Tricolor, Mário Bittencourt. “São Mário...obrigado!!!” e “Mário para presidente”, diziam os textos. O dirigente, dispensado do cargo nesta quinta-feira, leu ambas e foi cumprimentar os autores. Um deles estava tão empolgado diante de Mário que, ao abraçá-lo, chegou a dar leves cabeçadas no então homem forte do principal departamento do clube. Uma dor de cabeça que não passou.

Peter Siemsen também estava na capital federal para o Fla-Flu e presenciou a cena. Ele, no entanto, não compartilha do desejo daqueles torcedores. As faixas foram assunto nas correntes políticas das Laranjeiras. Houve quem sugerisse a Peter que Mário impedisse os fãs de exibirem as faixas. O “conselho” chegou aos ouvidos de Mário, que alegou não ter qualquer contato prévio com aquela turma. Os dois fizeram lado a lado o trajeto da porta do hotel até o ônibus, e o mandatário tentou esconder o constrangimento. Não teve como.

Peter relacionou a saída de Mário ao desejo do dirigente de disputar a eleição presidencial do Tricolor, que será realizada em novembro deste ano. O mandatário justificou a decisão de exonerar o vice de futebol por este, no seu entendimento, confundir as atribuições do departamento com ambições políticas. Um desfecho previsível para uma relação marcada por altos e baixos.

  • Política gera conflitos e debates em ano eleitoral. Com rede social, cada um faz a sua campanha. Estava cada vez mais claro que existia uma potencial candidatura e movimentos políticos, mas que não estão de acordo com o trabalho específico do futebol. Por isso, várias pessoas que já ocuparam esse cargo saíram antes do fim do mandato. Com a experiência que tive com outros, achei melhor mudar - disse Peter durante entrevista na quinta-feira.

Atritos entre Mário e Peter passaram a ser constantes no ano passado. Houve um momento em que o presidente chegou a esvaziar o vice de futebol. Foi assim, por exemplo, na apresentação de Eduardo Baptista. Virou queda de braço. A situação ainda piorou recentemente com os problemas financeiros do clube. Depois dos altos gastos no início do ano, os principais deles comandados pelo próprio Peter (como as contratações de Henrique e Richarlison), o presidente mandou fechar a torneira. Mais do que isso: pediu para Mário e para o diretor executivo Fernando Simone cortarem gastos no futebol e pressionava a dupla por isso.

O buraco no orçamento é de cerca de R$ 8 milhões. É preciso tirar jogadores jogadores considerados caros e pouco efetivos da folha ou então vender algum atleta - Marlon é a bola da vez. Peter chegou até a eleger dois atletas que deveriam sair. O orçamento de 2016, aliás, deverá ser o primeiro dos cinco anos de gestão do presidente a conter uma previsão de venda de jogador, algo subjetivo.

Queda de braço

O presidente, que nunca mostrou-se entusiasta da candidatura de Mário, tentou se impor em vários momentos, mas esbarrou na resistência do vice de futebol. Apesar de se colocar como o principal responsável pela contratação de Eduardo, o presidente perdeu a paciência com o técnico logo após a primeira derrota da equipe no Campeonato Carioca. Ali, já queria vê-lo fora das Laranjeiras - por mais que seja adepto da filosofia de apostar em técnicos baratos como Cristóvão, Ricardo Drubscky, Enderson Moreira e o próprio Baptista. Bittencourt foi contra.

Em conversas informais e em entrevistas, Mário sempre ressaltou que a ideia era apostar no trabalho de longo prazo do treinador. Mas mudou de ideia após as últimas apresentações. O discurso desmotivado no vestiário após a derrota para o Botafogo contribuiu ainda mais para selar o destino no técnico. O vice tentou contato com o mandatário, mas não foi atendido. Com a informação que deveria ser exonerado do cargo no retorno ao Rio, decidiu, então, demitir Eduardo Baptista e fazer contato com Eduardo Uram, empresário do técnico Cuca.Peter não estava fora de área ou com o aparelho celular descarregado. O presidente, que já havia decidido tirar o vice-presidente de futebol e afastar o diretor executivo, ficou no aguardo da medida que Bittencourt tomaria - ainda assim ele garante ter trocado mensagens com Mário e marcado uma reunião para a última quinta. O duelo ganhava um novo episódio ali. A nota oficial do clube não trazia a confirmação da saída de Eduardo, mas sim a do vice-presidente. Já Simone, a quem Peter se referiu com carinho na entrevista, foi afastado por 30 dias e retirado da pasta. Deve ser realocado para funções administrativas.

  • Falei com o Mário por mensagem depois do jogo e combinamos de decidir hoje. O combinado era esse. Trocamos várias mensagens. Defini que a gente iria conversar pessoalmente no Rio após o desembarque da equipe. Essa era a forma adequada de enfrentar um momento difícil. Era como deveria acontecer. Eu iria comunicar a saída do Mário, do Simone e depois falaria com o Baptista, que estava em Campinas - disse Peter.A possível candidatura de Mário Bittencourt não tem o apoio da Flusócio, principal grupo político do Fluminense que ajudou a eleger Peter duas vezes. Na visão de membros do grupo, Mário não se encaixa no perfil controlável desejado. O posto de candidato da situação está vago. O vice-presidente de Projetos Especiais, Pedro Antônio Ribeiro da Silva, também é figura neste jogo de xadrez. Pedro e Mário se estranharam em vários momentos, e o homem forte do CT tricolor, dono dos cheques que custeiam a obra, é contra a candidatura do advogado.

As dificuldades na relação entre Peter e Mário tornaram-se robustas principalmente por conta dos perfis dos dirigentes. A forma como Peter conduz o clube, com decisões intempestivas e constantes mudanças de ideias, encontrou resistência de Bittencourt, conhecido pela gestão ambiciosa e explosiva, muitas vezes além da conta e considerada por membros da diretoria e ex-dirigentes como uma estratégia equivocada. Criou-se o choque. Mas a relação não está acabada. Mário continua sendo o advogado do Fluminense e quer virar presidente.