Correio do Estado/LD
O juiz Fábio Fischer, da 2ª Vara Federal de Dourados identificou verossimilhança entre as reivindicações dos indígenas Guarani-Kaiowá sobre a Fazenda Santo Antônio da Nova Esperança, localizada nas proximidades da Fazenda do Inho, ocupada pelos indígenas em março deste ano, e decidiu pela manutenção dos indígenas no território, distante cerca de 160 km de Campo Grande.
A decisão se ampara em um laudo antropológico de demarcação indígena no território ocupado pela etnia desde 2007. Esta área, é vizinha à Fazenda do Inho, pela qual, ainda não há estudos, e por isso o magistrado fala em verossimilhança.
“Portanto, há evidências de que a área ocupada na Fazenda do Inho se constitua em Terra Indígena, o que afastaria a legitimidade do título de propriedade apresentado – ao menos em um juízo de verossimilhança. Diante dessas circunstâncias, não há verossimilhança apta a justificar a determinação de retirada dos índios que estão ocupando o local, especialmente frente à ordem de suspensão das ações possessórias que envolvam terras indígenas (RE 1.017.365).”, destacou Fischer.
Conforme o magistrado, os indígenas ficarão no local ao menos até o julgamento do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal, marcado para junho deste ano. De acordo com o juiz, enquanto não houver o julgamento, há retomada das terras.
Com julgamento previsto para o próximo dia 7, o Marco Temporal servirá como uma de referência para todos os processos de demarcação de terras indígenas que estão em andamento no país. Caso seja aprovado, pode anular a demarcação de terras indígenas não ocupadas até o dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição da República.
Na decisão, o juiz destaca que a Fazenda do Inho localiza-se na região “Entre rios”, oficialmente denominada de Caiuás no começo dos anos 1940, justamente por ser a região identificada como pertencente aos indígenas da etnia Kaiowá.
“Esta região, conhecida como ‘Entre Rios’, antes de se denominar Rio Brilhante, foi chamada, na década de 1940, de Caiuás. Não por coincidência! Trata-se de região etnograficamente conhecida como pertencente aos indígenas da etnia Kaiowá. Na imagem, vê-se a localização da Fazenda do Inho, junto ao rio que hoje dá o nome à cidade de Rio Brilhante”, frisou.
Todavia, segundo o magistrado, o estudo realizado na ocasião, naturalmente, manteve-se adstrito aos limites definidos pela matrícula do imóvel ocupado, pois foi elaborado para o litígio entre as partes.
A fazenda do Inho, segundo a decisão, não poderia ser objeto daquela perícia antropológica de áreas estranhas à terra em litígio naqueles autos, o que, neste momento, apenas mantém os indígenas na propriedade, sem uma decisão final acerca do território, uma vez que, como já antecipado, as deliberações finais serão tomadas somente após o julgamento do Marco Temporal, previsto para o próximo mês.
“Se, por um lado, o autor possui título formal de propriedade da terra, e vinha exercendo a posse sobre ela de boa-fé até o momento da invasão; por outro, os índios demandados reivindicam um direito que foi reconhecido constitucionalmente como “originário”, vale dizer, que precede a qualquer título de propriedade, e deriva unicamente da tradicionalidade de sua ocupação”, pontuou o juiz.
Do mesmo modo, o magistrado destacou que não se pode ignorar o contexto histórico em que se constituiu a cadeia de domínio de parte das propriedades rurais no Mato Grosso do Sul, “transferidas para os particulares em um período no qual se tinha uma ideia desenvolvimentista que ignorava quaisquer outros fatores.”
Na mesma linha, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), informou haver Grupo Técnico constituído pela Portaria 791/PRES, de 2008, incumbido de realizar estudo antropológico, para a identificação de eventual ocupação tradicional sobre a área da Fazenda do Inho, informação já antecipada pelo Correio do Estado.
O outro lado
Dono da propriedade, o fazendeiro José Raul das Neves Jr, classificou a ação dos indígenas como “violenta e criminosa". Filho do proprietário e administrador da Fazenda do Inho, o fazendeiro disse ao Correio do Estado que a ocupação indígena põe em risco o sustento de sua família.
Na ocasião, José Raul Júnior queixou-se da forma que a terra que administra foi invadida e da falta de qualquer estudo ou reivindicação formal dos indígenas no passado. “[A fazenda] nunca constou em documento e em nenhuma reunião sobre terras reivindicadas”, disse.
O dono da fazenda disse possuir uma dívida de aproximadamente R$ 700 mil junto a uma cooperativa e com o Banco do Brasil [para financiar a safra]. Ainda que eu pudesse plantar o milho na ocasião, , José Jr disse que já havia perdido o prazo do plantio.