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Após longa e detalhada apuração, oito policiais civis de Mato Grosso do Sul, entre delegados e investigadores, se tornaram réus pelo crime de tortura, supostamente praticado em unidades da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública), em 2016. No processo, que tramita em segredo de Justiça, o MP-MS (Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul) descreve cenas de terror.
Um dos presos relatou que teve um objeto de metal introduzido no ânus dentro da delegacia. Além disso, outro contou que teria ouvido de policial que se não passasse informações precisas sobre comparsas, seria o próximo a ‘se enforcar’ em uma cela da delegacia especializada. Há registro na mesma época de um detido que foi achado ‘enforcado’ na unidade.
Segundo a investigação realizada pelo Gacep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial), os crimes teriam acontecido após a prisão de suspeitos de envolvimento com roubos a banco na cidade de Sonora, a 351 km da Capital. O caso tramita na 4ª Vara Criminal de Campo Grande.
Dois homens, de 30 e 39 anos, presos na época por suspeita de participação no roubo, foram submetidos a tratamento de tortura nas delegacias e em um dos casos, o preso chegou a acordar recebendo massagem cardíaca.
Ameaça de morte
O rapaz de 39 anos foi preso no dia 31 de maio de 2016, em Cuiabá (MT), por suspeita de participar de roubo a banco. Conforme denúncia, com apoio da Polícia Civil de Mato Grosso, o suspeito foi levado para a cidade de Sonora. Neste trajeto, o rapaz já passou a ser ameaçado pelos policiais de MS, que afirmavam que ele seria morto, caso não confessasse a autoria no crime.
Já na cidade de Sonora, de acordo com a investigação do Gacep, ele teria sido agredido com chutes na cabeça por um dos policiais e depois, por outros investigadores de polícia, que exigiam informações do roubo do qual era suspeito. Depois de levado para Campo Grande, foi colocada atadura nas mãos, pés e cabeça da vítima, que foi deitada em um colchão de uma das celas, aos fundos da delegacia.
Nesta unidade de polícia, ainda segundo o relatado pelo Ministério Público, os denunciados começaram as agressões que levaram a vítima ao desmaio. A cabeça foi enrolada por um cobertor e saco plástico, quando ele passou a ser asfixiado.
De acordo com a denúncia, após os desmaios, a tortura continuou. Foi jogada água no colchão, momento em que também foram colocada argolas nos dedos do pé e no órgão genital do rapaz, que passou a receber choques elétricos. Com vários desmaios, o homem só retomou a consciência com um dos policiais realizando procedimentos de massagem cardíaca e respiração boca a boca. Metal no ânus e risco de ‘se’ enforcar na cela.
Para que confessasse a participação no roubo, as agressões teriam continuado na delegacia da Capital. Após retomar a consciência, foi introduzido um objeto de metal no ânus dele e depois foi levado para uma das celas. Durante o tempo que ficou na delegacia, cerca de 30 dias, tinha apenas uma refeição por dia e os denunciados jogavam água fria na cela para que ele não dormisse.
Também, durante esse tempo que ficou em Campo Grande, foi dado início a um acordo de colaboração premiada entre os membros do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) – que desconheciam as agressões até então. Durante esse acordo, o preso foi ameaçado por um dos denunciados, que teria dito que caso as informações da colaboração premiada não batessem com as obtidas na delegacia de Sonora, o preso seria o próximo a morrer enforcado na cela em Campo Grande.
Em maio de 2016, um preso por duplo homicídio na região de fronteira de Mato Grosso do Sul foi encontrado supostamente ‘enforcado’ em cela da mesma unidade policial.
Relatos longe dos policiais
A denúncia desse caso foi feita ao Disque Direitos Humanos, depois da prisão de outro rapaz de 30 anos, também suspeito de roubo a banco em Sonora. Após a denúncia, ligado ao MPE, passou a investigar os casos, que aconteceram na mesma época, entre maio e julho de 2016.
Durante depoimento após a descoberta da tortura, o rapaz de 39 anos afirmou que não denunciou o caso quando estava na presença do Gaeco porque os agressores sempre estavam por perto. Durante visita na unidade para constatar as agressões, o MPE percebeu que os presos estavam com medo de relatar a tortura, mas longe dos policiais, contaram as agressões sofridas. Nos dois casos, os presos passaram por exame de corpo delito, que confirmaram as agressões.
Apanhou desde Goiás
Outro homem de 30 anos foi preso em Goiânia (GO) em junho de 2016 por policiais de Mato Grosso do Sul. Ao ser encaminhado para uma unidade policial ainda em Goiás, ele teria passado a sofrer tortura desde lá. Da mesma forma do primeiro caso, foi colocada atadura e argola nos dedos e nos pés, para que o homem sofresse choque elétrico. Os policiais ordenavam que ele delatasse um comparsa.
Em Sonora, policiais daquela unidade na época, passaram também a agredi-lo com cassetetes, chutes, também asfixiá-lo com uma sacola plástica. Depois, foi levado para uma das celas, onde o policial civil informou aos demais presos que o rapaz era estuprador de crianças.
O colchão do homem também foi molhado para que ele ficasse acordado. Os denunciados afirmaram que caso ele não confessasse o crime, não chegaria vivo em Campo Grande. No entanto, ele foi levado para uma delegacia da Capital, onde também sofreu as mesmas agressões do primeiro caso, para que fizesse reconhecimento fotográfico dos integrantes do grupo que praticou roubo em Sonora.
Os réus já foram todos citados e apresentaram defesa prévia. Conforme o processo, todos os denunciados negam o crime. Um dos policiais acusados do interior entrou com recurso, pedindo para que o caso tramite na Comarca de Sonora, mas o pedido ainda não foi analisado.