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O resgate de 17 pessoas – entre elas indígenas, adolescentes e paraguaios – em situação de escravidão ocorrida em 15 de dezembro em uma fazenda de gado de Porto Murtinho, a 440 km de Campo Grande, foi uma das 4 ações de resgate realizadas em 2020 em Mato Grosso do Sul.
Apesar de ser um número pequeno, ele mostra que a situação está se tornando endêmica no Estado, que depende de ações aleatórias para fiscalizar este tipo de crime, considerado hediondo.
O procurador do MPT (Ministério Público do Trabalho), Paulo Douglas Almeida de Moraes, explicou que a prática está crescendo entre os grandes fazendeiros na fronteira de MS com o Paraguai. “Obviamente porque temos sentido um problema de pouco investimento no aparelho de repressão nesse tipo de crime. Temos aí até um estímulo pela omissão”, pontuou.
Conforme o procurador, o problema é combatido apenas por um pequeno grupo de fiscais do trabalho no Estado. “Embora nossa fiscalização seja comprometida, é um pequeno grupo, não faz milagre. Precisa de envolvimento institucional e não ficar baseado em heroísmo pessoal. Precisamos de atuação mais ampla envolvendo outras instituições e de maneira coordenada”, analisou.
“Não tem concurso para auditor fiscal do trabalho há muitos anos. É uma opção de estado não investir em aparelho repressor para inibir o trabalho escravo”, comentou o procurador do MPT, Paulo Douglas Almeida de Moraes.
Falta de oportunidades Esses três grupos citados no começo da reportagem acabam sendo vítimas deste tipo de crime por serem mais vulneráveis. Para eles, faltam opções e a ‘oportunidade de trabalho’ que aparece é nessas condições precárias.
“A situação é tão grave em relação aos indígenas, que temos notícia de indígenas trabalhando no cultivo da maconha no Paraguai. É uma situação muito séria”, informou o procurador.
E completa: “Eles ficam confinados na aldeia sem oportunidade de trabalho até alguém oferecer uma oportunidade a essas pessoas. Precisamos de políticas públicas comprometidas”, finalizou.
Um dos fiscais que coordenou o resgate na fazenda de Porto Murtinho, Antônio Parron, explicou que a vulnerabilidade social é uma questão que colabora para esta prática criminosa. “A pessoa não tem qualificação profissional nem escolaridade, então o que surge elas pegam”, analisa.
O aliciamento de trabalhadores paraguaios também é uma estratégia dos criminosos. “Falam que eles estão irregulares aqui e que não podem ficar fazendo denúncia”, informa.
Assim, esses trabalhadores acabam sendo submetidos a condições extremas. “Uma vez, trouxeram uma denúncia de que, em uma fazenda, os trabalhadores estavam bebendo água no mesmo açude que as capivaras tomavam banho e faziam suas necessidades”, lembrou.
Resgates não retratam a realidade A afirmação feita pelo procurador do MPT de que o trabalho escravo está crescendo e é recorrente em fazendas de gado na fronteira de MS com o Paraguai não retrata o número efetivo de casos encontrados pela fiscalização.
Isso porque, segundo Parron, foram 16 denúncias de trabalho escravo recebidas em todo o ano de 2020, sendo que apenas 4 se confirmaram. “Somos muito criteriosos para condicionar o trabalho escravo. São processos demorados, por exemplo, daqui 10 anos ainda estará um processo de hoje tramitando na Justiça Federal”, argumentou.
O auditor explica que o processo tem que ser bem consistente, com provas concretas caracterizando o trabalho escravo para que não se reverta em ação de danos morais.
Denúncia O trabalhador que quiser fazer alguma denúncia pode utilizar o aplicativo MPT Pardal, disponível para Android e IOS ou o site do Ministério Público do Trabalho (https://mpt.mp.br/pgt/servicos/servico-denuncie). A pessoa interessada pode fazer uma denúncia anônima, sem identificação.
O governo federal também disponibiliza um canal de denúncias, que pode ser acessado pelo link https://denuncia.sit.trabalho.gov.br/home.