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Documentos obtidos pelo GloboEsporte.com indicam que a Odebrecht e duas empresas que atuaram na construção da Arena Corinthians dividiram entre elas dinheiro que deveria ter sido usado na obra do estádio. Tal situação ocorreu com o consentimento do arquiteto contratado pelo Corinthians para atuar como fiscal das obras e representante do clube.
Como o GloboEsporte.com revelou na semana passada, o arquiteto Jorge Borja, que trabalhava para o clube, também recebeu dinheiro da Odebrecht durante a construção do estádio. Financiado pelo BNDES e pela Caixa Econômica Federal, o estádio custou R$ 1,2 bilhão e enfrenta problemas de segurança. A Odebrecht nega irregularidades nos contratos e afirma que, na hipótese de sobras, o dinheiro era reinvestido na obra.
Uma cláusula nos contratos da Odebrecht com as empresas Temon (instalações hidráulicas e elétricas) e com a Heating amp;amp; Cooling (ar-condicionado) determinava que, se os custos do serviço fossem menores do que o previsto, a economia de dinheiro seria dividida entre a empreiteira e as fornecedoras.
Os acertos constam de ordens de serviço a que a reportagem teve acesso e que contrariam o contrato principal entre Odebrecht e Corinthians para a construção da arena. Este acordo, assinado em 2011 pelo então presidente Andrés Sanchez, definiu que o dinheiro eventualmente economizado seria realocado para pagamentos de outras despesas da obra.
No caso da Temon (um contrato de R$ 31,5 milhões), as "melhorias" seriam assim divididas: 55% para a Odebrecht, 45% para a Temon.
No caso da Heating amp;amp; Cooling (dentro de um contrato de R$ 11,8 milhões), o dinheiro que sobrasse seria dividido em partes iguais (50% para cada) entre empreiteira e Hamp;amp;C.
A Odebrecht e Heating amp;amp; Cooling negam irregularidades. A Temon não respondeu aos contatos da reportagem. Andrés diz que não sabia das cláusulas entre as empresas.
Entenda o caso
Em 3 de setembro de 2011, o Corinthians contratou a Odebrecht para construir seu estádio por R$ 820 milhões – valor que aumentaria para R$ 1,2 bilhão, por causa de juros e aumentos. Em 29 de novembro daquele ano, um aditivo ao contrato original passou a disciplinar o uso do que se convencionou chamar de "verba orçamentária".
Essa "verba orçamentária" estava inicialmente estimada em R$ 299 milhões e destinava-se à compra de produtos e serviços de empresas terceirizadas – uma lista de 46 itens, como portas, janelas, o gramado do estádio, iluminação e vários outros produtos e serviços.
Um segundo aditivo, assinado em 14 dezembro de 2011, transferiu do clube para o Arena Fundo de Investimento Imobiliário, que tem a Odebrecht como uma das principais acionistas, "todos os direitos, responsabilidades e obrigações do contrato, sem quaisquer ressalvas".
O contrato entre clube e empreiteira previa uma estimativa de gastos com cada item das "verbas", mas também já previa que poderia haver variações nos preços, para mais ou para menos, de acordo com o andamento da obra.
Por isso, o texto do primeiro aditivo previa duas situações:
1) se fosse necessário gastar mais do que previsto, as partes (clube e construtora) precisam entrar em acordo sobre o que fazer. O clube pode autorizar o aumento nos gastos ou aceitar produtos de menor qualidade.
2) se algum item custar mais barato do que o previsto, essa sobra de dinheiro deve voltar para uma conta da obra, até para poder ser gasto nos itens que viessem a custar mais do que o estimado.
Esta parte do acordo foi descumprida pelo menos duas vezes, nas contratações de empresas de ar-condicionado e de instalações hidráulicas e elétricas.
As duas ordens de serviço têm o carimbo do Corinthians e a assinatura do arquiteto Jorge Borja.
O ex-presidente do Corinthians e deputado federal Andrés Sanchez (PT-SP), até hoje responsável pelo estádio, afirmou que o dinheiro eventualmente economizado deveria voltar para a conta da obra:
– Ele (Borja) foi contratado pelo clube para ser o fiscal da obra em nome do Corinthians, ou seja, para acompanhar a execução da obra, os contratos e tudo mais. Isto também era muito importante para os itens de verba, porque para se gastar mais do que constava, tinha que ter a aceitação do clube. Quando se gastava menos, a diferença tinha que voltar para o saldo das verbas. Com certeza isso está na auditoria geral da obra que está sendo feita.
O diretor de contratos da Odebrecht, Ricardo Corrégio, afirmou que as cláusulas tinham a intenção de estimular as fornecedoras a apresentarem alternativas que barateassem a obra, mas que elas nunca foram aplicadas na prática. Segundo Corrégio, qualquer eventual economia voltaria ao Corinthians para utilização em outros itens da construção.
– Esses benefícios nunca ficariam incorporados à Odebrecht, mas ao que seria contabilizado na lista de verbas orçamentárias. Por que aqui (no contrato) não fala do Corinthians? Porque esse contrato é entre a Odebrecht e a Temon, mas é óbvio que um eventual ganho nisso não seria para a Odebrecht, seria para os valores contabilizados na lista de verbas orçamentárias.
Em nota enviada ao GloboEsporte.com, Borja afirma que foi contratado pelo clube para prestar "serviços de supervisão e fiscalização das obras do estádio".
– Nesse contexto, foram assinados contratos de prestação de serviços dos itens identificados no contrato celebrado entre a Odebrecht e o Corinthians como "verbas orçamentárias", sempre buscando as especificações, preços e prazos necessários à construção da Arena – disse Borja.
O arquiteto declarou ainda que seu trabalho era acompanhado por duas pessoas que então trabalhavam no clube – Caio Campos e Breno Felício – além do advogado Ivandro Sanchez, do escritório Machado Meyer.
Sanchez não respondeu aos telefonemas e mensagens do GloboEsporte.com. Campos e Felício afirmaram que não participavam das contratações de empresas terceirizadas, tanto que seus nomes não aparecem nos contratos.
A Heating amp;amp; Cooling alega que não tem informações sobre o contrato entre Corinthians e Odebrecht, e que a divisão prevista no acordo da empresa com a construtora é praxe no mercado, mas que não houve excedentes na construção da Arena.
Procurado, Rodrigo Cavalcante, sócio da BRL Trust, que administra o fundo imobiliário que é dono do estádio, não se manifestou. A Temon Instalações Elétricas também não respondeu aos e-mails e telefonemas do GloboEsporte.com.