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As águas de março não vieram fechando o verão, como pretendia o clássico de Tom Jobim. Com chuvas abaixo da média em quase todo o país nos primeiros três meses do ano, o governo pretende adotar medidas para reduzir o consumo de energia, embora o Brasil ainda atravesse a maior recessão de sua História. Nos últimos dois anos, o brasileiro já pagou quase R$ 18 bilhões em sobretaxa na conta de luz, com a adoção do sistema de bandeiras tarifárias, de acordo com levantamento da Compass Energia realizado a pedido do GLOBO. O valor equivale a praticamente tudo que foi investido na construção da usina de Jirau, em Rondônia, uma das maiores hidrelétricas do país: R$ 19 bilhões. Mas a conta ainda está longe de fechar.
A bandeira tarifária repassa para o consumidor o aumento do custo da energia, que ocorre quando é necessário acionar usinas termelétricas. A expectativa dos analistas é que a bandeira vermelha passe do patamar 1, como está atualmente, para o nível 2, em maio, fazendo com que o valor cobrado a cada cem quilowatts-hora (kWh) consumidos passe de R$ 3 para R$ 3,50.
Para reduzir custos e preservar o nível dos reservatórios, o governo criou um grupo de trabalho a fim de desenvolver iniciativas como uma campanha nacional para alertar consumidores quanto ao uso racional de energia. Outra hipótese em estudo é importar do Uruguai. A informação foi revelada ao GLOBO pelo diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata.
— A capacidade de importação é de cerca de 400 megawatts médios. Outra iniciativa é a possibilidade de colocar em operação algumas usinas termelétricas de custo mais baixo e que estão paradas, em manutenção. O objetivo é tornar a situação mais confortável. Não há previsão de chuva no Rio São Francisco, que passa pelo seu quinto ano de recessão hídrica. No Brasil, a perspectiva é que nos próximos meses, no período seco, tenhamos chuvas abaixo da média — adiantou o diretor-geral do ONS.
A previsão é que o nível dos reservatórios das regiões Sudeste/Centro-Oeste, responsáveis por cerca de 70% do armazenamento no país, passe dos atuais 41% para cerca de 20% em novembro, quando acaba o chamado período seco (com poucas chuvas). O patamar será menor que o de 2001, ano de racionamento de energia, quando estava em 37%.
Apesar do cenário, Barata, do ONS, descarta qualquer risco de racionamento. Segundo ele, o país tem capacidade instalada de 140 mil MW, suficiente para atender a demanda do país. O problema, diz ele, é o custo. Para compensar a falta de água, é preciso acionar mais termelétricas. Por isso, foi criado o grupo de trabalho no Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), do Ministério de Minas e Energia, que vai iniciar os estudos nesta semana e terá um prazo curto para apresentar as soluções.
— Temos capacidade, mas falta combustível, que é a água. A dependência da chuva reduziu, mas não acabou. A hidrologia está aquém da média. A energia vai ficar mais cara. É essa a informação que queremos passar para a população. O movimento do uso racional tem que ser generalizado. Quem sabe a gente não consegue sensibilizar para fazer essa campanha do bem. Precisamos construir uma matriz que dê conforto e que aumente a geração térmica. Vamos identificar um percentual ideal na matriz — disse Barata.
Segundo o ONS, as hidrelétricas respondem por cerca de 76% da geração de energia elétrica atualmente, contra apenas 15,5% das térmicas, além das eólicas (com 5,3%) e nuclear (3%). O consumo diário está na faixa dos 67 mil MW.
VOLUME DE PROJETOS CAI PELA METADE
Para especialistas, a falta de chuvas foi decisiva para o cenário atual, mas não é o único fator. De acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o volume de novos projetos de energia vai cair pela metade neste ano em relação ao ano passado. A previsão é que a quantidade de megawatts adicionados ao sistema passe de 9.500 MW para 4.400 MW. Haverá redução da quantidade de projetos de hidrelétricas, eólicas e até termelétricas. Segundo Roberto D’Araújo, do Instituto Ilumina, faltam novos investimentos em geração de energia no país.
— Houve falta de planejamento, já que o governo precisou acionar a bandeira vermelha mesmo com o mercado de consumo parado há três anos. Não estou dizendo que não se deveria usar térmicas. Estou dizendo que se o planejamento não estivesse com esse viés otimista, já deveríamos ter mais usinas. O uso de térmicas foi sendo adiado e agora estamos com reserva baixa — disse Araújo.
Para João Carlos Mello, presidente da consultoria Thymos Energia, mesmo com a demanda de energia praticamente estagnada, o aumento da geração de energia termelétrica é necessário:
— A situação é crítica. Vamos ter bandeira vermelha ao menos até o fim do ano. Precisamos torcer para a carga (consumo) não crescer. O consumo de energia do país está nos níveis de 2012 e 2013, por causa da recessão. O volume de chuvas foi muito baixo, obrigando a redução da geração hídrica e o acionamento de termelétricas.
CUSTO POLÍTICO
Mello cita ainda a falta de linhas de transmissão, que não tiveram as obras concluídas, o que impede que a energia de novas usinas, como a de Belo Monte, no Pará, chegue à Região Sudeste, principal centro de consumo do país. Para ele, a situação do setor elétrico seria menos crítica caso o governo já tivesse adotado uma campanha para reduzir o consumo.
— A crise hídrica levou os reservatórios a um nível muito baixo. Se lá atrás tivéssemos feito uma campanha de redução de consumo voluntário, teríamos um bom resultado, mas isso não foi feito por questões de interesse político. Desde 2012 nunca choveu o suficiente, e os reservatórios foram sendo reduzidos em excesso. O risco de racionamento não existe, porém existe uma grande chance de se gastar mais uma vez muito dinheiro com as térmicas — disse Mello.
Esse custo extra com as térmicas é repassado aos consumidores por meio do sistema de bandeira tarifária. O regime reflete o maior uso das usinas térmicas, que têm um custo de geração maior em relação às usinas hidrelétricas e são acionadas quando o nível dos reservatórios atinge um nível baixo.
Marcelo Parodi, sócio da consultoria e comercializadora Compass Energia, destacou que, desde 2013, o país tem tido clima seco, com exceção do ano passado. Segundo Parodi, não existe risco de faltar energia no país, mas de se ter um custo cada vez maior com o acionamento de termelétricas.
BANDEIRA VERMELHA 2 EM MAIO
Para Parodi, no cenário atual seria difícil incentivar o consumo, contando com chuvas futuras, pois, caso isso não aconteça, o custo para a sociedade poderia ser bem maior com um eventual racionamento.
— Hoje, não há risco de ter falta de energia, pois a gente tem excesso de capacidade instalada em relação ao que o país consome. Mas para gerar a energia que a sociedade precisa, e numa quantidade inferior em razão da crise econômica, a geração está se dando por meio de termelétricas, a um custo mais alto. Por isso, o brasileiro vem pagando mais caro nas contas de luz com o sistema de bandeiras tarifárias desde 2015. Se o nível de chuvas continuar baixo de maio em diante, quando começa o chamado período seco, não vai ser possível recuperar o volume de água nos reservatórios. Vamos continuar com a bandeira vermelha ao menos até novembro — disse Parodi.
Segundo Cecília Lupatini, analista de mercado do Grupo Safira, a bandeira vermelha vai atingir o patamar 2 já em maio. A principal razão, destaca ela, é o baixo nível de chuvas no país. Ela lembra que a Região Sudeste obteve no primeiro trimestre um volume de chuvas de apenas 69% da média histórica e que a Região Nordeste — que representa 18% da capacidade de armazenamento do país — contou com apenas 28% da quantidade de chuvas em relação à média dos últimos anos. Já na Região Sul — que representa 7% da capacidade de água acumulada nas usinas do país — o volume de chuvas veio 115% acima da média do primeiro trimestre.
— Os reservatórios não chegaram em um nível adequado durante o período de chuvas. O governo estava esperando as águas de março, mas elas não vieram. E a tendência agora é que não venham mais chuvas. Por isso, as termelétricas foram acionadas, e a bandeira vermelha está no patamar 1. A expectativa é que, a partir do próximo mês, a bandeira vermelha chegue ao patamar 2. Isso vai acorrer porque o governo mudou o modelo de análise, tornando a previsão mais conservadora. Ou seja, as térmicas passarão a ser acionadas com mais antecedência daqui para frente — prevê Cecília.