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27/10/2023 12:00:00
Consultório médico de Campo Grande era base de espionagem paralela de funcionário da Abin

AB/LD

Em reportagem veiculada por investigação do Intercept Brasil, nesta semana, foi revelado que o consultório médico de um otorrinolaringologista de Campo Grande era base de empresa de espionagem ilegal de um funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

A prática é considerada ilegal, considerando o que está previsto na Lei 8.112/90, que define que o funcionário público está proibido de “participar de gerência ou administração de sociedade privada”.

O então agente da Abin, Bruno Bruno Carneiro de Albuquerque, é um dos agentes de inteligência que ocupou o alto escalão da Agência, durante o governo de Jair Bolsonaro.

Mesmo diante do que é previsto em Lei, Bruno escapa das sanções legais pois está registrado como “sócio”, não sendo permitido ele ser apenas “sócio-administrador”.

Entretanto, a prática reflete em um conflito de interesses, considerando que o servidor deveria atuar com inteligência no serviço público e não privado.

As práticas ilegais da empresa de espionagem privada sob o nome de Isciber Produtos e Serviços em Tecnologia da Informação tornaram-se públicas após denúncias de membros da própria Abin, conforme aponta a apuração do Intercept, confirmada com dados disponíveis nos sistemas da Receita Federal.

Os servidores da Abin afirmam que Bruno é um dos operadores das ilegalidades cometidas pelo governo Bolsonaro no comando da Abin, por meio de softwares espiões como o First Mile e o Augury.

Ele não está, no entanto, na lista dos agentes presos na última sexta-feira, 20 de outubro.

Ainda conforme informações da reportagem, questionado sobre um possível conflito de interesses na Isciber e sobre a falta de relação do pai com o tema da segurança cibernética, o agente respondeu: “Um médico não pode ter um McDonald’s?”.

Bruno ainda admitiu que o caso chegou a ser apurado internamente na agência: “Não virou nem processo administrativo. Arquivaram por falta de indícios, obviamente”. A corregedoria da agência é chefiada por uma indicada da gestão bolsonarista.

Apesar de estar sediada no escritório médico do pai do espião, em Campo Grande, os dados de contato do site da empresa tinham o DDD 61, de Brasília, local onde Bruno reside e trabalha.

No canto superior direito do site, havia um ícone do WhatsApp. Foi clicando nele que a reportagem conseguiu o número pessoal do servidor. Ouça, abaixo, o áudio da ligação entre o repórter do Intercept e o agente Bruno.

Correio foi ao local

O Correio do Estado procurou o endereço que seria o consultório do pai de Bruno, até então localizado na Rua Rui Barbosa. Pessoas que trabalham no endereço, com um outro negócio, informaram que o consultório não funciona mais neste endereço há cerca de três anos.

Agentes da Abin já foram exonerados e presos por prática ilegal

A Polícia Federal (PF) deflagrou, no dia de 20 de outubro, uma operação para investigar o uso do sistema de geolocalização de dispositivos móveis por servidores da Abin, sem a autorização judicial.

Nesta operação, chamada Última Milha, a PF cumpriu 25 mandados de busca e apreensão e dois mandados de prisão preventiva, além de medidas cautelares diversas da prisão, nos estados de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Goiás e no Distrito Federal. As medidas judiciais foram expedidas pelo Supremo Tribunal Federal.

De acordo com as investigações, o sistema de geolocalização utilizado pela Abin é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira. A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos.

Além do uso indevido do sistema, apura-se a atuação de dois servidores da Agência que, em razão da possibilidade de demissão em processo administrativo disciplinar, teriam utilizado o conhecimento sobre o uso indevido do sistema como meio de coerção indireta para evitar a demissão.

Os investigados podem responder, na medida de suas responsabilidades, pelos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Posteriormente, a Abin publicou, na terça-feira (24), a exoneração do secretário de Planejamento e Gestão, um dos investigados pela Polícia Federal (PF) na Operação Última Milha.

O órgão também exonerou dois diretores que não tiveram os nomes divulgados em função da proteção exigida por lei a agentes de inteligência.

O ex-secretário da Abin já estava afastado do cargo desde sexta (20), quando a operação foi deflagrada, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da investigação.