Geral
23/01/2014 10:11:36
Após um ano, 90 sobreviventes da Kiss ainda preocupam médicos
Como uma árvore que possui galhos finos e altos, quase escondidos, o pulmão de pelo menos 90 sobreviventes do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, ainda tem áreas intocadas e infectadas pela fuligem da fumaça tóxica.
G1/LD
Imagens mostram o pulmão de um dos feridos no incêndio na casa noturna antes e depois da limpeza realizada com o broncoscópio (Foto: Reprodução/RBS TV)
\n O Ciava foi formalizado quase quatro meses após a tragédia da boate Kiss. Antes\n disso, voluntários realizavam os atendimentos desde 18 de fevereiro. A Força\n Nacional do SUS esteve na cidade nos primeiros dias após a tragédia e auxiliou\n no processo de implantação do centro.\n \n "A\n Força atuou aqui nos primeiros dias, depois esteve aqui durante os mutirões\n [até maio de 2013] e agora, como é do papel da própria Força, faz conosco as\n avaliações do acompanhamento dos sobreviventes", pontua a coordenadora do\n Ciava enfermeira Soeli Guerra.\n \n Passado\n um ano de atuação, o centro soma mais de 4 mil atendimentos, todos pelo Sistema\n Único de Saúde. O banco de remédios disponível para os envolvidos no incêndio\n também se localiza ali, apesar de ser uma atribuição do governo do estado.\n \n Para\n Soeli, a necessidade de agilidade foi um dos fatores principais para centralizar\n a distribuição, evitando que os pacientes precisassem se descolar até a 4ª\n Coordenadoria Regional da Saúde, como os pacientes comuns do SUS normalmente\n fazem no município.\n \n "Seria\n muito presunçoso dizer que não tivemos problemas ao longo deste um ano. A\n liberação de medicamentos segue um fluxo previsto em lei e isso foi revisto.\n Criamos um especial para liberar mais rapidamente. Junho, julho e agosto foram\n meses críticos disso", relembra Soeli, sobre as reclamações de\n sobreviventes para conseguir as medicações.\n \n "Outra\n queixa era a avaliação dos queimados em Porto Alegre. Trouxemos para Santa\n Maria e isso minimizou bastante. E também, a partir de julho, a Associação de\n Familiares e Vítimas da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) se inseriu e começou a\n ser a interlocutora dos que precisavam de atendimento. Eles fazem parte do\n núcleo gestor do Ciava", diz.nbsp;\n \n Além\n do atendimento físico, familiares e sobreviventes também têm acompanhamento\n psicossocial desde a tragédia. O Acolhimento, como é chamada a casa localizada\n no Centro de Santa Maria, realizou cerca de 4 mil atendimentos individuais ao\n longo de 2013.\n \n De\n acordo com o psiquiatra e coordenador do projeto, Volnei Dassoler, a tragédia\n apresenta maior potencial traumático por envolver jovens.\n \n "Não\n quer dizer que as pessoas não retornaram à rotina da sua vida, como os estudos,\n o trabalho, os passeios, mas isso nãonbsp; significa que está sendo feito\n tranquilamente. O luto não pode ser pensado como um processo com tempo\n pré-determinado", explica Dassoler.\n \n O\n serviço disponibilizado pela prefeitura municipal também segue o termo de\n vigência de cinco anos. Das 900 pessoas com registro em prontuário no ano de\n 2013, aproximadamente 200 seguem com algum tipo de acompanhamento, normalmente\n realizado em sessões de terapia individuais.\n \n "A\n partir do mês de agosto, propomos a realização de algumas oficinas como\n artesanarto, cinema e relaxamento. Posteriormente, avaliamos que essas formas\n de expressão e tratamento não deveriam estar concentradas em um serviço de\n saúde, mas que deveriam ser buscadas na extensão já instalada da cidade",\n disse Dassoler.\n \n Outro\n serviço disponibilizado pelo Acolhimento é a equipe de psicólogos e assistentes\n sociais, que acompanha os familiares e sobreviventes nas audiências do processo\n criminal que tramita na justiça local.\n \n Entenda
\n O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do\n Sul, ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia matou 242\n pessoas, sendo a maioria por asfixia, e deixou mais de 630 feridos.\n \n O\n fogo teve início durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira e se\n espalhou rapidamente pela casa noturna, localizada na Rua dos Andradas, 1.925.\n \n O\n local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é que mais de 800\n estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que\n contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, são: o material empregado para\n isolamento acústico (espuma irregular), uso de sinalizador em ambiente fechado,\n saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de ar\n inadequada.\n \n Ainda\n estão em andamento dois processos criminais contra oito réus, sendo quatro por\n homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e os\n outros quatro por falso testemunho e fraude processual. Os trabalhos estão\n sendo conduzidos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada. Sete bombeiros também estão\n respondendo pelo incêndio na Justiça Militar. O número inicial era oito, mas um\n deles fez acordo e deixou de ser réu.\n \n Entre\n as pessoas que respondem por homicídio doloso (com intenção), na modalidade de\n "dolo eventual", estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr\n (Kiko) e Mauro Hoffmann, além de dois integrantes da banda Gurizada\n Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano\n Bonilha Leão. Os quatro chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio,\n mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em maio do ano passado.\n Entre os bombeiros investigados, está Moisés da Silva Fuchs, que exerceu a\n função de comandante do 4° Comando Regional de Bombeiros (CRB) de Santa Maria.\n \n Atualmente,\n a Justiça está em fase de recolher depoimentos dos sobreviventes da tragédia. O\n próximo passo será ouvir testemunhas. Os réus serão os últimos a falar sobre o\n incêndio ao juiz. Quando essa fase for finalizada, Louzada deverá fazer a\n pronúncia, que é considerada uma etapa intermediária do processo.\n \n Se\n o magistrado "pronunciar" o réu, ele vai a júri (a pronúncia é a\n ordem para ir a júri). Outra possibilidade é a chamada desclassificação, quando\n o juiz não manda o réu para júri, mas reconhece que houve algum tipo de crime.\n Nesse caso, a causa será julgada sem júri. Também existe a chance de absolvição\n sumária dos réus. Em todas as hipóteses, cabe recurso.\n \n No\n âmbito das investigações, três delas estão sendo conduzidas pela Polícia Civil.\n Além dos documentos sobre as licenças concedidas à boate Kiss, um inquérito\n apura as atividades da empresa Hidramix, responsável pela instalação de barras\n antipânico na boate, e outro analisa uma suposta fraude no documento de estudo\n de impacto na vizinhança do prédio onde ficava a casa noturna. O Ministério\n Público, por sua vez, investiga as responsabilidades de servidores municipais\n na tragédia.