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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quer incentivar a leitura e a prática esportiva no sistema prisional. O objetivo é aprimorar as ações que buscam contribuir para a ressocialização de presos já condenados por seus crimes, permitindo a redução parcial da pena.
Responsável por, entre outras coisas, propor medidas administrativas que aperfeiçoem o funcionamento do sistema judiciário, o conselho criou dois grupos de trabalho que, a partir de hoje (27), discutirão a elaboração de planos nacionais de estímulo à leitura e ao esporte nos ambientes de privação de liberdade. Além de membros do Poder Judiciário e do sistema de Justiça, os grupos contam ainda com a participação de representantes do Poder Executivo e da sociedade civil.
“Ainda não há como adiantar o caminho que este trabalho tomará”, declarou à Agência Brasil o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Antonio Tavares. A expectativa é que os planos sejam apresentados em 60 dias. E que, uma vez aprovados, sejam implementados em todo o país com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil).
“A proposta do trabalho é originar orientações, recomendações ou até mesmo uma resolução. Cada grupo vai verificar a melhor abordagem para darmos ferramentas que auxiliem os magistrados”, acrescentou o juiz auxiliar. Precedentes
Para entender o alcance da iniciativa e a importância do debate, é necessário voltar 36 anos no tempo. Quando entrou em vigor, em julho de 1984, a Lei de Execução Penal - estabeleceu que os presos condenados ao regime fechado ou semiaberto poderiam ter suas penas reduzidas através do trabalho ou do estudo. As informações disponíveis sobre o número de pessoas presas à época são imprecisas, porém, dados oficiais apontam que, em 1990, seis anos após a promulgação da Lei 7.210, a população carcerária brasileira girava em torno de 90 mil pessoas.
Vinte e sete anos depois, ou seja, em 2011, uma nova lei regulamentou que a pena do condenado autorizado a trabalhar ou estudar fosse reduzida na proporção de um dia para cada três dias de trabalho ou para cada 12 horas de atividade escolar. A população carcerária brasileira já tinha, então, saltado para 514.582 pessoas.
No fim de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou uma recomendação (n° 44) para que, ao analisar a possibilidade de redução de penas, os magistrados levassem em conta também as “atividades de caráter complementar” “que ampliam as possibilidades de educação nas prisões, tais como as de natureza cultural, esportiva, de capacitação profissional, de saúde, entre outras”. Tais atividades complementares devem estar integradas ao “projeto político-pedagógico” do sistema prisional e ser oferecidas por instituições autorizadas ou conveniadas com o poder público. O conselho também recomenda aos Tribunais que procurem estimular a redução de pena por meio da leitura, “notadamente para apenados aos quais não sejam assegurados os direitos ao trabalho, educação e qualificação profissional”.
Neste mesmo ano, o número de presos em todo o país já ultrapassava os 581,5 mil. E um grupo de parlamentares (a ex-deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG), o ainda deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e o hoje senador Romário (PSB-RJ) apresentaram um projeto de lei que estende o benefício da remição de pena já assegurada aos presos que estudem e trabalhem aos apenados que pratiquem atividades desportivas regulares. Passados mais de sete anos, a proposta não foi votada pela Câmara dos Deputados. Grupos de Trabalho
A iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de elaborar planos nacionais de fomento à leitura e à prática de esportes foi colocada em prática por meio de uma portaria do presidente do conselho e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. E vem à luz em um momento em que a população carcerária brasileira já ultrapassa os 773.151 (dados de 2019). Um aumento de mais de 750% em comparação aos 90 mil presos existentes em 1990. E que se deve a diversos fatores.
“A distância entre o que estabelece a Lei de Execução Penal e a realidade das casas prisionais, bem como entre o que estabelece a Lei do Sinase [Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo], de 2012, e a realidade das unidades socioeducacionais; a diferença entre o trato dispensado ao cidadão em confinamento e o que a legislação determina, demonstram a importância destes grupos de trabalho”, afirmou o juiz auxiliar do CNJ, Antonio Tavares.
Segundo o mais recente Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional, do total de presos em 2019, apenas 3,5% tiveram acesso à redução de penas pela leitura e 0,4% por meio da prática esportiva. Somente 2,3% dos apenados participaram de alguma atividade complementar à educação formal, incluindo atividades culturais.
Para Tavares, embora cada juiz da execução penal já conte com amparo legal para, eventualmente, aplicar a redução de pena a presos que estudem, leiam, pratiquem esportes ou trabalhem, há enormes dificuldades estruturais para garantir que mais apenados se beneficiem.
“É difícil encontrarmos casas prisionais com bibliotecas qualificadas; salas de aula efetivamente utilizadas. Nosso problema relacionado à Educação se estende também aos ambientes de confinamento”, declarou o juiz, analisando a questão prisional a partir do contexto social. “Há todo um contexto social e econômico que leva à superpopulação carcerária. Então, seria muito pouco falarmos sobre o alcance destas medidas [para reduzir o número de presos], mas sim, a redução de penas [por meio de medidas que favoreçam a ressocialização] podem contribuir para isto”, acrescentou Tavares.