CE/LD
O conflito no território Pyelito Kue/Mbaraka’y, em Iguatemi, região sul de Mato Grosso do Sul, já dura mais de 10 anos pela posse de área que foi delimitada como terra indígena pelo grupo de trabalho da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2013. Nesta semana, o jornalista canadense Renaud Philippe, a cineasta e antropóloga Ana Carolina Mira Porto e o engenheiro florestal Renato Farac foram vítimas dessa disputa.
Por causa da agressão sofrida por eles, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que está em Mato Grosso do Sul, solicitou reforço policial da Força Nacional para a região.
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Ana Carolina e Renaud trabalham há dois anos em um fotodocumentário sobre a luta guarani-kaiowá pela demarcação de terras, registrando acampamentos, territórios e retomadas.
“Na última semana, eles cobriam a assembleia indígena Aty Guasu, em Caarapó, quando receberam a denúncia de ataques em Iguatemi. Os jornalistas seguiram ao local acompanhados de um engenheiro florestal que estava no evento, testemunha das agressões”, contou o Cimi, em nota.
No caminho para a aldeia, o grupo conta que foi cercado por caminhonetes, ainda na rodovia, e que homens encapuzados os agrediram. Antes disso, eles alegam ter encontrado uma viatura do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), que alegaram não haver problemas na região, conforme relato do casal.
“Tentaram se identificar como jornalistas, mas foram imediatamente hostilizados. Ambos foram jogados ao chão. Renaud foi brutalmente espancado e teve parte de seu cabelo arrancado. Carolina foi ameaçada com uma faca e arrastada pelos homens, que disseram que marcariam seu rosto e cortariam seu cabelo. Durante a agressão, uma viatura da Polícia Militar passou pelo local, mas ignorou os apelos desesperados por ajuda do casal”, continuou o Cimi.
Além do terror físico e psicológico, o jornalista canadense Renaud Philippe, 39 anos, estima que o prejuízo dos itens roubados, como celulares, câmeras fotográficas e documentos, seja de aproximadamente US$ 20 mil, ou seja, R$ 102 mil na moeda brasileira (na cotação de sexta-feira).
A Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul (DPGE-MS) também acompanha o caso, e o casal segue acolhido em um local seguro, que não foi informado por questões de segurança.Conforme Matias Hempel, funcionário do Cimi, o casal está com medo depois da situação.
Na sede da DPGE-MS, o jornalista canadense contou que, além dos chutes, socos, empurrões e puxões de cabelo sofridos pelos três, os agressores cortaram o cabelo dele, ameaçaram cortar o cabelo da antropóloga e roubaram todos os equipamentos de trabalho e documentos da equipe.
“Abriram nossas bagagens, levaram máquinas fotográficas, equipamentos cinematográficos, dois iPhone e demais instrumentos que utilizamos, nossos documentos pessoais e passaportes”, avalia o jornalista Philippe. Após roubarem todos os pertences, os homens ameaçaram os profissionais de morte, caso não fossem embora, e partiram.
“Quando as vítimas voltavam do local da agressão, se encontraram com a nossa equipe do núcleo, que também realizava um trabalho próximo dali, e foram socorridas. O boletim de ocorrência foi registrado em Amambai, na delegacia de Polícia Civil, e posteriormente [foram] até o Instituto Médico Legal, onde passaram pelo exame de corpo de delito”, diz o coordenador do Nupiir, defensor público Lucas Colares Pimentel.
VIOLÊNCIA NA REGIÃO
De acordo com uma liderança guarani-kaiowá, que preferiu não se identificar, a região indígena está sofrendo ataques desde terça-feira, quando uma grávida de 7 meses foi agredida e dois guerreiros kaiowá desapareceram.
Denúncias e pedidos de ajuda foram enviados ao Ministério Público Federal (MPF), à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ao Ministério dos Direitos Humanos, mas não houve respostas.
“Importante [destacar] que, ao mesmo tempo em que sabemos que essa situação do jornalista é inadmissível, aquilo é normal e acontece muitas vezes com os indígenas, mas, quando isso ocorre, muitas vezes não ganha a mesma proporção e divulgação”, afirmou Hempel.
Ainda segundo o relato do Conselho Indigenista, na região moram cerca de 200 indígenas, e um grupo de famílias indígenas havia realizado a retomada de uma parte da área delimitada no dia 18 deste mês. Porém, eles alegam que desde então não haviam feito mais contato com as lideranças da aldeia.
Ainda segundo o relato do Conselho Indigenista, na região moram cerca de 200 indígenas, e um grupo de famílias indígenas havia realizado a retomada de uma parte da área delimitada no dia 18 deste mês. Porém, eles alegam que desde então não haviam feito mais contato com as lideranças da aldeia.
Entretanto, mesmo com o conflito que já durava alguns dias, apenas após a agressão aos jornalistas a Força Nacional chegou ao local.
“O mesmo grupo que espancou os jornalistas havia promovido um cerco contra as famílias acampadas, que por uma semana não conseguiram acessar a aldeia, tampouco fontes de água e alimentos. Os indígenas se viram forçados a retornar, recuando da retomada. A comunidade afirma que ainda há pelo menos três pessoas desaparecidas”, declarou o Cimi.
Sobre a alegação dos jornalistas, o diretor do DOF, coronel Everson Antonio Rozeni, informou, em nota, que uma equipe do departamento chegou a abordar os jornalistas, mas não teve ciência de que eles teriam sido agredidos.
“Até o momento, a direção do DOF não recebeu nenhuma informação formal sobre o fato. Assim que houver comunicação formal, será instaurado um inquérito policial para averiguar o que de fato aconteceu”, disse a nota.
POLICIAMENTO
Em Mato Grosso do Sul para a terceira etapa da Caravana “Participa, Parente!”, a ministra Sonia Guajajara afirmou que lamenta que este não seja um caso isolado e também citou a morte de Dom Phillips.
Em nota, o ministério declarou que “repudia profundamente o ataque aos três profissionais que estavam produzindo um documentário sobre os povos da etnia guarani-kaiowá e informa que solicitou apoio à Força Nacional assim que foi notificado da agressão”.
O MPI ainda mencionou os assassinatos do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, que estavam registrando a situação de desmatamento e de invasões dos territórios indígenas na Amazônia.
“Guajajara destaca, ainda, a importância de coibir a violência contra todas as pessoas, mas reforça que há uma tentativa clara e quase que diária de intimidação de registros do cenário das comunidades indígenas no País, suprimindo os direitos dos povos indígenas”, disse a nota.
“O ministério informa, ainda, que continuará acompanhando o caso por meio do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas e que articulará junto do Ministério da Justiça e Segurança Pública e demais órgãos e instituições medidas para garantir a segurança aos profissionais no seu retorno”, conclui o MPI.
Em nota, a Polícia Federal (PF), que instaura procedimento investigatório criminal, reiterou que não pode dar informações sobre o andamento das investigações, para que não haja comprometimento das diligências. “A PF acompanhou o caso, realizou diligências nas localidades próximas à aldeia e instaurou a Notícia de Crime em Verificação [NCV]. Seguem na PF as investigações”.