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11/03/2024 13:05:00
Multa milionária após incêndio dá origem a "teorias conspiratórias" sobre a Serra do Amolar

CE/LD

A multa de R$ 9,6 milhões imposta pela Polícia Militar Ambiental ao dono da pousada Dois Corações, Roberto Carlos Conceição de Arruda, por supostamente ter iniciado um incêndio que destruiu 1,2 mil hectares na região da Serra do Amolar, no final de janeiro, trouxe à tona uma espécie de “guerra” entre Ongs ambientalistas e uma série de “teorias conspiratórias” sobre aquela região do Pantanal.

Entre as teorias estão o suposto interesse em dominar as terras da região para faturar com a venda de créditos de carbono, supostos incêndios criminosos provocados por Ongs para conseguir ajuda internacional e, principalmente, apropriar-se das terras para uma futura exploração das riquezas minerais da Serra do Amolar.

Conforme a versão oficial e reproduzida uma série de vezes nas redes sociais do Instituto do Homem Pantaneiro (IHP), o fogo que provocou a “multa da discórdia” começou no dia 27 de janeiro na propriedade de Roberto Carlos, uma área de 142 hectares às margens do Rio Paraguai e no pé da Serra do Amolar.

No dia 5 de fevereiro, a PMA divulgou nota informando que, com base em imagens de satélite e georeferenciamento, ele havia sido multado em R$ 9,6 milhões por ter provocado o incêndio.

No dia 14 de fevereiro, porém, Roberto Carlos procurou a Polícia Civil em Corumbá para registrar Boletim de Ocorrência denunciando que estava sendo alvo de calúnia. “Afirma o comunicante/vítima que o Instituto do Homem Pantaneiro, através do Coronel Rabelo, seria o responsável por o acusar de colocar fogo na região de preservação”, diz trecho do BO.

Também ressalta “que foi estipulada a ele uma multa exorbitante no valor de aproximadamente R$ 9.700.000,00, como se o comunicante/vítima fosse pecuarista, o que não procede, uma vez que é apenas ribeirinho, sabe apenas assinar o primeiro nome, sendo analfabeto”.

Em entrevista por telefone, Roberto Carlos também reclamou do fato de ter sido “taxado” de empresário pela Polícia Militar Ambiental, sendo que cria em torno de 35 bovinos e tem uma pousada com dois quartos, nos quais consegue abrigar, no máximo, seis pessoas. A pousada fica a cerca de três horas de barco de Corumbá, rio acima.

Ao aplicar a multa, a PMA escreveu que ele teria colocado fogo para renovar a pastagem. Roberto Carlos, que tem 51 anos, e nega ter dado início ao incêndio, diz que nasceu naquele local e nunca morou em outro. Que “ganhou” a escritura das terras do Incra e tem conhecimento suficiente para saber que em janeiro não se coloca fogo para limpar pastagem.

“Se eu quisesse fazer isso, teria feito em agosto ou setembro, época em que o fogo realmente serve para esse fim. Além disso, aqui é tudo aberto, tem pasto para milhares de bois e eu só tenho 35 vacas e bezerros. Não faz o menor sentido eu colocar fogo, ainda mais nesta época do ano”, afirmou à reportagem do Correio do Estado.

Se o fogo realmente começou no local onde a PMA e o IHP dizem (em um baceiro a cerca de 400 metros da pousada), ele acredita que possa ter sido provocado por isqueiros que estavam capturando iscas na região naqueles dias, vésperas de reabertura do pesque e solte no Rio Paraguai.

Indagado sobre os possíveis motivos que teriam levado o Instituto do Homem Pantaneiro (IHP) e o Coronel Rabelo (PM aposentado) a fazerem a denúncia, ele acredita que seja porque o IHP quer “tomar minhas terras e assim ganhar dinheiro com a venda de créditos de carbono. Ao longo de 150 quilômetros do Rio Paraguai quase já não existe mais ribeirinho. Tomaram as terras de todo mundo”, afirma.

Ele acredita que a multa exorbitante tenha sido “encomendada” para inviabilizar sua permanência no local. “Já falei mais de uma vez, não vendo minhas terras, só sei tirar meu sustento daqui. Se eu tiver que ir para a cidade, vou morrer de fome”.

Em meio a essa disputa, o “empresário” que é dono de uma pousada com seis vagas conseguiu até um advogado voluntário, Nelson Araújo Filho, para tentar derrubar a cobrança da multa pelo Imasul (Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul).

Em sua argumentação, o advogado indaga sobre as razões que levaram as autoridades ambientais a ignorarem o fato de um incêndio em 25 de setembro de 2020 ter começado “distante 30 metros da sede do IHP, nos Novos Dourados, o qual consumiu entre 500 mil e 1 milhão de hectares”. A denúncia de que o fogo teria começado naquele local também consta do BO registrado na Polícia Civil no dia 14 de fevereiro.

E é nestes seguidos incêndios no Pantanal que reside outra suposta "teoria conspiratória". Segundo Roberto Carlos, “é muito estranho que estes incêndios que estão destruindo o Pantanal tenham aumento justamente ao longo do mesmo período em que determinadas Ongs estão ganhando força. Você sabe que sem tragédia, Ong não ganha dinheiro internacional. Ong não cuida do Pantanal, quem cuida e preserva é gente igual eu, minha família, os outros ribeirinhos e os fazendeiros que há séculos ganham a vida aqui”, desabafa.

O incêndio que deu origem à “multa da discórdia” foi combatido por cerca de duas dezenas de homens dos bombeiros e brigadistas do IHP e de moradores da região que receberam treinamento para atuarem como brigadistas. Até aeronaves do Governo do Estado foram mobilizadas para controlar o fogo.

Incialmente o IHP chegou a divulgar que cerca de 5 mil hectares haviam sido destruídos, mas a multa emitida pela PMA e anexada a um inquérito instaurado na semana passada pelo Ministério Público Estadual (8/03) evidencia que foram pouco mais de 1,2 mil hectares. O MPE quer descobrir se o dono da pousada foi ou não o resposável pelo incêndio.

RIQUEZAS MINERAIS

Mas a teoria mais intrigante em meio a esta troca de acusações é o suposto interesse pelos minérios da Serra do Amolar, apontada por uma fonte que pediu anonimato ao Correio do Estado. De acordo com esta fonte, as terras do Seu Beto, como é conhecido o dono da pousada que levou multa de quase dez milhões, estão em local chave e que seria fundamental para uma possível exploração e embarque de minérios no Rio Paraguai.

“A Serra do Amolar recebeu essa denominação pela presença abundante de uma pedra muito dura e escura, capaz de amolar facas, enxadas e machados. É minério de ferro”, a frase entre aspas faz parte de uma publicação do site da Ong ambientalista Ecoa, que tem uma espécie de base de estudos próximo à pousada do senho Beto.

Ainda conforme esta mesma publicação “em 1937, passou por lá o alemão Otto Willi Ulrich, a serviço do governo britânico. Suas pesquisas apontaram a presença de minério de ferro com pureza de 56%.” Este alemão teria escrito um livro que “traz o desenho de um mapa com todos o morros da Serra do Amolar. O pesquisador apontou as seguintes porcentagens de peso nos metais encontrados: ferro, 56,3%; manganês, 10,6%; Titanoxydo, 2,2%; cromo, 1%; e Estanho, 0,15%”.

E, inicialmente, segundo a publicação do Ecoa, estes minérios interessavam ao empresário Eike Batista, que é filho de Eliezer Batista, uma espécie de “pai da mineração brasileira”, pois em diferentes períodos comandou a Vale do Rio Doce e foi ministro de Minas e Energia antes e durante o regime militar. Foi ele o principal responsável pela identificação das reservas minerais brasileiras, inclusive as de Corumbá.

E, conforme publicação do Ecoa, “em decadência econômico-financeira, Eike está se desfazendo dos seus negócios. Para não perder o controle sobre a reserva, arrendou a propriedade, com opção de compra, para o IHP (Instituto Homem Pantaneiro), que tem como diretor-presidente o coronel reformado Ângelo Rabelo, o “xerife” do Pantanal". Rabelo trabalhou para a EBX durante dois anos como consultor de riscos ambientais”.

A Serra do Amolar está localizada na fronteira do Brasil com a Bolívia, entre Cáceres (MT) e Corumbá (MS). É bem maior que as morrarias que estão sendo exploradas há décadas em Corumbá. Só no ano passado foram retiradas em torno de 8 milhões de toneladas de minério destas morrariras A altitude da Serra do Amolar chega a mil metros e os morros se estendem ao longo de 80 quilômetros.

A reportagem do Correio do Estado procurou o IHP na sexta-feira da semana passada, mas não obteve retorno oficial do Instituto. Informalmente, porém, pessoas ligadas ao Instituto deram a entender que o senhor Beto é ligado à Ong Ecoa e que a venda de créditos de carbono não tem qualquer relação com uma possível compra ou posse de qualquer propriedade na região e que o Instituto não compra terras.